EJA e a resistência: silenciamento, desmonte e ausências das políticas públicas

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de resistência, visto que do ponto de vista histórico, perpassa por inúmeras dificuldades e desafios postos no cotidiano para garantia e legitimidade de direitos educacionais e sociais, muitas vezes (des) legitimados pelas ausências dos governos em cumprir as políticas públicas educacionais, especificamente, as metas 8,9,10 e 11 previstas no Plano Nacional de Educação/ PNE (2014-2024). Neste contexto, deparamo-nos com o chão da escola pública que oferta a modalidade com dificuldades estruturais de ordem administrativa e pedagógica imbricando na falta de professores especializados (EJA), na falta de adequação curricular, na evasão escolar, na desistência e ao mesmo tempo, na persistência dos estudantes jovens, adultos, idosos e trabalhadores que buscam o direito de estudar.

No cenário atual, o governo atual tem feito o desmonte e o silenciamento da modalidade (EJA) em diversos estados brasileiros e no Distrito Federal, bem como em suas ações de gestão inicial dissolveu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), vinculada ao ministério da Educação (MEC). Neste viés, fica a questão central – qual o objetivo do fechamento da modalidade EJA no país e no DF?

Nesta perspectiva de precária da educação pública em nosso país, o direito de estudar deve ser entendido como prática libertadora, em sua concepção mais ampla, traduz a ideia da liberdade não apenas em nível conceitual ou de aspiração humana, mas sim, como parte fundamentalmente construída a partir de processos históricos vinculados a cultura e ao mundo do trabalho (FREIRE,1976). Diante desse contexto se insere a Educação de Jovens e Adultos (EJA) como uma modalidade educacional que visa atender jovens, adultos e idosos provindos da classe trabalhadora que, ao longo de sua trajetória de vida, não iniciaram ou interromperam sua trajetória na escola em algum momento de sua vida, sobretudo, o respeito a singularidade, a diversidade, as memórias e histórias de vida trazidas pelos estudantes da EJA (Currículo,2014, p.9).

Em se tratando do Distrito Federal, a demanda populacional em relação ao “ direito a educação na EJA” é latente, tendo em vista os dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN) no ano de 2018, a estimativa é que cem mil pessoas entre a faixa etária acima dos vinte e cinco anos não terminaram o processo de escolarização na Educação Básica. Cabe-nos uma discussão entre profissionais da educação e gestão central da Secretaria de Estado de Educação do DF, sobre a oferta e o atendimento da modalidade EJA, se de fato estão acontecendo a busca ativa nas comunidades locais, o acolhimento do sujeito no processo de matricula nas escolas, corpo docente capacitado para desenvolver processos de ensino-aprendizagem de forma problematizadora, investigativa e com acesso às tecnologias, seja no espaço da escola ou nas salas de aula, é fundamental o acesso aos livros e as bibliotecas escolares no período noturno, bem como implementar a oferta da EJA integrada à educação profissional.

Para o fortalecimento da modalidade EJA e o atendimento das demandas reais das comunidades escolares, faz-se necessário e urgente, o cumprimento e a execução das políticas públicas previstas no âmbito nacional, o Plano Nacional de Educação (PNE) e, em nível local, no Plano Distrital de Educação (PDE), em especial, as metas a saber:

 Meta 8 – trata sobre a garantia da Educação Básica a toda população camponesa do DF, em escolas do campo de modo a alcançar no mínimo doze anos de estudos; Meta 9 –  versa sobre a constituição de um sistema público de educação para os (as) trabalhadores (as) na rede pública de ensino, oferecendo minimamente, 75% das matriculas da Educação de Jovens e Adultos e idosos na forma integrada à educação profissional;   Meta 10 –  estabelece a garantia no sistema público de ensino do Distrito Federal a oferta de escolarização às pessoas jovens, adultas e idosas em cumprimento de pena judicial de privação de liberdade no sistema prisional do DF; Meta 11 –  triplicar as matrículas da Educação Profissional Técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta em pelo menos,75% da expansão na rede pública.

É de fundamental importância, do ponto de vista político, a análise sobre a implementação das políticas públicas e o papel do Estado e sua relação com os interesses das classes sociais, sobretudo em conduzir as políticas econômica e social, a fim de identificar a atribuição de maiores investimentos em setores sociais ou prioridades de ordem econômica, se atua na formulação, regulação ou ampliação ou não dos direitos sociais. Por fim, é necessário avaliar o caráter e as tendências da ação estatal e os reais interesses sobre o benefício de suas ações e decisões (BOSCHETTI, 2009).

