GDF protela e comunidade luta pela reconstrução da EC 59 da Ceilândia

No primeiro semestre deste ano, comunidade realizou protesto que culminou com um abraço à EC 59

 

A Escola Classe 59 (EC 59) de Ceilândia está sendo extinta. Essa é a conclusão e o temor de quem vê a situação do prédio condenado e abandonado, na Área Especial 2, Guariroba, Setor N QNN 36, Ceilândia Sul, e a morosidade do Governo do Distrito Federal (GDF) em demoli-lo e reconstruí-lo. A comunidade tem cobrado a reconstrução da unidade escolar. As consequências dessa demora tem prejudicado a todos.

Em pouco mais de 12 meses, entre fevereiro de 2018 e agosto de 2019, a escola perdeu mais de 20% do seu corpo discente. De 600 estudantes, que havia em 2016, o número caiu para menos de 400, em agosto de 2019. Professores também tiveram turmas unificadas no segundo semestre deste ano por falta de estudantes. Profissionais correm o risco de serem devolvidos à Coordenação Regional de Ensino (CRE) por falta de turmas.

A evasão não é porque uma nova escola pública equipada foi construída para atender à demanda de educação de qualidade da QNN 36 e as crianças foram transferidas para lá. Ao contrário, o prédio da EC 59, condenado por risco de desabamento, resiste em pé, apesar de a Justiça ter determinado um prazo para o GDF demoli-lo e erguer outra escola segura no local.

Os pais estão preferindo deixar seus filhos(as) sem escola a ter de levá-los(as) para um espaço provisório nos fundos do Centro de Ensino Médio (CEM) 04, de Ceilândia, ao lado da Estação Guariroba do Metrô. Desde que a Justiça mandou evacuar o prédio original, as turmas foram ajeitadas nos fundos do CEM 04. Outros pais matricularam seus filhos(as) em escolas próximas de suas casas. E, outros ainda, desistiram de matriculá-los porque não conseguiram vaga nas unidades superlotadas em sua vizinhança.

“Nesta reportagem, o Sinpro-DF traz o raio-X da EC 59. Enquanto a escola é largada ao abandono, o GDF gasta perdulariamente o dinheiro público com militarização. Com os recursos financeiros desviados para esse projeto de privatização que eles chamam de “gestão compartilhada”, o GDF poderia construir novas unidades escolares, garantindo o Projeto Político Pedagógico e oferecendo educação de qualidade”, afirma Cláudio Antunes, coordenador de Imprensa do Sinpro-DF.

ESCOLA PROVISÓRIA – Na opinião dos professores da EC 59, se continuar no ritmo em que se encontram o descaso e o abandono, a escola está com os dias contados, o que levará centenas de pais e estudantes e dezenas de professores e funcionários técnico-administrativos a prejuízos irreparáveis. O prédio original, uma construção provisória de setembro de 1989, está condenado por risco de desabamento e outros problemas graves. Em 2016, a Justiça deu um prazo de 120 dias ao governo para sua evacuação, demolição e construção de outro apropriado e seguro no local.

Até hoje nenhum dos governos obedeceu: nem o ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB) e nem o atual, Ibaneis Rocha (MDB). A preocupação dos dois foi apenas desviar o dinheiro público para a militarização em detrimento da construção e da reforma das estruturas precarizadas. Com pouco dinheiro, o GDF retiraria a EC 59 do estado de provisoriedade em que ela vive há 30 anos.

PREJUÍZOS PEDAGÓGICOS  –  Os prejuízos materiais e pedagógicos têm sido imensos. Tanto a nova localização como o eterno sentimento de provisoriedade tem massacrado psicológica, intelectual, física e pedagogicamente as crianças entre 4 e 12 de idade que frequentam a unidade.Se antes o problema era o risco de desabamento, hoje, a distância é o principal motivo da evasão e do adoecimento dos educadores.

Muitas crianças ainda são submetidas a longas caminhadas de mais de uma hora para chegar ao CEM 04 e acessar o direito à educação e, depois da aula, mais caminhada para voltar para casa. As que vão de transporte escolar têm outra rotina que as submete a longas horas sem se alimentar, ao desgaste, ao cansaço e à perda da capacidade de aprendizado.

A distância atrapalha o cotidiano de pais e aprofunda a situação de exclusão educacional das crianças residentes na região da QNN 36. “A negligência do GDF é o principal empecilho que impede os filhos(as) da população de ter acesso ao direito à educação”, afirma Samuel Fernandes, diretor de Imprensa do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF).

