Evasão e ausência de programas de governo alimentam crise da alfabetização de adultos no DF

Uma série de problemas resultantes da negligência do Governo do Distrito Federal (GDF) com a Educação de Jovens, Adultos e Idosos Trabalhadores (EJAIT) alimenta a crise da alfabetização de adultos no Distrito Federal. A evasão e o desaparecimento de pessoas interessadas em se alfabetizar são apenas alguns dos sintomas da falta de investimento nesse segmento da educação pública.

Nesta terceira matéria da campanha 2024 em defesa da EJAIT, o Sinpro-DF prossegue com a análise da professora Maria Madalena Tôrres, que, em entrevista especial para o sindicato, analisa a situação atual e mostra problemas fáceis de resolver quando o governo se interessa em ver a população da cidade alfabetizada.

Evasão e covid-19

Um dos principais problemas é o alto índice de desaparecimento das pessoas na alfabetização e a elevada evasão de quem já passou pela escola. “Posso falar sobre educação popular: a viabilização das turmas de alfabetização após a pandemia da covid-19 está sendo um trabalho muito duro mesmo para o educador popular, mesmo com a gente indo de casa em casa, formando laços com a comunidade, se organizando com ela, dando valor maior ao estudante, mas, ainda assim, a gente enfrenta o problema de evasão”, afirma Madalena.

Segundo ela, depois da pandemia da covid-19, o desaparecimento dos(as) alfabetizandos(as) se tornou ainda mais forte. “As pessoas ainda têm medo da covid-19 e, muitas vezes, elas vão para a sala de aula, mas, mesmo a gente seguindo todos os protocolos de segurança, utilizando o recurso do álcool em gel, o uso de máscara em sala de aula, etc., a gente percebe que se alguém espirrar dentro da sala, no outro dia vários(as) estudantes não comparecem e desaparecem”.

Ela diz que, antes da pandemia, a evasão era quase nula. “No entanto, mesmo considerando o medo da covid-19, nem tudo que aprofunda a crise da alfabetização de adultos tem que ver com o medo de doenças. Até porque, mesmo com esse medo, a gente tem mais pessoas nas turmas do que a nossa própria escola pública. O trabalho realizamos é justamente para fortalecer a escola pública e o público, é fazer a alfabetização para ver se tem um Primeiro Segmento mais forte na escola pública. Mas, infelizmente, a gente termina de alfabetizar, mas o Primeiro Segmento não está perto, localiza-se muito distante, em outro setor da cidade, em local de difícil acesso para o nosso povo trabalhador, que chega cansado em casa e não se anima em ir para uma escola localizada em regiões muito distantes”, afirma.

Mopocem e Cepafre mobilizam Ceilândia contra o analfabetismo

A professora Madalena informa que o lema dos movimentos populares de alfabetização de adultos é alfabetizar próximo à casa das pessoas. “Tanto é que somos nós que nos deslocamos atrás deles e não eles que se deslocam atrás da gente”. Na Ceilândia, existem dois movimentos importantes que fortalecem a EJAIT na rede pública de ensino do Distrito Federal: o Mopocem e o Cepafre.

O Mopocem é o Movimento Popular por Uma Ceilândia Melhor. Muitas vezes, quando o Centro de Educação Paulo Freire de Ceilândia (Cepafre) vai a campo para a busca ativa, muitos integrantes do movimento social se juntam ao grupo para ajudar a fazer na busca ativa. O Cepafre alfabetiza adultos desde 1989, quando foi fundado. Contudo, muita gente que atua nele já se dedicava à educação de adultos desde 1986, no Núcleo Paulo Freire de Alfabetização de Adultos. Madalena é uma dessas pessoas.

O Cepafre também atua em parceira com o Pólo de Extensão da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de Brasília (UnB). Trata-se de um projeto de extensão coordenado pelo professor dr. Erlando da Silva Reses, que é responsável pelo programa de formação inicial, bem como pelos conceitos da educação de jovens e adultos para que os(as) alfabetizandos(as) atendidos(as) no Cepafre, ao concluírem a alfabetização, possam dar continuidade à EJAIT na rede pública de ensino do DF.

“Mas o que ocorre é que, muitas vezes, a gente faz tudo isso, e, no fim, não tem para onde conduzir boa parte de nossas turmas de alfabetização. Por isso que a solução para os problemas da EJA passa, primeiramente, pela disponibilidade de escolas para todos(as). Tem de ter escolas para todos e todas. O que está lá nas diretrizes é resultado de uma grande luta nossa de matrícula qualquer tempo. Isso é resultado da luta dos professores da EJA, dos movimentos sociais. Matrícula a qualquer tempo. Mas, matricular aonde? Tem de ter escolas para matricular as pessoas”, afirma Madalena.

Bairros populosos do DF não têm escola e nem incentivos para a alfabetização

Um dos problemas que a alfabetização de adultos no DF enfrenta é a negligência do GDF, que não tem um sistema adequado, eficiente e sistemático de realização de busca ativa e nem a iniciativa de construir escolas novas nos bairros populosos e nas regiões que estão crescendo. Na avaliação do Sinpro, a falta de unidades escolares na capital do País é um projeto do atual governo para privatizar o sistema público de educação, manter a população analfabeta, carente, sem chances de melhorar de vida e sem condições de criticar os governos de plantão.