2.BREVE HISTÓRICO DA IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA EJA

Para continuidade do diálogo, o trabalho apresentado aqui, foi fruto da participação coletiva entre a Diretoria da Educação de Jovens e Adultos (DIEJA) e várias organizações e sujeitos que de forma articulada possibilitaram a implementação das políticas públicas educacionais na Educação de Jovens e Adultos no ano de 2017, especificamente, a EJA integrada à Educação Profissional, o fomento à formação continuada para professores e a elaboração e implementação do projeto de remição de pena pela leitura no DF.

Participaram dessas ações representantes da Universidade de Brasília (UnB), do Fórum EJA, do movimento popular da Ceilândia – MOPOCEN, do Sindicato dos Professores das Escolas Públicas do DF – SINPRO, da Vara de Execuções Penais (VEP), do Ministério Público da União (MPDFT), bem como, participação efetiva dos gestores públicos, dos supervisores e dos coordenadores pedagógicos e professores que atuam na Educação de Jovens e Adultos na rede pública de ensino do DF.

EJA integrada à Educação Profissional

Em 2016, implementou-se o projeto piloto que contemplou a inserção de qualificação profissional, articulados integrados com a EJA por meio dos cursos de FIC (carga horária de 160 horas), na Coordenação Regional de Ensino de Sobradinho (CRE-So), atendeu inicialmente, cinco UEs da rede pública de ensino na modalidade da EJA. Teve como objetivo organizar processos de ensino e de aprendizagem adequados às necessidades desses estudantes, com vistas ao mundo do trabalho e à melhoria da qualidade de vida e foram ofertados para 450 (quatrocentos e cinquenta) estudantes regularmente matriculados nos 1º e 2º Segmentos da EJA, como também para a EJA Interventiva. Especificamente, a oferta da Educação Profissional integrada à EJA, por meio dos cursos FICs de 160 horas em Sobradinho, atingiu 12 (doze) turmas de trinta estudantes e, na EJA Interventiva, 06 (seis) turmas com quinze estudantes.

Com a necessidade de flexibilizar tempos e espaços para os estudantes da EJA que não têm acesso à qualificação profissional na sua cidade ou região administrativa foi possível expandir a oferta da Educação Profissional e Técnica do projeto–piloto em Sobradinho para doze Coordenações Regionais de Ensino (CREs) sendo ofertadas cerca de quatro mil vagas e contemplou setenta e nove turmas, por consequência o aumento na matricula em cerca de duas mil e quinhentas vagas ofertadas nos 1º,2º 3º segmentos da EJA no ano de 2017.

Formação continuada para docentes

Por meio da articulação da Diretoria de Educação de Jovens e Adultos (DIEJA) entre a Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais de Educação (EAPE) e a Universidade de Brasília (UNB) foi possível promover e fomentar a formação continuada para professores e pesquisadores da Educação de Jovens e Adultos no Distrito Federal. Estes processos formativos aconteceram em quatro momentos do ano de 2017 e atingiu cerca de 50% dos professores promovendo temáticas com abordagens específicas da modalidade, sendo realizados os seguintes eventos de formação continuada para professores:

II Seminário – Letramentos na EJA: o caráter crítico reflexivo da prática docente. Público alvo: Público Alvo: professores, pesquisadores e comunidade escolar. Objetivo: promover um momento de reflexão sobre as práticas educativas realizadas na EJA, como forma de ressignificar os itinerários de aprendizagem na perspectiva de uma pedagogia que almeja a autonomia dos sujeitos da EJA.

 I Simpósio da Educação de Jovens e Adultos: um diálogo entre a Educação Popular e a Educação de Jovens e Adultos. Público alvo: professores, pesquisadores e comunidade escolar. Objetivo: reunir professores, pesquisadores, estudantes de licenciaturas e demais interessados na modalidade da Educação de Jovens e Adultos a fim de ressignificar a EJA a partir da Educação Popular.

III Seminário da EJA – A Educação no Pensamento de Paulo Freire: cenários, buscas e desafios. Público Alvo: professores, pesquisadores e comunidade escolar.  Objetivo: refletir sobre o pensamento educacional de Paulo Freire e suas contribuições para a prática docente na educação de jovens e adultos, compartilhando experiências docentes na EJA da Rede Pública de Ensino do DF.

I Colóquio de Educação na EJA: caminhos para uma práxis  transformadora no DF. Público Alvo: professores, pesquisadores e comunidade escolar. Objetivo: dar visibilidade às pesquisas em Educação na modalidade de Educação de Jovens e Adultos bem como reunir os professores na explanação e discussão de pesquisas realizadas que contribuam com a formação continuada dos professores da Rede Pública e Privada do Distrito Federal e entorno.

Parceria, junto ao Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação – EAPE, na proposta, divulgação e captação de professores para o Curso para o atendimento à EJA Interventiva.

