Educação se constrói com democracia, diga não à militarização das escolas

Por Julio Barros*

A entrega da gestão das escolas públicas à Policia Militar em diferentes estados do país tem acendido um sinal de alerta junto aos profissionais de educação, suas entidades representativas e pesquisadores da área. O modelo educacional já foi implementado em alguns estados como Goiás, Bahia, Roraima e Mato Grosso e dividiu opiniões.

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro (PSL), que sempre deixou explícito em seu discurso sua simpatia pelo ensino militar, assinou um decreto, divulgado no Diário Oficial da União (DOU), que prevê o fomento à criação de escolas cívico-militares. O texto não especifica quais serão as características desses estabelecimentos nem como se dará a sua implementação, mas oferece alguns indicativos sobre os objetivos, ou seja, um ensino inspirado em colégios militares.

No âmbito distrital, seguindo a tônica de Bolsonaro, o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou, na última semana, que também iniciará o processo de militarização de quatro escolas públicas do DF. A ação que faz parte do projeto SOS Segurança e terá parceria com a Polícia Militar (PM), surgiu como resposta à crescente onda de violência dentro do ambiente escolar, seja contra professores, servidores ou entre os próprios estudantes. Entretanto, o enfrentamento à essa violência está associado apenas ao uso de técnicas repressivas que ignoram os reais problemas enfrentados na rede pública de ensino

Não dá para comparar o desempenho positivo dos Colégios Militares no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) nem no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) com os resultados alcançados pelas escolas públicas, primeiramente, em relação aos custos. Atualmente, existem 13 colégios militares no Brasil, sendo que o valor gasto com cada aluno é três vezes maior do que com quem estuda em escola pública regular. Estima-se que são R$ 19 mil reais por estudante e professores com salários que ultrapassam os R$ 10 mil reais. Enquanto que no setor público, o valor investido anualmente é em média de apenas R$ 6 mil por estudante, com professores que recebem apenas o valor do piso.

Os resultados positivos dos Colégios Militares são atribuídos ao sucesso do modelo, porém, estudos disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) demonstram que essa conclusão é frágil e sem sustentação na realidade. Sem dúvida, se as mesmas condições fossem oferecidas aos alunos de escolas públicas todos alcançariam o mesmo padrão de qualidade.

Outro ponto polêmico é em relação ao acesso. Não existe igualdade de condições e permanência. O egresso acontece somente por meio de seleção e parte das vagas são destinadas aos próprios filhos dos militares. As escolas militares possuem método completamente excludente, uma vez que também ignoram o egresso de pessoas com deficiência, com dificuldade de aprendizagem ou comportamental, e também os mais pobres, o que foge ao ideal de uma escola pública que englobe todos alunos sem segregá-los.

E é exatamente isso que a escola militarizada representa: segregação. Nada mais é do que um ensino privado disfarçado de público, uma vez que gera custos aos pais. Isso porque é preciso pagar várias taxas, desde a matrícula aos uniformes. Sem falar nas “contribuições voluntárias” (mensalidades). Há relatos de locais em que os pais gastam de R$700 a R$900 reais apenas com uniformes. Além disso, na maioria das vezes, as instituições são localizadas em locais mais nobres, ou seja, os alunos de áreas periféricas serão excluídos.

A militarização é também um ataque à gestão democrática. A curto prazo, policiais podem suprir a necessidade de contratação de orientadores educacionais e dividirem a responsabilidade da gestão da escola. A médio e longo prazo, os PM´s poderão assumir completamente a direção das escolas e substituir parcialmente os professores regentes.

Isso representa o desvio de finalidade da função da Polícia Militar, que é fazer a segurança de todos os cidadãos e cidadãs. Com essa prática, retiram das ruas o já reduzido efetivo policial.

A militarização da escola pública constitui práticas pedagógicas que limitam os princípios constitucionais do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e o não conhecimento da realidade escolar. Policiais não estão preparados para debater ideias e resolver conflitos, qualquer divergência ou discussão já descamba para agressão, acabando com a liberdade de expressão. Os alunos ficam o tempo inteiro submetidos a um sistema rígido em que devem apenas obedecer. Aqueles que não se adequarem são simplesmente ignorados e “convidados a sair”.

Este processo de militarização da educação, que vem aumentando em algumas cidades brasileiras, tanto na gestão das escolas, quanto em processo de desenvolvimento pedagógico de atividades escolares, incorre em sérios riscos para a consolidação de uma educação pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Os valores cultivados nas escolas não podem ser outros, sob pena de abrirmos mão de conquistas históricas da sociedade brasileira, pelo menos desde a Constituição Federal de 1988.

Os Colégios Militares existem e devem se limitar ao seu espaço e à sua proposta pedagógica. O grande problema da militarização aqui denunciada e repudiada é a apropriação das unidades públicas da educação, nos estados, pela gestão ou lógica militar no desenvolvimento pedagógico.

A educação pública no DF conta com profissionais mais qualificados e preparados para promover a educação dos estudantes brasilienses com cursos de pedagogia, licenciaturas específicas, pós-graduação, mestrado e doutorado para atuar em diversas áreas. Portanto, com plenas condições de lidar com as questões pedagógicas na formação de nossos estudantes. Toda essa estrutura, inclusive, conta com um arcabouço legal e normativos próprios.

Sendo assim, a militarização das escolas públicas não pode ser a resposta de um governo democrático para os problemas da educação pública (indisciplina, evasão, violência, infraestrutura precária, qualidade, entre outros). Os problemas existem e a solução para eles passa por mais investimentos em políticas públicas educacionais.

O Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro/DF) repudia a política de militarização da educação ora pretendida/empreendida pela Secretaria de Educação do DF, que pretende ser a precursora no DF, de uma experiência que já se mostrou desastrosa em outras unidades da Federação. Neste sentido, somos radicalmente contra essa iniciativa e conclamamos que o governador Ibaneis Rocha revogue medidas nesta direção.

Em vez da ideologia militar e do autoritarismo nas escolas, queremos que a Secretaria de Educação cumpra as leis do Plano Nacional de Educação (PNE) e do Plano Distrital de Educação (PDE).

Em tempos em que se discute leis medievais como Lei da Mordaça (Projeto de Lei nº 7180/2014), que querem censurar o pensamento crítico nas escolas, a militarização da educação é outra face da mesma moeda, pois visa o desmonte do ensino público por meio da substituição de professores por “policiais aposentados e/ou afastados por problemas de saúde, sem possuírem conhecimento científico/pedagógico para exercerem a função. Isso demonstra o avanço de uma concepção de ensino reacionário que cerceia o pensamento crítico.

A militarização das escolas assola o meio educacional brasileiro e esse tipo de experimentalismos pode levar o governo a um fracasso desmoralizador. Basta de aventureirismos com a educação. Não vamos permitir nenhuma tática eleitoreira tipicamente fascista, por meio da manipulação do medo.

*Julio Barros – Diretor de Organização e Informática do Sinpro-DF, Mestre em educação pela UnB, membro do Fórum Distrital de Educação (FDE) e coordenador da Comissão de Monitoramento e Avaliação do PDE