Defensor do “fim dos privilégios”, Paulo Guedes ganha 11 vezes mais que o piso nacional do magistério

Pagamento de supostos supersalários para a maioria dos servidores públicos é um dos pilares da reforma administrativa de Bolsonaro-Guedes. Moldada em argumentos inverídicos e dados manipulados, basta um sopro de verdade para a estrutura da falácia ruir. Estudos que comprovam isso não são poucos. E também não é difícil descobrir quem são os verdadeiros privilegiados no conjunto do funcionalismo.

Uma simples busca no Portal da Transparência com o nome completo de Paulo Guedes mostra que o ministro embolsa R$ 30.934,70 por mês, fora o que entra via jetom. A bagatela representa 10,7 vezes o valor do piso nacional do magistério (R$ 2.886,24). Ou podemos dizer que o salário de Guedes é 1.070% maior que o valor base pago a professores e professoras de todo Brasil.

Segundo o estudo “Remunerações iniciais nas carreiras do magistério nas redes estaduais do Brasil”, realizado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em março deste ano, 16 estados brasileiros não cumprem o piso nacional do magistério (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins, Pará, Paraná, Bahia, São Paulo, Sergipe, Goiás, Santa Catarina, Pernambuco, Rondônia, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas). Se considerarmos o piso do magistério no Rio Grande do Norte, o mais baixo do país (R$ 1.260,20), o supersalário de Guedes é 24,54 vezes maior ou 2.454% mais que o piso do magistério no estado.

A disparidade salarial entre o ministro que defende o arrocho no serviço público e os servidores que realizam as atividades essenciais à população não está restrita ao setor da educação. Segundo levantamento da Revista Piauí, a média salarial de um varredor de rua é de R$ 1,6 mil. Isso quer dizer que com um mês de salário de Guedes, é possível pagar um servidor público que é varredor de rua por mais de um ano e meio.

Ainda segundo a pesquisa da Revista Piauí, metade dos servidores ganha menos de R$ 2,7 mil por mês. Em 2018, apenas 3% ganhava mais de R$ 19,1 mil. Ainda assim, estudo divulgado em agosto deste ano pelo Instituto Millenium – que tem o ministro da Economia de Bolsonaro como um dos fundadores – afirmou que a média salarial dos servidores públicos no Brasil chega a R$ 10 mil.

“Esse estudo é no mínimo questionável, fictício, que mistura dados e números de entes federativos para fazer confusão e querer jogar a população contra os servidores e os serviços públicos. Os serviços públicos estão defasados, há ausência de servidores e de concursos públicos. Os salários estão congelados há praticamente quatro anos”, afirma o secretário geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), em vídeo. O dirigente sindical ainda lamenta que o instituto Millenium não comente sobre “o R$ 1,6 trilhão pago esse ano para amortização dos juros da dívida pública”.

O presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues, avalia que o problema dos supersalários e os consequentes privilégios podem ser resolvidos de uma forma bem mais lógica. “Enquanto a maioria dos servidores públicos não chega a receber nem R$ 3 mil por mês, tem juiz, membro do ministério público, ministro, ganhando mais que R$ 100 mil por mês, ou seja, mais que o teto constitucional. Então, não precisa ser nenhum matemático para saber que a simples regulamentação desse teto já traria um grande alívio financeiro para o Brasil”, diz o dirigente sindical.

Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, de setembro de 2017 a abril de 2020 foram registrados 13.595 pagamentos acima de R$ 100 mil pelo sistema judiciário. 507 magistrados receberam vencimentos acima de R$ 200 mil 565 vezes.

Rodrigo Rodrigues também aponta a taxação de fortunas e a tributação justa como alternativas justas à reforma administrativa e à crise financeira brasileira. “A lógica é: quem tem mais paga mais; quem tem menos paga menos. Aqui no Brasil, 206 bilionários possuem juntos mais de R$ 1,2 trilhão. Então tem que tributar altos salários, aumentar tributação sobre bancos, cobrar IPVA de jatinho, de iate. A verdade é que a reforma administrativa não trata de fim de privilégios. Ela é, na verdade, uma inversão de valores. Essa reforma trata de fragilizar e precarizar ainda mais a estrutura do serviço público para poder manter o privilégio de quem sempre se beneficiou no Brasil: a elite dominante”, avalia o presidente da CUT-DF.

Do total de arrecadação de impostos que o Brasil tem, 48% vem da taxação sobre o consumo. Ou seja, Paulo Guedes que ganha mais de R$ 30 mil por mês e um professor que ganha menos que R$ 2 mil são taxados da mesma forma. O tema dos impostos sobre grandes fortunas está na Constituição de 1988, mas até hoje não foi implementado.

Fonte: A matéria foi publicada na série Brasil Por Um Fio, realizada pela CUT-DF, em outubro de 2020. Os dados apresentados não tiveram alteração
Foto capa:
Sergio Lima/AFP