Educação sexual nas escolas para combater o abuso infantil
Em julho do ano passado o governo federal anunciou a retomada do ensino da educação sexual, uma das ações prioritárias do programa Saúde na Escola. Imediatamente após o anúncio, as redes sociais e os aplicativos de mensagens instantâneas sofreram uma enxurrada de desinformação (fake news) sobre a iniciativa. Neste 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, é flagrante que a reação injustificadamente avessa à educação sexual nas escolas permanece viva, e impõe sérios riscos a crianças e adolescentes.
Para a diretora do Sinpro Mônica Caldeira, o ensino sobre sexualidade não deve ser um dever apenas da família. “Para combater qualquer crime, é preciso conhece-lo antes. Educação sexual não é estimular crianças e adolescentes à atividade sexual. Educação sexual é ensinar sobre o corpo humano, conscientizar sobre as partes íntimas, para que as crianças e os adolescentes possam identificar possíveis casos de abuso e se defender, denunciar. Isso também é fazer bonito”, esclarece, se remetendo à campanha Faça Bonito, que conscientiza e luta pelo combate à exploração e ao abuso sexual de crianças e adolescentes (veja mais sobre a campanha no fim da matéria).
Em entrevista ao Aos Fatos, a professora e coordenadora do Gecimas (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação em Ciências, Matemática e Sexualidade) da UFABC (Universidade Federal do ABC), Mirian Pacheco, defende a abordagem da educação sexual em sala de aula, e mostra que o centro da questão é respeitar as limitações de maturidade dos(as) estudantes. “A forma de abordagem, que é fundamental, é aquela respeitando sempre o nível de desenvolvimento cognitivo e emocional dos alunos”, afirma.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, de 2015 a 2021, foram notificados 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Desse total, 83.571 contra crianças e 119.377 contra adolescentes. Nesse período, o ano com maior registro desses casos foi 2021: 35.196.
“Foi justamente de 2015 a 2021 que teve início o ataque à educação, à liberdade de cátedra, à função da escola como formadora de cidadãos e cidadãs críticos”, lembra a diretora do Sinpro Márcia Gilda. Segundo ela, “começamos a mudar os rumos dessa história, mas é preciso ainda muita luta”. “Essa postura antidemocrática, arcaica, persecutória, atrasada e contrária aos direitos humanos, infelizmente, ainda vigora no nosso país. Quem está em sala de aula, mais que ninguém, sabe muito bem disso. Cabe a nós unirmos forças para firmamos que educação é para ser emancipadora.”
Em 2019, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em conjunto com outros organismos internacionais, lançou o documento “Orientações técnicas internacionais de educação em sexualidade”. No estudo, foram analisados programas de educação em sexualidade em diversos países. A conclusão foi de que em nenhum deles a abordagem da educação sexual nas escolas acarretou na antecipação da iniciação sexual de crianças e adolescentes.
Os locais com maior frequência de casos de abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes é a residência da vítima e do suspeito. Diante do cenário, as escolas apresentam-se não só como espaços de conscientização e prevenção, mas também de acolhimento às vítimas.
“Nós, educadores e educadoras, também podemos ter o papel de escuta. E para isso, também precisamos de formação. Precisamos saber como lidar com essas vítimas, como acolhê-las, como orientá-las. Aliás, essa formação é importante, inclusive, para observarmos comportamentos que podem indicar que aquela criança ou aquele adolescente está sofrendo abuso”, diz a diretora do Sinpro Mônica Caldeira.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, educadores(as) que suspeitem ou tenham confirmação de maus-tratos de estudantes, devem comunicar, imediatamente, ao Conselho Tutelar. O primeiro passo, entretanto, é acolher a vítima.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) orienta que, quando for abordar ou escutar o(a) estudante vítima de violência, o(a) professor(a) ou o(a) orientador(a) educacional deve:
- Demonstrar disponibilidade para conversar e buscar um ambiente apropriado para tanto;
- Ouvir atentamente, sem interrupções, e não pressionar para obter informações;
- Levar a sério tudo o que ouvir, sem julgar, criticar ou duvidar do que a criança/adolescente diz;
- Manter-se calmo(a) e tranquilo(a), sem reações extremadas ou passionais;
- Fazer o mínimo de perguntas necessário, utilizando linguagem acessível à criança ou ao adolescente;
- Anotar tudo que lhe foi dito, assim que possível, pois isso poderá ser utilizado em procedimentos legais posteriores;
- Expressar apoio, solidariedade e respeito, e reforçar que a criança/adolescente não tem culpa do que aconteceu;
- Explicar à criança ou ao adolescente que será necessário conversar com outras pessoas para protegê-lo(a);
- Evitar que muitas pessoas saibam dos acontecimentos, para minimizar comentários desagradáveis e inapropriados, e a estigmatização da criança/adolescente;
- Se for entrar em contato com a família, é preciso ouvir anteriormente quais são as pessoas que a criança/adolescente aprova como interlocutores;
- Mostrar-se disponível para novas conversas, sempre que a criança/adolescente precisar.
Como e onde notificar os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes?
Faça Bonito
A lei 9.970, de 17 de maio de 2000, institui o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A lei foi instituída em memória de Araceli Cabrera Sánchez Crespo.
Com apenas oito anos de idade, Araceli Cabrera Sanches foi sequestrada em 18 de maio de 1973. Ela foi drogada, espancada, estuprada e morta por membros de uma tradicional família capixaba. O caso foi tomando espaço na mídia. Mesmo com o trágico aparecimento de seu corpo, desfigurado por ácido, em uma movimentada rua da cidade de Vitória (ES), poucos foram capazes de denunciar o acontecido. O silêncio da sociedade capixaba acabaria por decretar a impunidade dos criminosos.
A partir desse evento chocante, o 18 de maio foi estabelecido como uma data para conscientização e mobilização da sociedade brasileira contra a exploração e o abuso sexual de crianças e adolescente. A Campanha Faça Bonito – proteja nossas crianças e adolescentes é uma das principais iniciativas com esse intuito.
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