Deputados federais e distritais impõem derrotas à luta das mulheres

As bancadas fundamentalistas da Câmara dos Deputados e da Câmara Legislativa do DF (CLDF) trabalham combinadas para eliminar conquistas dos brasileiros e de mais de 50% da população eleitora: as mulheres. Em vez de trabalhar para trazer avanços, igualdade e outros direitos que promovam a justiça social no Brasil, trouxeram atrasos e ressuscitaram conceitos obsoletos superados por quase todas as nações do mundo.
Nessa terça-feira (16), as duas Casas Legislativas impuseram duas derrotas à luta das mulheres nos campos político e pedagógico. Numa delas, o prejuízo impacta a disputa por espaço de poder em todo o país. Na outra, as atitudes dos distritais provocam danos irreparáveis na educação pública e gratuita do Distrito Federal.
No Congresso Nacional, um simulacro de reforma política conduz o país a princípios retrógrados, privatizando a política e transformando o Poder Legislativo em balcão de negócios, em instância autoritária, contrária à classe trabalhadora e favorável ao empresariado nacional e internacional. Em vez de avançar e modernizar a legislação, a reforma política em curso empurra o Brasil para trás em todos os sentidos, sobretudo nas questões de gênero. Nessa terça, os parlamentares do Congresso Nacional retiraram das mulheres o direito à cota de 10%.
Questão de gênero no PDE
Na CLDF, o retrocesso ocorreu no Plano Distrital de Educação (PDE) que, embora tenha sido aprovado quase que na íntegra e representar um avanço para a educação pública e uma conquista da categoria docente na capital do país, o documento chega a público com uma grande falha. Os parlamentares retiraram todo o termo alusivo à diversidade de gênero, étnico-racial e de sexualidade do texto do Plano.
Completamente desatualizados dos tempos modernos, sobretudo na área de educação, os deputados distritais instituíram o fundamentalismo de ideias obtusas na Câmara Legislativa, um lugar criado, em todos os países do mundo, para promover avanços e garantir direitos e liberdade. Com discursos obsoletos e propostas retrógradas, os deputados distritais passaram por cima das reais necessidades da sociedade brasiliense.
Eles lotaram a Galeria Jorge Cauhy de pessoas mal informadas, as quais acreditaram no discurso manipulado e reacionário de que o PDE havia sido construído na perspectiva da ideologia de gênero e que essa ideologia defendia a concepção de que somente a partir da intervenção da escola a criança iria escolher se ela seria menino ou menina.
“Quando aprovamos, na Conferência Distrital de Educação, esses termos (gênero, étnico-racial e sexualidade) surgiram na Apresentação, na Fundamentação Legal e nas Metas da Educação Básica (de 1 a 8) e, agora, foram retirados de todo o documento”, informa Neliane Cunha, diretoria de Mulheres Educadoras do Sinpro-DF. Ela diz que a diversidade de gênero, raça e sexualidade foi atropelada por uma bancada fundamentalista.
“Sabíamos que esse seria o resultado e não arredamos o pé do que defendemos. E só o que pode mudar essa realidade é uma séria reforma do sistema político para que direitos humanos sejam preservados. Demos o nosso recado, cumprimos com êxito o nosso papel e continuaremos firme a caminho de uma educação para a igualdade”, afirma a diretora.
Ela lembra que “a prova dessa luta está na segunda edição da revista Sinpro Mulher, que será lançada no V Encontro de Mulheres Educadoras do Sinpro (19 e 20 de junho), entregue nas próximas semanas em todas as escolas, para propor debates e construir a igualdade a partir do texto que defendemos no PDE: ‘Assegurar que a Educação das Relações Étnico-Raciais, a Educação em Gênero e Sexualidade e a Educação Patrimonial sejam contempladas conforme estabelecem o artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) (Leis nº 10.639/03 e 11.645/08), Parecer 03/2004 CNE/CP – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; a Resolução 01/2012 CEDF, art. 19, VI; a Lei nº 4920/2012 – CLDF e o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT’”.