Os pais que desistiram de levar os filhos(as) à escola alegam que a longa distância a percorrer se tornou um problema, um contratempo e uma contramão para eles, bem como um infortúnio exaustivo e desestimulante para seus filhos(as). “É duro para as crianças nessa faixa etária fazerem duas longas caminhadas de mais de uma hora tanto de ida como de volta. Até as que vão de transporte escolar já chegam cansadas, com fome e estão prejudicadas. Os prejuízos pedagógicos e acadêmicos são imensos”, comenta Nicilene Paulino, professora da Sala de Recurso.

 

Professoras da EC 59 e Samuel Fernandes do Sinpro-DF

PRÉDIO DA ESCOLA SE TRANSFORMOU EM ABRIGO PARA O TRÁFICO DE DROGAS

 

Samuel Fernandes afirma que, atualmente, a estrutura abandonada serve de abrigo para o tráfico de drogas. “Se antes a situação era de alta periculosidade, hoje o estado da escola é deplorável. Ela nem sequer foi demolida e a vizinhança reclama que o local se transformou em ponto de moradores de rua, tráfico de drogas, prostituição. À noite tem fogueira lá dentro para usuários de drogas e já foram encontrados diversos cachimbos de usuários de crack”, denuncia.

 

 

No sábado (21/9), a comunidade escolar realizou a Festa da Cultural da Inclusão. Foi a segunda atividade deste ano para chamar a atenção e sensibilizar o GDF para a construção da nova escola. No primeiro semestre, teve outra manifestação na qual abraçaram a escola para denunciar e protestar contra a enrolação e morosidade do GDF. Confira aqui o vídeo do Abraço.

“O objetivo da festa foi o de sensibilizar para o drama da escola. Com seus estudantes espalhados por várias escolas, a comunidade se reuniu no antigo prédio, no semestre passado, para fazer um abraço simbólico em protesto contra o descaso do governo”, conta Nicilene.

 

Abraço no prédio abandonado da EC 59 de Ceilândia

GDF GASTOU, ENTRE FEVEREIRO E AGOSTO DE 2019, R$ 116 MILHÕES COM TRANSPORTE

 

Fernandes afirma que o gasto com transporte escolar poderia ser o dinheiro que a escola precisa para investir em sua reconstrução, melhorias pedagógicas e para assegurar o ensino de qualidade. Ele diz que o GDF precisa investir o orçamento público destinado à educação nas escolas desde a infraestrutura até a compra de livros didáticos.

“Até hoje, meados do segundo semestre de 2019, há escolas que ainda não os têm. O GDF gasta milhões com transporte escolar. Se pegasse esse dinheiro e construísse as dezenas de escolas que precisam ser reconstruídas, economizaria”, garante o diretor do Sinpro-DF.

Informações da Assessoria de Comunicação (Ascom) da Secretaria de Estado da Educação do GDF (SEEDF) indicam que, atualmente, há 1.832 ônibus escolares e que, somente, entre fevereiro e agosto de 2019, já gastou R$ 116 milhões em transporte escolar. Também segundo a Ascom, há 13 escolas para serem reformadas e, oito, para serem reconstruídas.

Informações da SEEDF dão conta de que os valores de cada uma dessas obras varia conforme o tamanho e a capacidade de atendimento da escola. No total, a previsão é de R$ 64 milhões para reconstruções prioritárias e de R$ 26,5 milhões para reformas prioritárias.

A Secretaria informa também que, no momento, estão sendo finalizados os projetos complementares e a planilha orçamentária e que, com isso, a previsão é a de que a licitação para construção da EC 59 seja iniciada ainda em outubro. “O investimento na obra está estimado em aproximadamente R$ 8 milhões. Os 435 estudantes da EC 59 estão realocados no CEM 04 de Ceilândia”, informa a SEEDF.

Para o diretor do Sinpro-DF, quanto mais o GDF protelar as reconstruções ou reformas, mas gasto terá no futuro para recompor no número de unidades escolares. “O governo não tem como escapar disso. Quanto mais retardar na construção, mais dinheiro será jogado forma e menos material didático para os(as) estudantes”, critica.

