Defender a EJA é garantir a cidadania

Por falta de políticas públicas de valorização da Educação de Jovens e Adultos (EJA), o governo tem reduzido a modalidade de ensino em diversas unidades país afora. Nos primeiros meses de governo Bolsonaro, várias incertezas para EJA foram vistas. Logo no início do mandato, o presidente dissolveu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação (MEC).

O órgão era responsável não apenas pela modalidade de EJA em específico, como também por outras modalidades cujos sujeitos, frequentemente, são também estudantes da EJA, como a Educação do Campo e a Educação nas Prisões. Em seu lugar, foram criadas duas novas secretarias: a Secretaria de Alfabetização e a Secretaria de Modalidades Especializadas da Educação. No decreto que as instituiu, entretanto, não há nenhuma diretoria específica dedicada à modalidade.

O GDF tem seguido o mesmo viés do governo federal e também anunciou o fechamento de diversas turmas de EJA. O episódio mais recente aconteceu na última semana, quando a Secretaria de Estado de Educação (SEDF) determinou a redução da modalidade em duas escolas de Ceilândia: Centro de Ensino Médio (CEM)  3 e no Centro Educacional (CED) 11.  De um total de 14 salas no CEM 3, sete seriam fechadas.  Já no CED 11, de 12 turmas, outras quatro seriam extintas.

A notícia não foi bem recebida pela comunidade escolar e, graças a mobilização conjunta entre o Sinpro, professores(as), orientadores(as), estudantes e movimentos sociais o governo recuou da decisão.  Agora, todas as turmas serão mantidas até o final do ano e o enfrentamento para que o GDF apresente uma política de valorização da EJA será intensificada.

A professora da modalidade no CEM 3, Emanuelle Mendes, alerta que a decisão de redução das turmas foi tomada sem práticas de prevenção. A professora explica que além do desconforto e da superlotação, a mudança poderia resultar no fechamento de turno para o próximo semestre, prejudicar professores e estudantes e aumentar ainda mais os índices de evasão escolar.

“Mesmo não sendo professora de português, no que se refere aos investimentos na área educacional, acho no mínimo imoral que o governo conjugue os verbos fechar, devolver, reduzir. Temos que conjugar fomentar, incentivar, apoiar. Uma pena a palavra investimento ser associada a gastos pela Secretaria de Educação. Ao meu ver, o recuo foi, sem dúvida, a vitória foi da democracia. O momento agora é de cobrar o Estado. Ele tem que pensar em construir espaços de aprendizagens e não em minimizar os que já existem. Queremos a ampla divulgação das vagas nas grandes e pequenas mídias”.

Já a professora do CED 11, Ana Reulma Aires acredita que fechar turmas é fechar portas para as possibilidades que estes estudantes têm de recuperar o tempo perdido. “Nós não lidamos só com meros espectadores de aulas, nós lidamos com o sonho das pessoas. Sonho de mudança de vida, de deixar de lado a perspectiva de manutenção e se tornarem agentes de transformação. Nós já estamos em campanha para a conquista de novos estudantes. A nossa luta não acabou, é só um respiro. Porque o objetivo de fechar turmas não mudou, o que mudou foi o prazo para que isso aconteça. Então, onde houver combate, haverá resistência”, concluiu.

A Secretaria alegou que o motivo do fechamento de turmas seria a falta de estudantes nessas unidades, porém esta é uma afirmativa no mínimo contestável. Para os professores(as) e orientadores(as) dessas unidades existe sim um problema de evasão escolar na EJA. Muitas vezes, esses problemas estão relacionados à diversos fatores, como dificuldade de aprendizagem, longa jornada de trabalho, larga heterogeneidade no mesmo espaço que pode variar entre jovens a partir de 15 anos, adultos, idosos, trabalhadores urbanos e rurais, jovens em liberdade assistida, alunos com necessidades especiais e um grande conjunto de pessoas que por diversas razões foram excluídas da escola.

Entretanto, mesmo em meio a todos os desafios impostos aos professores e estudantes da EJA, simplesmente querer cortar turmas e devolver professores não é a solução, muito menos uma justificativa.