Cota de 10% – No Congresso Nacional, a terça-feira também foi de derrota para as mulheres. Os parlamentares desta Legislatura conseguiram retirar do Brasil avanços legislativos que o classificava como um dos países que lutam e reconhecem a igualdade de gênero e lançá-lo no abismo do atraso. A eliminação das cotas para mulheres força o país a um retrocesso de mais de três décadas, reposicionando-o entre os países mais atrasados no tema dos direitos humanos relacionados às mulheres.
A reforma política em votação na Câmara dos Deputados tem transformado a Constituição de 1988 em um Frankstein repleto de deficiências, com texto ultrapassado e leis excludentes. Em vez de promover a igualdade e cumprir o seu papel de legitimar políticas públicas de ampliação da participação popular e das mulheres nas instâncias eletivas, a bancada fundamentalista e machista da Câmara dos Deputados retirou uma das principais conquistas do povo brasileiro: a obrigatoriedade da participação da mulher na cena política do país por meio da reduzida cota de 10%.
Ou seja, os deputados brasileiros impediram, nesta terça-feira, a criação de um mecanismo que garantiria a maior presença de mulheres nas casas legislativas. Em uma votação permeada por observações machistas, eles não aprovaram uma emenda que incluiria na Constituição a reserva de 10% das vagas para deputadas, senadoras e vereadoras. A regra não traria mudanças bruscas. Apenas transformaria em lei a representatividade que já existe atualmente na Câmara, por exemplo, aumentando, gradativamente, pelos próximos 12 anos, a proporção para 15%.
O Brasil, onde 52% dos eleitores é mulher, ocupa hoje o posto número 156 em um ranking de 188 países que considera a representação feminina no Parlamento feito pela União Interparlamentar. Está atrás até de países onde as mulheres têm menos direitos do que homens. Nas eleições do ano passado, 51 mulheres foram eleitas, mas uma está afastada para ocupar cargo executivo. São, portanto, apenas 50 deputadas atuantes dentre os 513 deputados –uma taxa que, arredondada para mais, consegue alcançar 10% das cadeiras.
“Nós, mulheres feministas, sindicalistas, educadoras, professoras, enfim, trabalhadoras, do movimento de luta das mulheres, lutamos por uma reforma do sistema político que assegure a paridade com a lista alternada de gênero e com financiamento público de campanha. Com isso teríamos possibilidades de avançar e ocupar os espaços de poder. No entanto, nessa terça-feira, sofremos uma derrota muito significativa porque não teremos nem a paridade, que nem sequer foi para o debate na Casa, nem as cotas”, afirma Eliceuda França, coordenadora da Secretaria de Mulheres Educadoras do Sinpro-DF.
No debate de cotas, cuja perspectiva das feministas era avançar o percentual de 10% para 30%, todas as propostas foram derrotadas, incluindo aí a que defendia o percentual de 15%. Os parlamentares derrubaram até mesmo a histórica conquista dos 10%, fazendo o país retroceder ao período anterior à da década de 1990. “Nós perdemos tudo. Para nós, do movimento feminista, sindicalista, que defendemos a igualdade de participação, a ocupação de maior espaço de poder, perdemos”, lamenta Eliceuda.
Ela diz, contudo, que o movimento não vai jogar a toalha. “Pelo contrário. Agora é que temos mesmo de lutar por nossos direitos, recuperar conquistas perdidas e avançar. Ninguém pode pegar a sacola e ir para casa. O que temos de fazer é nos unirmos e nos reorganizarmos para tocar a vida. Enquanto educadoras, não podemos recuar. O que temos a fazer é ocupar os espaços e fazer mais uma vez a formação e reorganizar a luta”, aconselha.
Foto: Deva Garcia/Sinpro-DF