Estudantes e professoras dão abraço na EC 59 de Ceilândia

EVASÃO ESCOLAR INTENSA,  REDUÇÃO DE TURMAS E DIMINUIÇÃO DO PDAF

 

Na época em que foi condenada, havia quase 600 crianças. “Hoje temos cerca de 380. Nesse remanejamento para o CEM 04, perdemos várias crianças. Temos de 120 a 150 crianças oriundas do Sol Nascente que vêm de transporte cedido. A nossa escola está se esvaindo”, afirma Gilson Machado Nunes, professor de Atividades e ex-diretor da EC 59.

Ele acredita que a tendência é o GDF fechar uma escola tão necessária. “Este ano já houve redução do número de turmas. No segundo semestre, para nossa surpresa, quando voltamos do recesso, eu e a outra professora tivemos nossas turmas unificadas. A minha tinha 16 estudantes e a dela também. Antes, a escola tinha uma média de 24, 25 turnas. Este ano caiu para 19”, denuncia.

Quanto ao PDAF, a Ascom da Secretaria de Educação informa que a EC 59 recebeu, em 2018, R$ 84.865,50; e, em 2019, até o momento, recebeu R$ 26.290,00. Mas Fernandes  diz que, este ano, várias escolas irão só receberam de R$ 2 mil a 14 mil do PDAF. “Esse recurso não dá nem para começar. Quanto custa para realizar pequenos reparos? Tinta? Papel? Faça a conta para ver se dá? E compare com o custo de uma escola militarizada?”,  desafia ao diretor do sindicato.

Renata Olívia Campos, diretora da escola, confirma a redução de turmas por causa da evasão escolar e diz que, juntamente com isso, a escola agora enfrenta outro problema: a redução do valor do Programa de Descentralização Administrativa e Financeiro (PDAF) em 50%.

“Recebemos todas as parcelas do PDAF, porém, a segunda de 2019, que está prestes a ser paga pelo GDF, vai entrar com uma redução de 50%. O governo reduziu o PDAF de todas as escolas. A EC 59 vai receber somente R$ 15 mil”, afirma a diretora. A cada ano a escola tem sido reduzida em uma, duas, três turmas em média.

“A tendência é a de que em 2020 diminua ainda mais porque está sendo construída uma escola muito boa no Sol Nascente. Assim, cerca de 120 crianças oriundas de lá sairão da EC 59”, informa o ex-diretor Gilson Nunes. Ele diz que, por causa dessa situação, o CAIC Bernardo Sayão – uma escola que também atende a crianças na faixa etária de 4 a 12 anos, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental – está insuportável por causa das turmas superlotadas.

SUCATEAMENTO É BULLYING E CORTINA DE FUMAÇA PARA ENCOBRIR MILITARIZAÇÃO

Samuel Fernandes diz que a EC 59 é um dos vários exemplos de escolas da rede pública do DF que não recebem investimentos do governo. “Quando digo que a falta de investimento é grave é porque há escolas que não têm nem sequer o mínimo que deveria ter, que é o livro didático. A qualidade do ensino está diretamente ligada ao nível de investimentos financeiros”, afirma.

“Aí o GDF cobra da categoria o cumprimento de metas, mas não faz o papel dele. A maior parte das escolas não tem biblioteca, laboratórios, internet e, muitas, por incrível que pareça, não têm nem sequer o livro didático”, denuncia. Quanto ao PDAF, está se tornando normal, hoje em dia, o GDF não pagá-lo e, quando paga, o faz com muito atraso e com valores insuficientes que mal dão para fazer pequenos reparos ou comprar materiais pedagógicos básicos”, critica o diretor do Sinpro-DF.

Na opinião do diretor do Sinpro, a negligência é uma “cortina de fumaça que o governo Ibaneis está fazendo para encobrir a militarização e tentar enredar a população e mudar o foco para falar que está fazendo alguma coisa e, na verdade, não está fazendo nada porque o que falta é somente investimento financeiro público no sistema de educação do governo”.

Os professores afirmam que, ao deixar a escola sem dinheiro e sem as condições mínimas de existência, o GDF piora as condições de trabalho e, com isso, pratica o assédio moral contra professores e funcionários, uma vez que os profissionais sofrem para atingir as metas cobradas pelo governo e para manter a qualidade do ensino em situações péssimas de condições de trabalho.

O assédio também é contra estudantes e pais porque eles se veem prejudicados, subtraídos em seu direito de ter serviços públicos e de qualidade e, ao mesmo tempo, impotentes diante da negligência e da força brutal do sucateamento intenso dos governos de plantão. Eles não têm a quem recorrer.

