EDITORIAL | Cale-se? Não! Não se cale!

Se a gente pode contar a história do Brasil por meio de prosa e verso, a música “Cálice”, de Chico Buarque e Milton Nascimento, é uma das que definem, com muita clareza, os 21 anos da trágica ditadura civil-militar brasileira e toda a sua atrocidade. Porém, infelizmente, “tanta mentira, tanta força bruta” não ficaram no passado, e hoje, a realidade nos traz muitas semelhanças com aquele período nebuloso e violento de nossa história.

 

A Comissão Nacional da Verdade contabiliza, por baixo, 434 mortes e desaparecimentos políticos entre 1964 e 1988, e mais de 8.350 assassinatos de cidadãos dos povos originários. Na política econômica, a lista de crimes contra o Brasil é ainda mais extensa. A ditadura civil-militar compôs um dos períodos mais devastadores de saqueios que o Brasil viveu depois de se tornar uma Nação soberana.

 

Hoje, aos 57 anos do golpe de 1964, vivemos uma dura realidade produzida por aqueles que afirmavam “proteger” o País de uma “ameaça comunista” e outras fake news comuns aos dois momentos históricos. O moralismo hipócrita das elites e dos grupos fundamentalistas de várias religiões e o falso apego à ética pública se combinaram com o fortalecimento de grandes esquemas de corrupção, sempre com o envolvimento dos mesmos grupos nacionais e internacionais.

Neste março de 2021, quando a classe trabalhadora protesta contra a cultura da morte impressa por meio da política econômica neoliberal, que necessita de governos autoritários para se impor, e da falta de política de combate à pandemia do novo coronavírus, totalmente descontrolada no Brasil, o Presidente da República, que, embora eleito pelas vias democráticas, tenta se consolidar como ditador.

 

Pela primeira vez depois da democratização do País, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) ousou a atender a esse impulso ditatorial e derrubou a decisão da juíza que proibiu Bolsonaro de comemorar o golpe militar de 1964. Ele é esse sujeito que comemora a tortura, homenageia torturadores e usa a Lei de Segurança Nacional (LSN), instrumento do regime militar para aplicar o AI-5, que já deveria ter sido banido do aporte legislativo do Brasil e, por não ter sido, voltou com tudo nos anos 2020 e 2021.

 

Com essa lei, Bolsonaro tem prendido manifestantes que discordam do seu governo. Vários professores foram intimidados por denunciarem a política de desmonte da educação, como a professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Erika Suruagy (intimada); a professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira (algemada e presa); o professor e sociólogo Tiago Costa Rodrigues de Tocantins (intimado); o estudante de Uberlândia, João Reginaldo da Silva (preso e responde processo) e mais cinco jovens (investigados); o militante do Distrito Federal Rodrigo Pilha (preso político na Papuda) e mais quatro jovens (presos e soltos); o youtuber Felipe Neto (intimado).

 

Advogados e Advogadas pela Democracia criaram um grupo para defender todos e todas que estão sendo perseguidos(as). Modesto Carvalhosa, advogado e professor aposentado de direito da Universidade de São Paulo (USP), classificou as prisões com base na LSN como “violação de direitos e garantias fundamentais” da Constituição e afirmou que o Brasil vive um “Estado de exceção” e, o “uso da LSN, a prova da quebra do Estado democrático de direito”.

 

Também ensinou que no Estado de exceção estão suprimidas as liberdades públicas. “Não há mais o princípio fundamental da Constituição, estabelecido no Artigo 5, de livre manifestação do pensamento”. E alerta: “O AI-5 é usar a Lei de Segurança Nacional para todo mundo que critica o governo ou critica o Supremo Tribunal Federal. É a lei do regime do AI-5 instalada”.

 

O filósofo Mário Sérgio Cortella, que trabalhou com o educador Paulo Freire por 17 anos e o teve como orientador no doutorado, ensina que “numa ditadura não daria para fazer uma passeata pela democracia, já na democracia, você pode fazer uma passeata pedindo a ditadura”. Isso mostra a legitimidade da luta incessante do Sinpro-DF pela democracia.

 

É com esse quadro, que lembra uma Guernica tupiniquim, que, hoje, 31 de março de 2021, o Brasil olha para trás e vê repetições de crimes de Estado, com perseguição e prisão de opositores, tentativas sucessivas de censura à imprensa e política de Estado genocida – a opção política feita por Bolsonaro de não combater a Covid-19 nos levou, até o momento, a 3.780 mortes por Covid-19 nas últimas 24 horas, 318 mil óbitos pela doença em 12 meses: número que equivale à população de cidade média brasileira. Além de 12,6 milhões de casos confirmados de contaminação. Somente em março de 2021, 62,9 mil mortes por Covid-19.

 

Além do genocídio que ocorre hoje no País, está fresco, na memória de todos e todas, que Jair Bolsonaro se elegeu saudando o golpe de 1964, fazendo apologia à tortura e aos torturadores, insuflando a violência com gestual de arma de fogo com as mãos, propagando ódio contra seus adversários políticos, apelando ao poder das igrejas e justificando todo tipo de censura a seu favor. Empossado, vez ou outra se arvora a dar declarações dúbias que deixam nítida sua vontade de conduzir um regime ditatorial.

 

Nesta semana, ele tentou outro golpe para se perpetuar, como ditador, no poder. Aproveitou a troca de ministério exigida pelo Centrão em troca de apoio no Congresso Nacional, para pressionar o general do Exército Fernando Azevedo e Silva que se negou a colocar na Ordem do Dia, deste 31 de março, que o golpe militar de 1964 deve ser celebrado.

 

O general pediu demissão e, juntamente com ele, os comandantes Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa Junior (Marinha) e Antonio Carlos Bermudez (Aeronáutica) deixaram o comando das instituições. Eles afirmaram que estavam descontentes com as tentativas de Bolsonaro de interferir politicamente nas forças ao exigir apoio maior dos generais a suas frequentes ameaças de ruptura com a democracia.

 

Essa é a primeira vez, na história do Brasil, que os três comandantes das Forças Armadas deixam seus cargos ao mesmo tempo por discordância com o Presidente da República. Contudo, é importante destacar que, na avaliação de cientistas políticos, as mudanças ministeriais e a transferência do general Walter Braga Netto para o Ministério da Defesa não representam desembarque das Forças Armadas do governo autoritário de Bolsonaro.

 

Juliano Cortinhas, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) afirma que “não é porque três generais e o ministro Azevedo deixaram seus postos que os 6 mil militares, da ativa e da reserva, vão deixar seus cargos no governo, seus apartamentos funcionais e os salários que recebem”, mostra o professor.

 

O momento é grave e não é hora de a classe trabalhadora abaixar a cabeça. Como na música, o silêncio atordoa, e é preciso romper com ele para, enfim, enterrar todo esse legado autoritário e, finalmente, chegar a dias melhores.

#DITADURANUNCAMAIS
#DITADURANAOSECOMEMORA

 

 

MATÉRIA EM LIBRAS