DIA NACIONAL DA TRABALHADORA DOMÉSTICA|| CRISE NEOLIBERAL AGRAVADA PELA PANDEMIA EXPULSOU 1,5 MILHÃO DO MERCADO

Nesta terça-feira (27), comemora-se o Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica. Apesar das conquistas trabalhistas materializadas nos anos 2010, esse segmento social, basicamente formado de mulheres, ainda busca reparação histórica porque o trabalho doméstico é uma herança direta da escravidão.

 

O dia 27 foi escolhido para homenagear Santa Zita, que nasceu em 1218, em Lucca, Itália, e trabalhou como doméstica a vida toda, desde os 12 anos até a sua morte. Pobreza e compaixão era, mais ou menos, o perfil que se contam de Santa Zita. A história de Zita lembra a de mais de 6 milhões de mulheres brasileiras que atuam como trabalhadoras domésticas: geralmente, iniciam a vida na casa alheia na pré-adolescência e vai assim, subempregadas ou em condições análogas à escravidão até a morte.

 

Madalena Giordano, por exemplo, foi resgatada e uma situação como essa em novembro do ano passado, em Minas Gerais. Tinha 8 anos quando bateu em uma porta para pedir comida.  A menina negra tinha uma irmã gêmea e mais sete irmãos. Mas a dona da casa, uma professora branca, prometeu adotá-la. A mãe de Madalena aceitou. Mas a criança nunca foi à escola. A professora Maria das Graças Milagres Rigueira transformou a rotina da menina em cozinhar, lavar, passar, limpar banheiros, tirar o pó, arrumar a casa.

 

Ela entrou na casa dos Rigueiras com 8 anos e saiu resgatada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) aos 46. O inferno de Madalena é semelhante ao de uma boa parcela de trabalhadoras domésticas em todo o Brasil. Outra resgatada pelo MPT, em junho, no recôncavo baiano. Uma mulher foi condenada na Justiça do Trabalho por manter uma empregada doméstica trabalhando por 35 anos sem remuneração.

 

Só na Bahia, quinto estado com maior número de trabalhadoras, foram retiradas da situação análoga à escravidão 3.270 pessoas entre 2003 e 2020. Só em 2019, o MPT baiano resgatou 21 pessoas da situação. A maior parte dos casos está registrada na BA, GO, MA, MG, MS, PA, PI, PR, RJ, RO, RS, SP e TO. No início do ano, no Rio de Janeiro, uma mulher de 63 anos, que teve Covid-19, trabalhava 11 horas por dia e vivia num quartinho sem luz, sem água, sem relógio, sem remuneração, sem férias e sem documentos, porque os entregou à patroa para providenciar auxílio emergencial. Foi resgatada da situação análoga à escravidão.

 

Uma força-tarefa resgatou 942 pessoas dessa situação, em 2020, no País e a Polícia Federal informa que ainda tem 393 inquéritos em andamento. Trata-se do “legado” deixado pela sociedade escravocrata. Luzia Batista, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) afirma que todas as outras categorias não existiam na época da escravidão.

 

“Eram só os escravos que serviam aos senhores enquanto seus filhos iam estudar na Europa e para que a ‘casa grande’ tivesse uma vida de conforto explorando esses escravos”, diz. Luiza reforça que a trabalhadora doméstica quer ser tratada e respeitada como profissional, como categoria da classe trabalhadora. De acordo com ela, ao contrário do que se pensa, o trabalho de uma empregada doméstica gera lucro indireto para a sociedade.

 

“É por meio do nosso trabalho que as mulheres, principalmente, se inserem no mercado de trabalho, em outras profissões. Nosso trabalho proporciona tempo para que todos estejam inseridos”, ela completa.

 

Crise econômica e direito à quarentena

 

Nos cinco primeiros da pandemia do novo coronavírus, o MPT recebeu centenas de denúncias de abusos e violações cometidos contra trabalhadoras domésticas. Os dados foram acessados pelo Observatório do Terceiro Setor por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). A categoria foi privada do direito à quarentena e considerada “essencial”, seja por decreto estadual, como aconteceu no Pará, ou pela vontade dos empregadores.

 

Brasil perdeu 1,5 milhão de postos de trabalho doméstico foram perdidos entre setembro e novembro de 2020. Apesar de apontarem a pandemia do novo coronavírus como a culpada, a razão dessa queda brutal é o achatamento da classe média. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) analisada pela consultoria IDados, divulgada na semana passada, mostra que, de 2016 para cá, a classe média perdeu entre 20% e 50% do poder aquisitivo.

 

Outro estudo, também lançado na semana passada, dá conta de que 4,9 milhões de brasileiros saíram da classe média para a pobre. Este último é do Instituto Locomotiva, que fez o levantamento entre os dias 21 e 22 de março, com 1.620 pessoas em 72 municípios no período.

 

Ainda assim o Brasil é o país com recordes de trabalhadoras(es) domésticos. Em abril de 2019, quando a Emenda Constitucional 72/2013, resultante da PEC das Domésticas, cuja relatora foi a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), completou 6 anos, e a Lei Complementar 150/2015, 4 anos, havia, no País, 6,3 milhões de trabalhadoras domésticas e, apenas, 1,5 milhão com registro na Carteira de Trabalho.

 

A própria Benedita foi empregada doméstica e, desde menina, ajudava a mãe, que, na década de 1950, no Rio de Janeiro, foi lavadeira do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Para a deputada, a formalidade é benéfica para empregadas e patrões.

 

Levantamento do Instituto Doméstica Legal indica que 93% da categoria é mulher sendo também as únicas provedoras do lar e, entre elas, 68% são negras, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad) do IBGE, dados de 2018.

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