“Educação é um dos principais meios para conscientizar contra a violência”, diz professor atingido por bala perdida

Professor Alexandre Bernardi, atingido por uma bala perdida enquanto configurava um controle, em frente à EC 10 da Ceilândia

 

Era uma tarde normal de quinta-feira. O professor de Educação Física readaptado Alexandre Bernardi de Figueiredo, de 62 anos, resolveu configurar dois controles do portão da Escola Classe 10, na QNM 2/4 de Ceilândia. Tranquilo, ele se sentou no chão. Ao seu lado direito, estudantes de 4 a 11 anos caminhavam rumo à entrada principal da escola.

“Escutei um barulho. Não perto, longe. Então, senti uma dor muito forte na minha coxa. Quando olhei, pensando que fosse o controle que tivesse estourado, ou algo assim, minha mão estava cheia de sangue. Quando fiz um movimento, a bala caiu dentre as minhas pernas. Olhei a bala, mas tentei ficar o mais tranquilo possível. O sangue estava correndo muito. E a minha preocupação era de ter pegado em alguma artéria principal. Então, pedi para uma funcionária chamar alguém para me ajudar”, contou o professor pelo telefone nesta quinta-feira (9/09), após ter recebido atendimento médico.

Ninguém sabe exatamente de onde a bala veio. Segundo Alexandre, um policial que chegou ao local disse que, no momento em que o professor foi atingido, acontecia um assalto em uma loja de equipamentos eletrônicos na avenida abaixo da escola, com troca de tiros. “A sorte é que foi comigo. Imagina se fosse com algum aluno”, diz professor com ternura e alívio.

Professor Alexandre atua na EC 10 da Ceilândia há 11 dos 23 anos de secretaria de Educação. Ele, que chegou a morar na cidade, nunca imaginou passar por uma situação dessas. Consciente das circunstâncias sociopolíticas e econômicas que impedem jovens de terem perspectivas de uma vida plena e impõem um ambiente hostil, o professor é categórico ao dizer que a saída para o cenário de violência passa, necessariamente, pela educação.

“Esse negócio de compra de arma não pode ser legalizado de forma alguma. Não adianta ter arma em casa, mesmo sabendo usar. O que tem que ter é a conscientização da população. E a educação é um dos principais meios para se conscientizar”, disse o professor.

A vice-diretora da EC 10 da Ceilândia, Queila Barbacena Campos Dias, conta que viveu nesta quinta-feira um dos momentos mais tensos de sua vida. Para ela, ações básicas, como a existência de um Batalhão Escolar, poderiam trazer mais segurança para trabalhadores em educação, estudantes e toda a comunidade escolar.

“As políticas públicas falham em atender as crianças de uma maneira integral. Todas as escolas tinham que ser integrais, para garantir que os pais trabalhassem com segurança e elas não ficassem nas ruas. Com a pandemia, esses problemas cresceram. As crianças não têm onde ficar”, conta a vice-diretora, que além de realizar as atividades de gestão, também recebe os estudantes na entrada da escola, que não tem porteiro.

Assim que soube do grave caso, o dirigente do Sinpro-DF Samuel Fernandes entrou em contato com a diretoria da EC 10 da Ceilândia e reforçou que o Sindicato está à disposição para dar o apoio necessário. Para o dirigente sindical, se a educação fosse valorizada como deveria, se houvesse política pública efetiva e se a violência não fosse banalizada, casos como o que atingiram o professor Alexandre poderiam ser evitados.

“O professor Alexandre não foi vítima apenas de uma bala perdida. Ele foi vítima de um Estado que faz pouco caso com a educação pública, que precariza esse serviço essencial através da desvalorização de seus profissionais, do sucateamento das unidades (escolares), do apoio a projetos que visam à privatização da educação e que colocam mordaças nos professores. Professor Alexandre foi vítima de um Estado que incita a violência, a compra de armas; que tira todos os sonhos de crianças e jovens, que acabam encontrando na criminalidade a única maneira de se sustentar”, avalia.

Ele ainda afirma que “o Batalhão Escolar tem um papel fundamental para garantir a segurança de todos aos arredores das escolas e que, dentro das unidades escolares, o governo precisa garantir o quadro completo de servidores para ter pelo menos uma sensação de segurança no local, pois muitas unidades ficam vulneráveis por não terem porteiros e um quadro completo de vigilantes”.

Com um pedaço grande de esparadrapo tampando o ferimento causado pelo projétil, professor Alexandre Bernardi ficará alguns dias em casa para se recuperar. “A ferida vai melhorar em breve”, diz otimista. Entretanto, o professor levará para sempre na memória o dia em que viu seu sangue escoando pela coxa direita, em mais um caso de abandono do Estado. De toda forma, o docente, que não cansa de agradecer ter sido ele e não uma criança o alvo da bala perdida, diz que não está com medo. “Quando acontecem essas coisas, mais força eu tenho”, afirma resiliente.

 
 

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