Remição de pena por leitura

A elaboração e implementação do projeto de remição de pena pela leitura no no âmbito do Distrito Federal, atendeu a determinação da Vara de Execuções Penais (VEP/DF), fundamentada na Portaria VEP nº 010, de 17 de novembro de 2016, a qual visou atendendimento, prioritariamente, os custodiados não classificados para estudo ou qualificação profissional e abarcou a população carcerária de quinze mil e quinhentos privados de liberdade nos seis estabelecimentos penais do DF. Nesse sentido, foi publicada a Portaria Conjunta nº01, de 19 de abril de 2017, que instituiu uma comissão intersetorial, para a elaboração do projeto de remição de pena por leitura, foram envolvidos representantes dos seguintes órgãos públicos: Secretaria de Estado de Educação/ SEEDF (DIEJA e Centro Educacional 1 de Brasília) e Secretaria de Estado de Segurança Pública e da Paz Social/SSP. A execução do referido projeto aconteceu no segundo semestre de 2018.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O NECESSÁRIO POSSÍVEL

Do ponto de vista histórico, encontramos o discurso pela democratização do ensino que, por um lado, apresenta-se de forma quantitativa, em que se defende a ampliação das ofertas educacionais, a partir do aumento do número de escolas para as classes populares, como também, garantir a gratuidade e obrigatoriedade ao ensino ainda que de forma elementar. Por outro lado, a melhoria qualitativa do ensino, fundamenta-se nas reformas educacionais, reformas de organização escolar, novas metodologias e formação docente. Neste viés, faz-se necessário a compreensão do direito a educação e o papel da escola pública, visto que não é uma doação do Estado ao povo, pelo contrário é um progresso de lentas conquistas provindas das classes populares quanto ao acesso a democratização do saber, por meio da democratização da escola (SOARES,2008).

Neste sentido, este artigo traz a reflexão e discussão de que há caminhos e possibilidades para o fortalecimento da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que não pode ser entendida como um favor do Estado em sua oferta à população, mas sim um direito educacional legitimado, uma vez que execute as políticas públicas educacionais vigentes. Entende-se os sujeitos que estudam na EJA possuem saberes e fazeres construídos a de suas memórias, histórias e vivências de vida, porém em muitos casos, encontram-se a margem da sociedade, pela ausência de acesso aos bens culturais, aos fatores econômicos e ausência dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1998.

Diante desse contexto, cabe a escola pública cumprir sua função social, transformar e emancipar este sujeito propondo aquisição do conhecimento formal, com objetivo de elevar o nível de escolaridade, de ascensão social e econômica para retomar sonhos e projetos de vida, interrompidos no passado, bem como a preparação do indivíduo para o mundo do trabalho (Distrito Federal, 2014).

Atualmente, percebe-se o silenciamento da EJA, desmonte e as ausências das políticas públicas, isto impacta no fechamento significativo de turmas em várias coordenações regionais do DF, bem como na precarização e na desvalorização do trabalho docente, na falta de infraestrutura nas escolas para o atendimento as demandas do período noturno, na ausência da implementação da educação profissional integrada à educação de jovens e adultos (EJA) o que representa uma descontinuidade das ações de implementação das políticas públicas educacionais.

Ainda existem muitos enfrentamentos e ações precisam sair do papel para garantir a legitimidade de direitos à modalidade de Educação de Jovens e Adultos, a saber: a aprovação da Diretriz Operacional da EJA, a reestruturação do Currículo em Movimento da EJA em conformidade com a Base Nacional Comum (BNCC), ampliação da oferta de vagas nas escolas em comunidades de alta vulnerabilidade social e econômica e no sistema prisional, o cumprimento da meta 11 do (PDE) para a profissionalização na Educação de Jovens e Adultos até o ano de 2024, para isso faz-se necessário abertura de concurso público para profissionais da educação profissional e para professores especialistas na modalidade EJA, bem como promover a formação continuada para professores efetivos no período noturno e descentralizadas nos quatro polos regionais.

Neste viés, urge fazermos uma discussão coletiva em audiência pública, na casa do povo – Câmara Legislativa do Distrito Federal –  promovendo  a participação do governo de Distrito Federal, das autoridades da Secretaria de Estado de Educação – SEEDF, sindicatos , gestores , professores, pesquisadores, estudantes, representantes dos movimentos populares e do Fórum EJA a fim de definir e nortear o cumprimento das políticas públicas educacionais, bem como a execução das metas 8,9,10,11 do Plano Distrital de Educação para que a população e os estudantes do DF, não sejam vistos nas ruas das cidades e nas escolas públicas, apenas como “Passageiros da Noite” (ARROYO,2017).

 

Por: Ana Cristina de Castro*

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura e Práticas Sociais (UnB), Mestre em Educação (UNB), professora da Secretaria de Estado de Educação do DF, professora da educação superior privada. Atuou como diretora na Diretoria da Educação de Jovens e Adultos (DIEJA) – Subsecretaria de Educação Básica do DF (SUBEB).

 

EJA e a resistência silenciamento, desmonte e ausências das políticas públicas