Muitos bairros das mais de trinta Regiões Administrativas não têm escolas, como, por exemplo, a Expansão do Setor O, o Condomínio Privê e o Pôr do Sol, só para citar os bairros ligados à Região Administrativa de Ceilândia. Outra RA com problemas de abandono por parte do GDF é o Sol Nascente, uma cidade gigante que tem apenas uma única escola pública de alfabetização de adultos.  Além de novas escolas, é preciso ter uma metodologia conectada com a realidade do(a) trabalhador(a).

Madalena alerta para o fato de que é preciso o GDF adotar e atuar com a metodologia do afeto porque as pessoas precisam de afeto e atenção. Segundo ela, muitos alfabetizandos não têm diálogos nos locais de trabalho e, em casa, os filhos não gostam e nem têm paciência de ouvi-los. “Quando a gente os ouve, cria laços. É um gesto de amor profundo e é uma coisa que deve ser muito pensada na relação educador–educando”.

Ela também diz que é fundamental ter transporte coletivo público disponível em todos os horários, iluminação nas ruas e atendimento médico do Estado para atender a estudantes com problemas de saúde, como, por exemplo, programas que detectem problemas de visão porque, muitas vezes, as pessoas desistem de estudar por não conseguirem enxergar. “No movimento popular, a gente faz o teste de acuidade visual. Quando percebemos que a pessoa está com 80% da visão comprometida e, praticamente, sem enxergar, entramos com os óculos, mas, principalmente após os governos Temer e Bolsonaro, esse atendimento, que é obrigação do Estado, desapareceu. E, assim, muitas vezes, a gente não tem como ajudar. A EJA não vai funcionar por osmose: ela vai funcionar se tiverem todas as condições”, assegura.

Nos governos anteriores de Lula e nos governos Dilma Rousseff (PT), havia o programa Brasil Alfabetizado, que atuava em conjunto com o denominado Olhar Brasil, que atendia toda a EJA do País. “Esses programas foram importantes demais. Foram muito bons e muita gente foi alfabetizada”, conta.

DF já ganhou prêmio pelo desempenho no Brasil Alfabetizado

No governo Agnelo Queiroz (PT), quando os governos Lula e Dilma implantaram o programa Brasil Alfabetizado, o GDF instalou, nas Coordenações Regionais de Ensino (CRE) de várias Regiões Administrativas, turmas de alfabetização e EJA. Inclusive o programa Brasil alfabetizado foi uma forma de trazer estudantes para a EJA no Primeiro Segmento. Madalena conta que essa foi uma época produtiva da Secretaria de Estado da Educação (SEE-DF) na alfabetização de adultos. “Realmente, teve uma grande diferença. A gente conseguiu alfabetizar muita gente. O Cepafre era um grupo muito atuante, principalmente no processo de formação do Método Paulo Freire. O tempo dos programas Brasil Alfabetizado e DF Alfabetizado foi um tempo promissor”, lembra.

A professora diz que foi uma experiência muito interessante porque tinha tudo que a pessoa precisava para se alfabetizar: os óculos, o transporte, a metodologia adequada, o lanche condizente, a escola perto das pessoas, dentre outras necessidades básicas para o funcionamento da EJA e da alfabetização. “No P Norte de Ceilândia, por exemplo, foram alfabetizadas oito turmas na época e a escola passou a ter EJA. Contudo, logo depois vieram o governo Temer, do MDB, que fechou a EJA lá”, denuncia.

Atualmente, o GDF oferece a opção de a pessoa ir no balcão e se matricular a qualquer tempo e isso é uma vantagem conquistada pelos movimentos de defesa da alfabetização e da EJA. O governo Ibaneis Rocha (MDB) realizou uma busca ativa oferecendo o número 156, Opção 2. “Isso não resolve. Não atrai a pessoa. Esse acesso deve estar sempre disponível sim, mas não basta. Tem de divulgar insistentemente na mídia a existência desse número e informar às pessoas que elas podem procurar determinadas escolas e se matricularem. Além disso, precisa ter carro de som, bicicleta de som, chamar as pessoas todo dia. Colocar um grupo grande de pessoas nas ruas fazendo levantamento e busca ativa”, orienta.

No entendimento do Sinpro, o atual governo do DF não faz isso e parece esconder do povo que existe a escola pública e um programa público de alfabetização de adultos, denotando haver um projeto de demolição da EJA. “O governo Ibaneis tem uma resistência profunda a fazer o que tem de ser feito. A gente vê, muitas vezes, que a busca ativa só vai aparecer quando não tiver matrículas suficientes e a escola está prestes a fechar. Só aí que a escola se mobiliza. Isso deveria ser uma mobilização permanente para a gente ter um retrato diferente da EJA no DF e no Brasil”, finaliza a professora Madalena.

 

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