Dilma sanciona PNE e novos desafios entram em pauta

A sanção da Lei 13.005, publicada em edição extra do Diário Oficial da União do último dia 26 de junho, é fruto de árdua luta da sociedade por um Plano Nacional de Educação que responda às demandas urgentes da educação (pública) brasileira, a qual requer seja universal, gratuita, democrática e de qualidade socialmente referenciada.
Mesmo não tendo sido plenamente incorporados os eixos da mobilização social em torno do PNE, especialmente no que diz respeito à vinculação das verbas públicas exclusivamente para a escola pública – decorrência da cunha instalada pelo setor empresarial no art. 213 da Constituição Federal e que merece o empenho dos movimentos sociais para que seja retirada da Carta Magna -, o importante é que muitas conquistas foram alcançadas na Lei 13.005, sobretudo em relação ao projeto original e à correlação de forças travada no Senado e, posteriormente, com os setores conservadores instalados na Comissão Especial da Câmara dos Deputados durante a segunda fase de tramitação do PNE naquela Casa.
Conforme destacado em avaliações anteriores da CNTE, os retrocessos impostos ao primeiro substitutivo da Câmara, em especial acerca do tratamento às diferenças sociais, étnico-raciais, de orientação sexual e de gênero, assim como a indicação da meritocracia para a política salarial do magistério e a disputa das verbas públicas com a iniciativa privada – pontos que a CNTE requereu vetos na Lei, sem sucesso – continuarão sendo pautas das lutas sociais que têm a categoria dos/as trabalhadores/as em educação como vanguarda do movimento.
Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas no longo processo de tramitação do PNE – com mais de três anos e meio de atraso -, a CNTE avalia que o mais difícil e importante ainda está por vir. Isso porque a implementação do PNE, em sua maior parte, depende de futuras regulamentações pelo Congresso Nacional (e pelas assembleias legislativas e câmaras municipais, no que diz respeito às matérias de suas competências), sem as quais o plano nacional e os planos estaduais, distrital e municipais não alcançarão seus objetivos.
Traçando um paralelo com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado pelo MEC em 2007, e que depois se aperfeiçoou com o Plano de Ações Articuladas (PAR), é preciso que as metas do PNE sejam perseguidas de maneira institucional – diferente do que propõe até agora o PDE e o PAR, que se pautam na adesão voluntária dos entes federados -, ao menos em relação ao conjunto das políticas estruturantes expressas nas 20 metas e 254 estratégias do PNE, que se resumem em (i) atingir o percentual de investimento na educação equivalente a 10% do PIB; (ii) universalizar o acesso escolar de 4 a 17 anos, com aumento significativo das matrículas em creches e EJA, e duplicar a taxa líquida de matrículas no nível superior, com ampla expansão das vagas públicas; (iii) melhorar a qualidade da aprendizagem em todos os níveis, etapas e modalidades, elevando-se a escolaridade da população jovem e adulta e eliminando o analfabetismo literal e funcional; (iv) valorizar os profissionais da educação e (v) democratizar a gestão escolar e os sistemas de educação.
Neste sentido, a CNTE não tem dúvidas de que a consecução das metas do PNE está necessariamente condicionada à regulamentação do Sistema Nacional de Educação, conforme dispõe o art. 214 da CF. Ou seja: o PNE deve ser o articulador do Sistema Nacional, não tendo, portanto, fim em si mesmo. Ele deve orientar políticas sistêmicas e cooperativas entre os entes federados, à luz do art. 23, parágrafo único da Constituição Federal, compreendendo assim um novo e profundo pacto federativo em prol da educação de qualidade com equidade no país. Caso isso não seja perseguido, o PNE se tornará simples carta de intenções.
Entre os compromissos a serem pautados pelo Sistema Nacional de Educação, e que a sociedade deve empenhar-se para aprová-los nos legislativos das três esferas, destacam-se:

  1. a vinculação de novos recursos e o aumento dos percentuais já destinados à educação pela CF-1988, com destaque (a) para a apropriação de receitas do petróleo de estados e municípios não abarcadas pela Lei 12.858, (b) para a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas e (c) para a destinação de parte das receitas de contribuições sociais que ainda não integram o financiamento da educação, a fim de se atingir a meta de 10% do PIB. E um primeiro e urgente passo nessa direção diz respeito à regulamentação da aplicação dos royalties do petróleo e do Fundo Social da União já aprovados pela Lei 12.858, mas que até então não têm sido repassados para investimentos educacionais;
  2. a regulamentação do Custo Aluno Qualidade (CAQ), com definição de parâmetros para a contribuição de cada esfera administrativa (Federal, Estadual e Municipal), à luz do esforço fiscal e da capacidade de atendimento escolar de cada uma delas, atendendo ao preceito do § 1º do art. 75 da Lei 9.394 (LDB). O CAQ deverá constituir-se como o principal contraponto de repasse público às escolas privadas, devendo disputar a maior parcela dos 10% do PIB para a educação;
  3. a aprovação da Lei de Responsabilidade Educacional com o objetivo de promover maior controle institucional e social sobre as verbas da educação, prevendo responsabilizar os gestores por desvios de funções na gestão dos recursos e das políticas educacionais que devem conduzir à consecução das metas do PNE e dos planos infranacionais;
  4. a reformulação/democratização das instâncias responsáveis pela instituição, implementação, controle e avaliação das políticas educacionais, dando maior protagonismo ao Fórum Nacional e aos Fóruns Estaduais, Distrital e Municipais de Educação;
  5. a democratização da gestão escolar e dos sistemas, porém não só através de leis locais como propõe a meta 19 do PNE, mas também por meio de emenda constitucional articulada em âmbito da coordenação do Sistema Nacional de Educação e protocolada no Congresso Nacional pelo Executivo Federal, com a finalidade de impulsionar a mudança jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a atribuição da função (ou cargo) de direção escolar, anacronicamente entendida pela corte judicial como sendo de confiança do administrador público; e
  6. a valorização da carreira de todos os/as trabalhadores/as em educação por meio de piso e diretrizes nacionais de carreira, do ingresso na carreira exclusivamente por concurso público, em atenção à estratégia 18.1 do PNE, de oferta da formação inicial e continuada sob a responsabilidade do Poder Público, de jornada de trabalho compatível com as atribuições dos cargos (observada a jornada extraclasse da Lei 11.738) e de condições apropriadas de trabalho em todas as unidades escolares, mantendo os profissionais vinculados preferencialmente a uma só escola.

As bases para uma nova realidade educacional no país estão lançadas. Contudo, sua concretude depende mais do que nunca do compromisso dos gestores públicos e da mobilização social.
Todos à luta!