Editorial || Senado mostra quem é o energúmeno

O Senado Federal, aprovou, na terça-feira (17), um requerimento para a realização de uma sessão solene em homenagem ao educador Paulo Freire. Isso aconteceu uma semana depois que o Presidente da República, Jair Bolsonaro, estarreceu o mundo ao chamar o patrono da educação brasileira de “energúmeno”. “A palavra não se adéqua a Paulo. Paulo não é isso. Paulo não é nenhum demônio que veio à Terra. Pelo contrário, Paulo veio à Terra para pacificar o mundo”, disse a educadora Ana Maria Freire, viúva do educador Paulo Freire, em entrevista à coluna de Guilherme Amado, na revista Época.

O xingamento proferido pelo Presidente da República pode ser considerado um ato de alta traição ao País. O homem que se senta à cadeira da Presidência da República, que deveria ser o primeiro guardião do patrimônio cultural do Brasil, traiu a Pátria ao tentar desclassificar um dos mais consagrados e importantes nomes da cultura e ciência brasileiras. Além de trair a Nação, o  indivíduo à frente do Poder Executivo se mostra um autêntico energúmeno, desconhecedor até da Constituição Federal. Assim como a Bandeira do Brasil, o Hino Nacional, o Brasão, a Constituição Federal assegura ampla proteção ao Patrimônio Cultural. O inciso I, do artigo 215 da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 48/2005, estabelece que o Estado deve respeitar, defender e valorizar o patrimônio cultural brasileiro. E o artigo 216 define o que é o “patrimônio cultural” brasileiro.

A ofensa a Paulo Freire, portanto, é motivo de impedimento de uma pessoa que não defende o País e trata o território nacional e todos os seus aportes patrimoniais como terra de ninguém, escancarada às negociadas do empresariado internacional e o Palácio do Planalto como a sede do balcão de negócios pessoais. Mais do que patrimônio cultural do Brasil, Freire é o único brasileiro que tem seu nome referenciado nas grandes bibliografias das melhores universidades do planeta. Sua obra é Patrimônio Cultural do mundo.

Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e professor de filosofia da Universidade de São Paulo (USP), explica que o grande legado do educador foi mostrar que a educação, a começar pela alfabetização, deve estar ligada ao mundo em que o educando vive e com o cotidiano dele.  “O que Paulo Freire trouxe foi uma atenção extraordinária voltada para as vivências, sobretudo das crianças, e perceber que, em vez de essas vivências serem problemas, podem ser fatores positivos”, destaca. Ressalta que essa é a mensagem de Paulo Freire que não pode ser desconsiderada e que o leva a ser um dos autores mais citados no mundo, incluindo aí, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Essa forma de educar é a chamada Pedagogia do Oprimido, ou seja, de pessoas oprimidas que devem vencer a opressão. É por esse lado que Paulo Freire foi acusado de ser esquerdista, subversivo e é por isso que setores conservadores, para os quais Bolsonaro trabalha, têm verdadeiro ódio dele.

Uma de suas obras-primas, a intitulada “Pedagogia do Oprimido”, foi traduzida para mais de 20 idiomas. Em 2016, o professor da London School of Economics, Elliott Green, apresentou essa obra como a mais citada em trabalhos da área de humanidades do mundo. As principais teses das universidades e pesquisas científicas do planeta reconhecem em Paulo Freire um gênio da filosofia da educação sui generis e da pedagogia. O método Paulo Freire é reconhecido mundialmente porque ajudou a alfabetizar e a educar milhões de pessoas em situações completamente diferentes.

Como disse o filósofo Paulo Ghiraldelli, “Paulo Freire ultrapassou qualquer limite político. Não há ninguém no mundo civilizado que fale de Paulo Freire como alguém que está vinculado à política de esquerda ou de direita”. O Presidente da República mantém seu discurso rastaquera, de ódio, contra as verdadeiras personalidades importantes do Brasil por vários motivos abjetos. No caso de Paulo Freire, a razão, dentre outras, é a política de má-fé, privatista, que visa a mercantilizar o direito à educação e a entregar o Sistema Nacional de Educação (SNE) à iniciativa privada, impedindo qualquer questionamento de quem paga impostos para ter educação pública, gratuita e de qualidade como direito fundamental.