Dia Nacional dos Povos Indígenas: a luta por territórios e a defesa da cultura por meio da educação no DF

Os povos indígenas vivem em constante luta pela garantia de direitos constitucionais de preservação e respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições, bem como pela proteção de seus territórios. A realidade brasileira demonstra que, em 2024, neste dia em que se lembra da luta desses povos, ainda há um longo caminho a trilhar. 

A educação é uma ferramenta essencial para preservar as culturas indígenas, fortalecer essas comunidades e promover a igualdade de oportunidades desses povos.  Aos indígenas é garantido o direito ao ensino em português e em suas línguas maternas, assim como o respeito aos próprios processos de aprendizagem. 

Dados da primeira etapa do Censo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostraram, na primeira etapa do Censo Escolar Indígena 2022,  que, das 178,3 mil escolas de ensino básico, 3.541 (1,9%) estão localizadas em terras originárias e ministram conteúdos específicos e diferenciados, de acordo com aspectos etnoculturais. Apenas 2% delas (3.597) oferecem educação indígena por meio das redes de ensino. O Censo de 2022 apontou que o país conta com 1.693.535 de pessoas indígenas. Em dezembro, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que quer adaptar suas metodologias estatísticas de forma a obter e incluir cada vez mais dados sobre a situação do ensino em comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas no Censo Escolar, com o objetivo de criar políticas públicas que deem mais equidade à educação pública do país. 

No Distrito Federal, a primeira escola indígena foi inaugurada em abril de 2023 pelas etnias que vivem na Aldeia Teko Haw, no setor Noroeste. Segundo lideranças da comunidade, a escola não funciona devido à falta de suporte e apoio do governo local e Federal. Os indígenas apontam a falta de professores e a falta de realização de concursos públicos direcionados ao ensino bilíngue indígena. Além do português, as crianças aprenderiam a língua tupi-guarani. A comunidade vive em situação de precariedade, sem assistência e a garantia de direitos básicos, como saneamento. Sobrevivem por meio da venda de artesanato, o cultivo de alimentos, com poucos integrantes com acesso ao Bolsa Família.

“A escolarização do ensino básico e fundamental na língua indígena é uma imposição legal da Constituição, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, da Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho, e do Estatuto do Índio. A inexistência deste direito causa um dano linguístico, cultural e material inestimável, além de ser crime de prevaricação e abuso de autoridade”, diz Arão da Providência Guajajara, advogado indígena que representa a comunidade. 

Crianças Guajajara brincam na Aldeia Teko Haw — Foto: Rafael Daguerre

 

Ele destaca que, apesar das várias realizadas diversas reuniões, encontros e protocolos apresentados para instalação de uma sala de aula na língua tupi-guarani no DF, a demanda não foi atendida. “A escolarização convencional em  português é extremamente difícil para quem domina só a língua tupi-guarani. Uma tortura. A falta da escolarização na língua materna indígena significa que se fala mas não se escreve.”, lamenta.

Atualmente, as crianças que moram no local têm acesso ao ensino de educação regular, oferecido pelo GDF, com um ônibus de transporte que todos os dias passa a 500 metros da aldeia. Ao todo, a comunidade abriga 110 crianças e adolescentes e algumas delas estudam na Escola Classe 115 Norte, na Asa Norte, onde são atendidas 12 crianças das etnias Tuxá, Kariri-Xocó e Guajajara que vivem na  Aldeia Teko Haw.

Maria Gorethe Lopes, indígena Guajajara, tem filhos na escola, Ela diz que o  estudo em sua língua materna é importante para a preservação de sua cultura. “Eu preciso que ela estude, que ela aprenda aqui na aldeia. E aprender também a falar a língua dos brancos. Duas línguas que ela fala. Eu não sei falar, não, por isso que eu quero que as minhas meninas estudem, para aprender, para ser alguém quando elas crescerem. É isso que eu preciso para minhas meninas”, conta a indígena, que mantém seus familiares no ensino tradicional. 

A escola recebeu os alunos indígenas via matrícula ordinária da SEE-DF e busca oferecer um trabalho pedagógico voltado para a visibilidade da comunidade, em uma perspectiva decolonial. Segundo a direção da escola, o esforço é da unidade de ensino, pois não há orientações, treinamentos ou protocolos de atendimento por parte da Secretaria em relação ao atendimento aos povos indígenas. Para a diretoria, o convívio com a comunidade enriquece o ensino e traz momentos ricos de estreitamento cultural.

De acordo com  a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE-DF), no ano de 2023, foram atendidos 120 estudantes de povos indígenas matriculados na rede pública de ensino do DF, sendo 51 da etnia Guajajara e 69 da etnia Warao. Informa ainda que não recebeu nenhum pedido de credenciamento da escola indígena da Aldeia Teko Haw-DF, no bairro Noroeste, e que trabalha com adaptação desses estudantes para que ocorra o respeito e a interconexão entre as culturas.

Sobre a realização de concursos públicos específicos para professores indígenas, a pasta informa que “não há concurso público específico direcionado ao ensino indígena”, e que trabalha com adequação curricular para esses estudantes, “a fim de que ocorra o respeito aos seus conhecimentos tradicionais, a interconexão e o acolhimento considerando as especificidades culturais”.

Luta por território

Em 2023, os povos indígenas sofreram um duro golpe com a aprovação pelo Congresso Nacional do Marco Temporal. A nova legislação já está sendo utilizada por fazendeiros da Bahia em pedidos judiciais para a retirada de comunidades, como apontou nesta semana o portal Brasil de Fato. Os parlamentares aprovaram o projeto, apesar da  grande mobilização da sociedade, da rejeição do Supremo Tribunal Federal e do veto do presidente Lula.

Assim como outros povos indígenas, a comunidade do território indígena Bananal sofre ameaças de tomada de territórios. Localizada em área nobre de Brasília, a comunidade sofre pressões do setor imobiliário. Em 2018, foi feito um acordo sobre o uso territorial beneficiando parte da comunidade local. Os povos Guajajara, Tukano , Fulni-ô, Boe Bororo não foram contemplados e agora são ameaçados de remoção. O território indígena  localiza-se no setor Noroeste de Brasília, ocupando uma área de 50 hectares.

Em outubro do ano passado, o Ministério Pública Federal (MPF) recomendou ao Governo do Distrito Federal (GDF) e à Terracap que fizessem a remoção dos integrantes da aldeia , e os indígenas apontam que é frequente tentativa de retirada da comunidade do local com tratores e viaturas da Polícia Militar, apesar de notificação da Defensoria Pública da União (DPU) de que não poderiam entrar na área sem uma ordem judicial, pois isso violaria a Resolução dos Direitos Humanos sobre terras indígenas e povos tradicionais.

Embora eles tenham recorrido às sentenças e solicitado apoio à Defensoria Pública, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Ministério dos Povos Indígenas, a pauta ainda segue sem solução.

 

As imagens foram gentilmente cedidas pelo fotógrafo Rafael Daguerre, com autorização das lideranças indígenas. Veja mais em reportagem do midia1508.

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