EJA: Planejamento zero no governo Ibaneis
Governo Ibaneis “planeja” polos de EJA para o ano que vem; proposta dificulta o acesso à educação de jovens e adultos,
e não considera a real demanda demográfica do Distrito Federal
Relegado a segundo, às vezes terceiro plano, pela arrasadora maioria dos governos estaduais e municipais, o Ensino de Jovens e Adultos foi uma das modalidades que mais sofreu evasão escolar no período da pandemia de COVID-19. Sua retomada demanda uma série de estudos e levantamento de dados que o governo Ibaneis simplesmente não fez e, mesmo sem esse dever de casa, “planeja” criar polos de EJA no Distrito Federal, medida que só viria a dificultar (ainda mais) o acesso dessa parcela da população a algo que lhe é de direito.
De acordo com o “planejamento” do governo Ibaneis, está prevista a concentração do Ensino de Jovens e Adultos em alguns polos. O levantamento de Tião Honório, diretor do Sinpro-DF, descobriu que um desses polos é o Colégio Cívico Militar do Distrito Federal, antigo CED 01 da Estrutural, e outro provável no CED 04 no Guará. Ocorre que a demanda por EJA está espalhada por diversos cantos do Distrito Federal, principalmente em torno das novas regiões habitacionais que surgem a cada dia, como o Assentamento 26 de Setembro, em Taguatinga. Mas essas novas regiões simplesmente não são monitoradas pelo governo porque elas não existem oficialmente.
Metas 8 a 11 do Plano Distrital de Educação
Fruto de intenso debate entre a comunidade escolar, representantes da sociedade civil e do poder público, o primeiro Plano Distrital de Educação foi instituído pela lei nº 5.499/2015, com período de vigência de 2015 a 2024. Nesse documento, observa-se que as metas 8, 9, 10 e 11 servem (ou deveriam servir) de horizonte para o trabalho de planejamento da Secretaria de Educação. Lá estão previstos:
– A garantia e o monitoramento de acesso de estudantes do EJA,
– Consolidação da educação EJA de forma integrada à educação profissional na rede pública de ensino
– Gestão pedagógica e administrativa do EJA,
– Construção de centros de educação de jovens, adultos e idosos trabalhadores,
– Elevação da taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 99,5% até 2018,
– Oferta de ensino público à população encarcerada,
– Triplicação das matrículas da educação profissional técnica de nível médio
Cadê os dados?
Para que tais metas sejam aplicadas devidamente, são necessários o monitoramento e a avaliação da aplicação do PDE. Os últimos dados disponíveis sobre esse monitoramento datam de 2018. Não foram atualizados.
Se considerarmos apenas o item 9.4, que prevê “Criar e manter Sistema de Informações de Educação de Jovens, Adultos e Idosos Trabalhadores – SIEJAIT, articulado com a função dos agentes colaboradores da educação de jovens, adultos e idosos com a finalidade de identificar a demanda ativa por vagas de EJAIT na rede pública e realizar o acompanhamento do itinerário formativo (…)”, descobrimos que o monitoramento desta meta está com o status “paralisado”. Desde 2017. (pág. 162 do documento lincado no parágrafo acima).
“Se essa meta fosse cumprida, a SEEDF não teria a desculpa de que não tem aluno pra EJA”, desabafa a pesquisadora Dorisdei Valente Rodrigues, coordenadora do Grupo de Trabalho Pró-Alfabetização do Fórum de Educação de Jovens e Adultos no Distrito Federal (GTPA/DF) e Doutora em Tecnologias de Educação pela UnB.
Os dados mais atuais disponíveis são do GT18 da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), de outubro deste ano (e que também estão defasados). De acordo com esse levantamento, o DF possui 421.169 cidadãos e cidadãs com idade entre 18 a 85 anos sem o ensino fundamental completo. A meta 9 do PDE, que prevê a erradicação da taxa de analfabetismo, não foi cumprida.
Dorisdei lamenta o descaso do GDF: “com relação à EJA no DF, não temos muitos dados. A própria SEEDF não os atualiza ao nosso grupo de trabalho. Mas pelos nossos levantamentos, o DF não avançou em nenhuma das metas do PDE.”
Falta de monitoramento…
A doutora da UnB aponta vários exemplos do encolhimento da oferta de EJA no Distrito Federal. No caso da EJA sem integração à educação profissional, ela conta do CED 07 de Ceilândia, cuja quantidade de turmas foi reduzida. O 5º e 6º anos viraram uma única turma multisseriada, sob a alegação de que não havia matrícula. “Nossa pesquisa indica que há demanda, sim, por educação EJA, mas quem precisa dessas aulas não está na porta da escola.”
Os dados de Dorisdei são mais consistentes que os do GDF. Segundo a pesquisadora, a demanda potencial do DF por EJA está em torno das áreas assentadas que estão surgindo. Quem mora nesses locais não existe para o GDF, pois não há monitoramento, tampouco recenseamento nessas áreas. Como planejar a oferta de EJA?
… que leva à redução de oferta
As escolas que oferecem EJA estão ficando concentradas. “Em Taguatinga, por exemplo, são 3 unidades de ensino ofertando EJA. A SEEDF diz que são 4, mas uma delas é para atender a alunos surdos”, explica Dorisdei. “Se o cidadão que mora na região não tiver condições de ir para nenhuma dessas unidades, ele para de estudar.” Num contexto em que a prioridade é sobreviver, a oferta de ensino deve ser simples e descomplicada.
A situação na Ceilândia não é melhor, segundo a pesquisadora: “Se observarmos os dados demográficos da região, com a relação entre o total de habitantes e o percentual de indivíduos não alfabetizados, notamos a diminuição de oferta, e nenhuma preocupação do governo de chegar a essa população.” Fica difícil casar as metas do PDE com essa falta de planejamento.
Mulheres e negros, pra variar
Quando se aplica o filtro de gênero e raça nesses dados, a desigualdade social brasileira berra: mulheres, idosos, pretos, pardos, indígenas são os mais prejudicados com a falta de planejamento e de oferta de EJA. São os segmentos da população que, historicamente, vêm sofrendo com a falta (de oportunidades) de estudos ao longo dos séculos no país.
A concentração populacional do Distrito Federal apenas evidencia a gritante exclusão social que ainda existe no Brasil: ao mesmo tempo em que é a capital com taxa de escolaridade mais alta do país, também é a capital com 66 mil analfabetos – e, desse total, metade têm mais de 60 anos. E se 6,3% dos homens do Distrito Federal com mais de 60 anos são analfabetos, entre as mulheres esse índice salta para 10,6% do segmento populacional. Dados do IBGE.
“Nossos indicadores apontam que a pandemia afastou muitos estudantes, pois eles não têm a mesma facilidade de usar os recursos tecnológicos, seja por não terem acesso, seja por não saberem manusear os aparelhos. Além disso, eles não têm tempo disponível para acompanhar o ensino remoto. Precisaram aumentar sua jornada de trabalho para terem comida em casa. O que é necessário se fazer agora é uma política de retorno desses estudantes para a sala de aula”, diz Mônica Caldeira, diretora na Secretaria de Mulheres do Sinpro.