Debate de gênero nas escolas pode frear projetos como o da gravidez infantil

O projeto de lei 1904/24 pautou o debate público e subiu a hashtag #CriançaNãoÉMãe. A proposta criminaliza meninas e mulheres vítimas de estupro, caso a opção seja a interrupção da gestação após a 22ª semana. Além disso, pelo PL, uma menina ou mulher estuprada que interromper a gravidez após o período indicado teria pena de 20 anos de prisão, enquanto a pena prevista para o estuprador é de até 10 anos.

Para a diretora do Sinpro Mônica Caldeira, a elaboração de um projeto com esse teor tem como precedente a condição de uma sociedade marcada pelo silêncio da discussão de gênero. “As pessoas se constroem; e o espaço da escola é determinante para essa construção. A partir do momento em que a escola se exime de debater questões essenciais para uma sociedade justa, como o debate sobre gênero, a tendência é de um futuro perverso, marcado pela desigualdade, pelo preconceito, pela exclusão, pela violência”, avalia.

A dirigente sindical afirma que a apresentação do projeto da gravidez infantil mostra a urgência de se estabelecer o espaço escolar como local que “ensine as crianças e os jovens não só português e matemática, mas sobretudo a importância do debate democrático, do respeito à diversidade”.

“Se a escola fosse, desde sempre, um lugar que garantisse o debate sobre gênero, propostas como o PL da gravidez infantil poderiam até ser apresentadas em espaços determinantes para os rumos do país, como a Câmara dos Deputados, mas seriam facilmente derrubadas. Seja pela conscientização da maior parte dos próprios parlamentares, seja pela pressão de uma população conscientizada”, diz Mônica Caldeira.

Embora ainda discutida sem a constância e a transversalidade necessárias nas escolas públicas, a questão de gênero enquanto conteúdo escolar é respaldada por dispositivos legais. Entre eles, a alteração na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que tornou obrigatória a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher (Lei 14.164/21), em todo território nacional.

Entretanto, a diretora do Sinpro destaca que, ainda que as leis que embasam os conteúdos administrados em sala de aula incluam a questão de gênero, a categoria é, constantemente, tolhida de promover o debate. “Foi o que quis, por exemplo, o projeto Escola Sem Partido, apoiado por parlamentares da base do governo local na Câmara Legislativa. É o que querem esses mesmos parlamentares ao criminalizarem nossa categoria quando abordamos temáticas como essa”, analisa.

Mônica Caldeira lembra que a conscientização sobre gênero sempre foi pauta do Sinpro. “Nosso sindicato realiza várias ações durante todo ano voltadas à questão de gênero. Em datas específicas, como o Maio Laranja, nos empenhamos na campanha Faça Bonito, que além de promover a conscientização de gênero, combate a exploração e o abuso sexual infantil”, destaca, e complementa: “Essa luta deve ser de toda a nossa categoria, de toda a população”.

Ato
Mulheres do DF realizarão ato contra o PL da gravidez infantil nesta quinta-feira (13/6), às 18h, no Museu da República.

Segundo dados da Secretaria de Segurança do GDF, a cada 14 horas, uma menina ou mulher é estuprada no DF.

PL da gravidez
De autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o PL da gravidez infantil tramita na Câmara dos Deputados em regime de urgência, condição garantida a partir de manobra do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Com isso, ele deve ser votado diretamente pelo Plenário, sem passar pelas discussões nas comissões, espaço de debate público.

As manobras de Lira não foram em vão. Com a proximidade das eleições para presidência da Câmara, que serão realizadas no início de 2025, Arthur Lira se preocupa com os eleitores de dentro da Casa, e permite que projetos com esse teor avancem para não perder os votos dos parlamentares alinhados à direita política.

Entre os 33 parlamentares que assinaram o PL da gravidez infantil, estão os deputados do DF Fred Linhares (Republicanos) e Bia Kicis (PL).

O que muda
Se aprovado, o PL da gravidez infantil (1904/24) relativiza as hipóteses de aborto legal garantidos hoje às mulheres. Com isso, mesmo que a mulher tenha sido estuprada, corra risco de morte ou gere um feto anencéfalo, ela não poderá interromper a gravidez após 22 semanas de gestação. E caso realize, será enquadrada por um crime semelhante ao de homicídio simples.

Isso acaba atingindo crianças, que hoje são as principais vítimas de estupro no Brasil. Diante do processo burocrático de interrupção da gravidez, a maior parte dos responsáveis pelas das crianças que iniciam gestação a partir de um estupro só conseguem a autorização legal para o aborto após a 22ª semana de gestão.

Além disso, atualmente, mulheres que decidem interromper a gravidez e não estão enquadradas em nenhuma justificativa legal, podem sofrer pena de 1 a 3 anos de prisão. Com o PL da gravidez, essa pena é ampliada para 6 a 20 anos de prisão.

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