Deputado bolsonarista quer instituir dia contra a doutrinação nas escolas

Segundo nota da Agência Câmara, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados promove nesta quinta-feira (22) audiência pública às 9h no auditório 10 para discutir a criação do “dia nacional de conscientização sobre a doutrinação nas escolas”. A iniciativa é do deputado Gustavo Gayer (PL-GO), que defende a criação da data para garantir o respeito aos estudantes e suas famílias e capacitá-los para fazer frente à doutrinação.

Trata-se de mais uma ação do chamado movimento “Escola sem Partido” (que, na verdade, deveria se chamar “Escola com um só partido”), também conhecido como Lei da Mordaça. A discussão da Lei da Mordaça deixou nítido que alguns(as) parlamentares desconhecem e não têm interesse em conhecer os reais problemas das escolas públicas do DF (e do Brasil) hoje; e, portanto, resta-lhes muito tempo para executar patrulha moral sobre o trabalho que professores e professoras desenvolvem nas nossas escolas, visando a construir tolerância, respeito e igualdade.

 

Propagador de ódio e mentiras…

O deputado em questão foi o mais votado em seu estado. Ele tem atuação bem controversa e polêmica, seja na câmara, seja nas redes – ele se elegeu graças à sua fama de youtuber. Fama essa que, diga-se, foi usada para o mal: Gayer foi citado no relatório da CPI da Pandemia como um dos influenciadores digitais que usou o Youtube para disseminar desinformações sobre “tratamento precoce” e conteúdo antivacina. A informação consta de um relatório produzido pelo próprio Google, entregue à CPI da Pandemia. Esse relatório indicou que o agora deputado foi o segundo que mais lucrou com conteúdo falso sobre a pandemia na plataforma: R$ 40 mil. As informações estão no Uol 

… e achacador de professoras

O propagador de conteúdo falso não quer que professoras deem aula e ensinem a seus e suas estudantes conteúdo pertinente, que é cobrado no vestibular. Gayer é conhecido por perseguir professores, dentro de táticas conhecidas da extrema direita de achaque a reputações. No mês de maio, ele instigou seus seguidores a perseguir e atacar uma escola de Aparecida de Goiânia (GO), cuja professora de artes (que pediu à imprensa para não ser identificada) deu aula usando uma camisa vermelha (imagem) que faz alusão à obra ‘Seja marginal, Seja herói’, de Hélio Oiticica (1937-1980), um dos mais importantes artistas brasileiros a partir de 1950 e que a professora frequentemente trabalha em sala de aula por ser tema de questões de vestibular.

“Sempre uso camisetas com obras de arte. É um jeito que tenho para conversar sobre arte com os alunos, de forma despretensiosa. Naquele dia expliquei e eles entenderam o contexto histórico da obra”, explicou a professora. O deputado “denunciou” a atuação da professora em seu instagram, o que forçou a escola a demitir a profissional. A professora demonstrou que a postagem feita pelo parlamentar era uma montagem, com a legenda falsa e tendenciosa: “professora de história com look petista em sala de aula”.

Também a professora Daniela Adriana Araújo, de São Leopoldo (RS), foi atacada pelo parlamentar. Daniela tem um canal no youtube, e teve um vídeo seu completamente tirado de contexto pelo deputado, que insinuou que a professora “defendia a chacina promovida pela Rússia contra a Ucrânia por ser petista”. Daniela não perdeu o emprego porque é concursada da rede municipal, mas sofreu uma série de retaliações, e reduziu a atuação de seu canal no youtube depois do ataque. “O pior que esse sujeito fez foi impossibilitar vida social por incitação ao ódio e violência contra eu e qualquer um que tenha afetos por minha pessoa”, comentou a professora gaúcha com exclusividade ao site do Sinpro.

Não há notícias de Gustavo Gayer investindo sua fúria e seu ódio contra professores do gênero masculino.

Site irregular de denúncias

O deputado goiano criou um site para receber supostas denúncias sobre supostas doutrinações ocorridas nas escolas. O desenvolvimento desse site foi pago com verba parlamentar. Gayer já pagou R$ 21 mil à empresa desenvolvedora do site. De acordo com o advogado Dyogo Crosara, ouvido pelo jornal O Popular, de Goiânia, “a atividade é ilegal, o fim (a perseguição contra professores) é proibido e isso já foi motivo de representação no Ministério Público”, ainda que o deputado alegue que o desenvolvimento do site tenha a ver com sua atividade parlamentar.

Ataca colegas da câmara…

Recentemente, o deputado goiano incentivou seus seguidores a atacarem a deputada também por Goiás Sylvie Alves, do União Brasil. Segundo informações da assessoria da deputada Sylvie ao site G1, as ameaças (foto no link) ocorreram após a deputada rebater uma crítica feita por Gustavo Gayer. Na postagem, Gayer publicou uma montagem com nomes e fotos de todos os deputados goianos que votaram a favor da Medida Provisória (MP) dos ministérios, acompanhada da frase “esses deputados de Goiás se renderam ao PT e votaram com Lula”. Em resposta, Silvye escreveu que Gayer “vive de falácia para engajar suas redes”. A deputada ainda afirmou que Gayer “deveria parar de ataques e fazer algo pelo povo do seu estado”.

 

… e defende estudantes dos males da doutrinação?

É esse o deputado que diz “defender estudantes e suas famílias de casos do que podemos chamar de “doutrinação nas escolas”. Nessas situações, professores se utilizam de sua posição na sala de aula para divulgar correntes políticas e ideológicas de sua preferência, tentando cooptar os estudantes.”

Amanhã, no plenário 10 da Câmara dos Deputados, haverá uma série de defensores do chamado “combate à doutrinação escolar”. Nenhum deles irá para defender o processo de ensino-aprendizagem, nenhum irá demonstrar o conteúdo cobrado no vestibular, nenhum irá demonstrar o zelo e o cuidado que os e as profissionais da educação têm com suas aulas.

Foram convidados para o debate, entre outros:

  • A estudante de história na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Júlia de Castro Gonçalves;
  • O professor e especialista no ensino sobre ideologia de gênero Jean Marie Lambert;
  • O especialista em ensino infantil e autor da coleção “Entendendo a Bíblia”, Werverton Júnior Guimarães.

O Sinpro defendeu, defende e sempre defenderá a liberdade de cátedra. Ações como a desse deputado e de vários outros políticos oportunistas visam apenas a questionar a liberdade de pensamento do professor, tentando disfarçar esse processo de forma positiva, ao se dizer “contra a doutrinação” – quando, na verdade, partem do princípio de que estudantes são seres incapazes de pensar, refletir e ponderar, e vão para a escola apenas para absorver conteúdo sem maiores questionamentos. Ao fim e ao cabo, perde também o e a estudante, por terem sua liberdade de livre pensar cerceada por moldadores de pensamento. É, enfim, gente que nunca esteve no dia a dia de uma sala de aula.

MATÉRIA EM LIBRAS