A integrante do Grupo de Trabalho Pró-Alfabetização do Distrito Federal (GTPA-Fórum EJA/DF), Maria Luíza Pinho Pereira explica que a demanda social da modalidade EJA em todo o DF é enorme. Atualmente, um contingente significativo de pessoas não é atendido pela oferta de matrículas na rede pública.

Existe um grande número de possíveis estudantes para ingressarem na modalidade de ensino EJA. Somente em Ceilândia, por exemplo, segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) de 2018, estima-se que 100 mil pessoas na faixa etária acima dos 25 anos não terminaram a educação básica.

Segundo Pereira, o conceito da EJA na forma integrada à Educação Profissional conquistado na lei do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2013 e incluído no Plano Distrital de Educação (PDE), foi fruto da luta dos movimentos sociais, popular, estudantil e sindical. “A Lei 5.499 que instituiu o PDE foi construída coletivamente pelo Fórum Distrital de Educação. Ela obriga o governo a cumprir as Metas 8, 9, 10 e 11 referidas à EJA na forma integrada à Educação Profissional (EJA/EP), o que não está acontecendo. O GTPA-Fórum EJA/DF tem lutado por todos os aspectos da EJA junto aos poderes legislativo e executivo”, esclarece.

Madalena Torres, diretora do Centro Educação Paulo Freire de Ceilândia (Cepafre) e coordenadora do Movimento Popular por uma Ceilândia Melhor (Mopocem), explica que além de disponibilizar o 156, número da Central de Atendimento ao Cidadão para matrícula de novos estudantes, é preciso uma ampla mobilização e divulgação por meio de uma busca ativa. “Muitos não conseguem fazer sua matrícula devido a burocracia. É preciso facilitar o acesso e, principalmente, criar uma escola atrativa para trazer esses alunos. Precisamos receber essa população com respeito e cuidado e entender   que não são apenas estudantes, e sim trabalhadores estudantes”, reitera.

Na avaliação da diretora do Sinpro, Eliceuda França, o recuo representa uma vitória importante para todos diante do papel social da Educação de Jovens e Adultos. Para ela, em período de desmonte e ataques à educação, o governo pelo menos cogitar a quebra do processo pedagógico desses estudantes é no mínimo cruel e deve ser fiscalizado para que isso de fato não ocorra. “Realmente tem poucos alunos por turma na EJA, mas parece que o principal propósito do governo é simplesmente fechar de fato, ao invés de batalhar para trazer novos estudantes. Hoje não temos uma política clara de valorização e defesa dessa modalidade. A EJA é uma correção para os jovens e adultos que no seu período normal de formação não tiveram acesso à educação por inúmeros motivos; constituíram famílias muito cedo e só agora estão voltando a estudar, jovens que largaram os estudos para trabalhar e a ajudar a família e muitos outros. Por isso, é fundamental investir em campanhas publicitárias e educativas para divulgar essas vagas para população e trazer os alunos para a escola”, afirma.

Para a diretora do Sinpro, Mônica Caldeira, a medida é mais um ataque. “É absurdo que se negue aos estudantes a oportunidade de voltar a estudar. Não se trata apenas de ter um certificado de conclusão do Ensino Médio. É o retorno ao ambiente de conquista da cidadania, do sonho por qualificação profissional. A vida passa pela escola, e ao negar esse direito, o Estado comete uma violência contra alunos e professores.”

O também diretor do Sinpro, Luciano Matos concluiu afirmando que a militarização, outra iniciativa do GDF que segue a linha autoritária de Bolsonaro, também pode contribuir para o desmonte da EJA. “A militarização imposta pelo governo irá acabar ainda mais com a oferta da modalidade. Muitas escolas que foram militarizadas extinguiram a Educação de Jovens e Adultos. É preciso começar a valorizar e tratar a EJA como política pública e não apenas política compensatória como tem sido feito. Disponibilizar para todas as modalidades de ensino acesso à escolas bem estruturadas, atrativas, com laboratórios, salas de recursos, bem como contratar mais orientadores, fundamentais para atuação na EJA e, principalmente, seguir as metas que tratam de segurança pública, transporte etc”, concluiu.

Clique AQUI e confira a carta aberta do Centro de Ensino Médio (CEM)  3