Deputado distrital traz entulho autoritário de volta à Educação

As forças do atraso não conhecem limites e querem a todo custo reviver situações superadas pela sociedade e que se tornaram página virada – que deve ficar na história como exemplo de como não fazer as coisas.
Inspirado em decreto da ditadura militar, o deputado distrital Raimundo Ribeiro (PPS) parece saudoso e trouxe de volta um entulho autoritário chamado “Educação Moral e Cívica” para as escolas do Distrito Federal. A matéria deverá constar como conteúdo transversal nos currículos das redes pública e privada de ensino do DF dentro de 120 dias, conforme prevê a Lei nº 6.222/2018 – aprovada pela Câmara Legislativa e publicada no Diário Oficial do dia 9 de março último.
A lei determina que sejam incluídos conteúdos cívicos, como a história da Bandeira e do Hino Nacional, por exemplo.
Raimundo Ribeiro se baseou livremente no decreto-lei nº 869, de 1969, assinado pelo general Costa e Silva. A lei defende o “fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana”, o “aprimoramento do caráter, como apoio moral, na dedicação à família e à comunidade”, e o “preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas, com fundamento na moral, patriotismo e na ação construtiva visando ao bem comum”. Os argumentos são os mesmos publicados há quase 50 anos. “Não tive inspiração militar, sou professor e advogado da União. Não me baseei no decreto-lei, mas é claro que tudo me serviu como fonte de consulta, inclusive ele. Uma das coisas boas que os militares fizeram foi essa demonstração de amor à pátria”, afirma o parlamentar, esquecendo-se que na justificativa do projeto repete expressões inteiras do decreto-lei 869.
Para a diretora de Política Educacional do Sinpro, Berenice D’arc, a medida – além de criar uma confusão jurídica, pois colide com diversos dispositivos legais – revela desconhecimento do funcionamento da escola. “Se não bastasse a péssima intenção do deputado distrital, toda a forma da proposta tramitou sem nenhum debate com a comunidade e tampouco com os(as) estudantes, educadores(as) ou pais e mães”.
A dirigente explica ainda que “a proposta de resgatar valores cívicos não escamoteia a sua pior intenção: trata-se de uma proposta que rompe com a autonomia das escolas e pretende impor uma espécie de ‘Escola Sem Partido’ no Distrito Federal, onde essa proposta, inclusive, já foi derrotada”.
Quanto ao conteúdo propriamente dito, Berenice diz que a inserção da disciplina de Educação Moral e Cívica nos currículos das escolas públicas e privadas de Brasília não leva em consideração que o conteúdo invocado para essa disciplina já consta nas outras disciplinas transversais e áreas de conhecimento do currículo, já aprovados pelos conselhos de educação, tanto distrital quanto nacional.
Em nota (vide anexo), a CNTE recomenda que o Ministério Público do DF e Territórios requeira a nulidade da Lei 6.122, “em razão dos conflitos estabelecidos com os comandos da LDB, com a Resolução nº 1/2005 do Conselho de Educação do Distrito Federal e com as normativas curriculares do Conselho Nacional de Educação”.
O Sinpro vai ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) por entender que a Câmara legislou em um setor que não é de sua competência.
Retrocessos – O especialista em políticas educacionais e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Célio Cunha enfatiza que não há necessidade da disciplina. “As bases curriculares nacionais já contemplam os conhecimentos que a lei determina, como cidadania, educação cívica e valores humanos”, explica. Ele acrescenta que a matéria ficou marcada pelo uso político da educação. “Não ficou marcada como uma coisa boa, não concordo que deva voltar como está sendo proposto”, diz.
De acordo com Erasto Fortes, doutor em Educação pela Unicamp e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), a experiência do Brasil com a “Educação Moral e Cívica” foi terrível. “Existem inúmeros estudos e pesquisas mostrando que era um processo de adestramento da juventude para a doutrina de segurança nacional, de interesse do estado ditador. É um retrocesso que não tem cabimento no ponto de vista da educação”, afirma.
No mesmo sentido, o secretário de Educação, Júlio Gregório, afirma que o texto está na contramão do que se constrói na proposta curricular moderna. “Criar uma disciplina engessa e restringe o debate. Essa abordagem representa um retrocesso. Hoje, a abordagem é mais ampla do que determina a lei”, explica. A pasta estuda a competência da Câmara para legislar sobre o currículo educacional.
Berenice D’arc ressalta a autonomia consolidada pela LDB, planos e diretrizes (nacional e local) na educação e no currículo do DF – que é “forte” – e de instâncias, como o CNE e o CEDF, que já deliberaram sobre a parte diversificada do currículo. “Por isso mesmo, o Sinpro entende que a maneira com que o deputado Raimundo Ribeiro trouxe a questão foi desastrosa e desrespeitosa com o magistério público do DF”.
Confira:
>>> Nota da CNTE sobre a Lei nº 6.122/2018
>>> Texto da Lei nº 6.122/2018