Dois Brasis e o coronavírus: Qual vencerá?

Pensar em nós ou em nossa família talvez seja um exercício interessante para avaliarmos como nos comportar nesses tempos de distopia e pandemia. Para mim há dois projetos de sociedade que estão em disputa

Crianças protestam por um Brasil melhor, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília.

Por Maria Frô

Demorei bastante tempo para abordar o tema no blog. Apesar de acompanhar de perto o que está ocorrendo no Brasil e no mundo, especialmente na Itália, sei que os profissionais da saúde são mais qualificados para tratar do tema. Por isso quero tratar de nós como coletividade neste contexto de pandemia do COVID-19, o popular coronavirus.

Tenho pais idosos na faixa dos 80 anos e um irmão com deficiência física severa e sistema imunológico muito comprometido na faixa dos 47 anos (faixa etária que já é vítima do coronavírus  na Itália). Os três são alvos fáceis desta pandemia.

Ontem no grupo da família orientava meus irmãos na proteção deles. Meu irmão já havia tomado várias providências. Isso dá tranquilidade, porque ao menos no seio familiar todos estão trabalhando do mesmo lado e lado a lado.

Eu mesma faço parte do público alvo, apesar de não estar na faixa etária acima dos 60. Desde abril do ano passado já sofri 6 internações e três grandes intervenções cirúrgicas, a última há exatos 15 dias.

Pensar em nós ou em nossa família talvez seja um exercício interessante para avaliarmos como nos comportar nesses tempos de distopia e pandemia. Para mim há dois projetos de sociedade que estão em disputa. O número de mortos, a quantidade de infectados, a superlotação dos serviços de saúde dependerá das medidas concretas dos governantes, mas também de nossa decisão diante de nossas vidas e das dos demais brasileiros, lembrando que não importa se o infectado é fascista, esquerdista ou em cima do muro.

A ausência de valores de uma sociedade cega pelo ódio

Ontem, após romper a quarentena, cumprimentar e tirar selfies com seus apoiadores, Bolsonaro, de modo cínico, defendeu a micareta fascista que quer fechar 2 dos elementos do tripé da democracia (o Congresso Nacional e o STF) usando as péssimas condições do transporte coletivo superlotados, como se ele, como governante, não tivesse nada a ver com isso.

Ontem, vimos, talvez, a manifestação mais egoísta desde 2015: os xingamentos, as palavras autoritárias, a ausência de qualquer proposta, inundavam os cartazes dos saudosos dos governos de exceção que torturaram, mataram, exilaram, censuram o país por mais de duas décadas e até hoje seus entulhos nos assombram. Assustou ver a quantidade de idosos, alguns andando com auxílio de andador, com suas máscaras e luvas no meio da manifestação fascista.

O presidente e seus seguidores não são apenas inconsequentes, irresponsáveis, eles mostraram que não têm o amor tão propalado ao país e nem a eles mesmo. Como é possível diante do cenário mundial de pandemia esses manifestantes e seu presidente negarem a realidade e ampliarem as chances de contágio, inclusive entre aqueles que são os mais vitimados pelo COVID-19, os idosos?

Essa parcela da sociedade bem representada no #coronaday ignora o fechamento de fronteiras, o cancelamento de voos e de grandes eventos. Malafaia e Edir Macedo chegaram ao cúmulo de negar o fechamento de suas igrejas-negócio e Edir Macedo disse que essa coisa de Satanás não pega nos fiéis. Houve manifestante como um no Maranhão, que negou, inclusive, as mortes tão divulgadas por coronavírus. Só ontem na Itália morreram 369 pessoas, ultrapassando pela primeira vez o número de pacientes em tratamento em unidade intensiva. Outros brigaram com o governador de Goiás, o ruralista extremamente conservador Ronaldo Caiado, mas que num raio de lucidez lembrou que é médico e tentou chamar os manifestantes bolsonaristas à razão. Foi vaiado e xingado pela malta cega.

Entre os artistas desta facção o coronavírus vira piada de mau gosto. Não faltou sequer tiro de bolsonarista fascista na manifestação.

Não existe mais álcool gel nas farmácias, nem máscaras e começam a faltar produtos nos supermercados, como papel higiênico. Terá que se criar normas restritivas para aqueles que estocam?

A parcela da sociedade que entendeu a importância do SUS

Na outra ponta da sociedade vemos a solidariedade, o humor para desanuviar esses tempos distópicos de desespero, a imensa criatividade que também nos é característico, para tentar ajudar a conter a propagação do vírus, o apoio, reconhecimento e a defesa do SUS, nosso maior patrimônio que se depender de CoronaGuedes acaba.

Brasileiros brincam com o problema da segurança pública e a pandemia, assim como defendem o SUS contra o ataque dos neoliberais que tiram recursos da saúde pública

Nos grupos de whatsapp, nas redes sociais circulam de tudo.

Algumas figurinhas educativas sobre cuidados com a transmissão do COVID-19 que circulam no whatsapp

Figurinhas educativas como as vistas acima inundam o whats app.

Muito compartilhamentos de dados, reportagens, entrevistas de médicos infectologistas. Tanto a mídia tradicional como a blogosfera de esquerda vêm prestando serviço de utilidade pública na orientação para que a pandemia não cause a quantidade de mortes vistas na Itália e na China e para que o Brasil não se torne um país paralisado como foi o caso da Itália. Essa parcela da sociedade sabe que nossa curva de propagação do vírus segue muito semelhante à Itália e quer evitar que o Brasil seja a Itália amanhã.

Os nordestinos desta parcela da sociedade assim como fizeram na crise do derramamento de óleo (que igualmente foi ignorada pelo governo federal), usam a poesia, a arte para conscientizar a população, como nesse belo cordel.

Os governadores do Nordeste aplicam mais recursos para a saúde como fez Camilo Santana e, até o momento, o Ceará vem controlando a disseminação do vírus.

Ontem, uma campanha bonita pedia aplausos para os valentes profissionais da saúde pública.

As centrais e sindicatos CUTistas que tinham manifestação marcada para o dia 18 responsavelmente a cancelaram e propuseram um dia de greve para protestos em defesa do SUS, da educação, da democracia.

Quem vencerá? A parcela da sociedade que entendeu que é necessário um esforço conjunto da população ao mesmo tempo que devemos cobrar dos governantes medidas concretas de investimento no SUS, de combate à pobreza, pois um corpo debilitado está muito mais sujeito a danos, de fazer a defesa do trabalho e empregos decentes ou a parcela lunática que segue seu mito e todos os seus crimes?

O Brasil de amanhã depende desta disputa. Que o bom senso, o senso de coletividade e a solidariedade nos salve do caos.