Editora UnB lança coleção de obra de Darcy Ribeiro
Nos tempos de criança, Darcy Ribeiro ouviu um farmacêutico dizer que a anilina podia pintar de azul o Oceano Atlântico. A imaginação do menino ficou acesa, roubou um pacote, chamou um amigo e resolveu jogar anilina no reservatório de água que abastecia Montes Claros, em Minas Gerais. No outro dia, as beatas abriam as torneiras escandalizadas com a água azul, rezando para esconjurar o suposto sinal do Apocalipse. Darcy cresceu, mas nunca deixou de ser um menino arteiro, mesmo quando se viu investido de cargos de alta solenidade e usou terno e gravata. É sempre bom para a nossa sanidade mental entrar em contato com a paixão lúcida, generosa e bem-humorada de Darcy Ribeiro. A sua obra ganha um novo recorte e uma nova embalagem com a Coleção Darcy no bolso, a ser lançada nesta quinta-feira (27/1), às 17h30, no Memorial Darcy Ribeiro, na UnB, numa coedição da Editora UnB, da Fundação Darcy Ribeiro e do Ministério da Cultura.
Organizada e selecionada pelo jornalista e escritor Eric Nepomuceno, a coleção tem como alvo preferencial o público jovem, mas pode ser apreciada por leitores de qualquer idade. Em um dos seus livros, Darcy Ribeiro fez a seguinte dedicatória: “Aos jovens iracundos”. O pai de Eric, o físico Lauro Nepomuceno, trabalhou com Darcy Ribeiro no projeto de criação da Universidade de Brasília: “Convivi com Darcy durante 22 anos e o que posso dizer é que até ele morrer sempre foi mais jovem do que o meu filho, que nasceu em 1975”, comenta Eric. “Os jovens que se aproximarem de Darcy vão descobrir um maravilhoso interlocutor”.
Dom Quixote de Minas, idealista, mas pragmático, Darcy se considerava “um homem de fazimentos”. Embora sempre se alimentasse do saber acumulado nos livros, não era um intelectual de gabinete. Antropólogo, educador, político e escritor, Darcy sempre acreditou no Brasil com uma fé capaz de abalar montanhas e lutou para que o país pudesse se tornar tudo que poderia ser.
A coleção aborda a infância em Montes Claros, os anos de formação em Belo Horizonte, os amores, os tempos em que viveu com os índios, a visão sobre o Brasil, as reflexões sobre a América Latina, o depoimento sobre o golpe de 1964 na era Jango, a criação da UnB, a vivência do exílio. “O legado de Darcy é enorme”, comenta Eric. “Ele é uma fonte inesgotável de sabedoria e de combate. Mesmo os textos datados são reveladores da evolução do seu pensamento. A coleção mostra o pioneirismo de Darcy ao abordar a América Latina ou a questão dos índios, quando poucos se interessavam por isso. Ele viveu 10 anos com os índios, nunca quis pouco em política, sempre pensou grande. A gente não o lê necessariamente para concordar com ele. Darcy era polêmico e provocador.”
Eric considera a importância de Darcy enorme para o Brasil contemporâneo, pois, além de teorizar, formular e deflagrar mudanças, ele deixou um depoimento sobre os acontecimentos, na contramão das versões oficiais. Está alinhado na geração dos grandes intelectuais públicos, que pensavam o mundo: “Muitas vezes fico pensando que a geração de Darcy talvez tenha sido a última que tenha pensando o Brasil grande, o Brasil possível, a potência que o Brasil poderia ser. Ele via, vivia e lutava para que o Brasil pudesse se tornar uma realidade. Não era um intelectual chique, vivia de pés descalços. Se estivesse vivo, ficaria satisfeito com os avanços, mas cobraria muito do Lula. Darcy tinha uma fé absoluta no Brasil e uma desconfiança enorme da nossa classe dirigente política, empresarial e financeira. Ele não tinha sonhos pequenos, sempre sonhava grande”.
Em um célebre discurso elaborado para receber o título de doutor honoris causa da Sorbonne, Darcy dizia que tinha orgulho dos seus fracassos, pois havia malogrado na missão de salvar os índios, criar uma escola pública de qualidade para as crianças ou fazer a reforma agrária. Mas, em uma reviravolta de menino arteiro, sustentou que tinha orgulho dos seus fracassos. “Darcy é o representante legítimo da geração dos nós, para quem o problema de qualquer ser humano diz respeito a eles também. Infelizmente, é uma geração em extinção, pois está prevalecendo a geração do eu. O Eduardo Galeano escreveu que os fracassos de Darcy são as suas dignidades. O Darcy tinha esta grandeza.” Por Severino Francisco, no Correio Braziliense
Darcy no bolso
Coleção de 10 livros sobre Darcy Ribeiro/Ed. UnB, Fundação Darcy Ribeiro e Ministério da Cultura.
Preços: R$ 120 (a caixa) e R$ 14, 90 (livro avulso). Lançamento nesta quinta, às 17h30, no Memorial Darcy Ribeiro, Praça Maior, Universidade de Brasília.