ESCOLA CLASSE NASCEU COM PROBLEMAS

Gilson Nunes conta que a escola já nasceu com problemas porque era uma unidade improvisada. Ele acusa o governo de imprevidente porque não tratou o problema com a seriedade que deveria. “Desde que comecei a ser diretor, em 2001, até 2016, quando a escola foi interditada, trabalhei para fortalecê-la”, afirma. Ele conta que há exatos 30 anos, a escola foi instalada em regime provisório. Ela foi construída em setembro de 1989 de forma improvisada. Na época, era para suprir a defasagem de Educação Infantil e Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano da região.

Os estudantes formadores da EC 59 foram remanejados, provisoriamente, do CEF 18, situado na Quadra 10, do P Sul, para, posteriormente, o GDF construir, no local, uma nova escola pública definitiva com todos os equipamentos necessários para o acontecimento da educação pública e o atendimento da demanda de estudantes da região.

“A população quintuplicou e nem sequer tem a EC 59, que, sozinha, já não é mais suficiente para atender à demanda. Nesses 30 anos, a escola foi se deteriorando. E mesmo com os reparos, as verbas cada vez mais insuficientes para a manutenção reparadora, sem nenhum investimento financeiro do GDF, o resultado só poderia ser este: uma escola a menos, com crianças jogadas sobre outras em escolas superlotadas”, afirma Gilson.

Em 2017, o Correio Braziliense fez uma reportagem mostrando o resultado de um relatório do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). O documento indicava que 87,4% das unidades escolares da rede pública de ensino do DF apresentavam manutenção e conservação precárias. No ranking feito pelo TCDF, a EC 59 ficou em primeiro lugar como pior escola do DF.

O título era “Nota baixa para a infraestrutura escolar”. O diagnóstico das instalações das escolas públicas foi feito por técnicos do TCDF entre janeiro e fevereiro de 2011. O Plenário da Corte determinou, por unanimidade, que a EC 59 fosse reconstruída.

 

DUAS DÉCADAS DE DESCASO

Tudo isso mostra que há pelo menos duas décadas a EC 59 precisa de novo prédio para se acomodar. Construída em setembro de 1989, no bojo das mudanças no setor da educação preconizadas pelos governos Fernando Collor e Itamar Franco, a EC 59 foi erguida com uma estrutura precária, temporária e provisória para atender à demanda da época.

A construção muito baixa, feita de placas pré-moldadas de concreto durou o que pôde. Nos últimos 15 anos, os problemas estruturais começaram a gritar e a alarmar a todos: queda das placas de concreto do teto; crianças machucadas e muitos outros graves problemas.

Dentre eles, o destaque é para as infiltrações, que, quando chove, a água desce pela rede elétrica, colocando a comunidade diante de uma possível tragédia porque pode ocorre um curto circuito; para a infestação de ratos que afastou uma professora por um tempo por suspeita de leptospirose por causa de contato com as fezes de rato.

A escola tinha vazamento de gás,  o que recorrente e isso prejudicava o serviço de lanche quente porque não se podia ligar o fogão na cozinha; desabamento de placas de pré-moldados do teto era cotidiano e em toda a escola havia placas de concreto se desmanchando, com ferros enferrujados expostos. Por fim, ela foi evacuada, em fevereiro de 2018, uma semana antes de iniciar o ano letivo porque apresentava risco de desabamento.

Gilson Nunes afirma que, na época das chuvas, a situação da EC 59 se tornava ainda mais grave. “Se chovia à noite, a escola não conseguia começar a aula do dia seguinte no tempo certo porque não dava tempo de limpar tudo. A água fazia com que a primeira camada da placa de concreto desabasse e os pedaços caíam. Muitas atingiram a cabeça das crianças. Várias se machucaram. Até que em 2015, a claraboia desabou com a placa de concreto”, conta.

Ele diz que passou 10 anos, enquanto foi diretor, correndo atrás de dinheiro dentro e fora do GDF. “Fazíamos festas para angariar fundos para socorrer os locais mais afetados pela ação do tempo. Apesar de a estrutura ser péssima, o ambiente era agradável porque a equipe se esforçava para dar um aspecto agradável ao ambiente. O piso também ficava com arames expostos”.

E garante que foram esses problemas infraestruturais que levaram, em 2016, a 3ª Vara da Fazenda Pública a interditá-la e a dar um prazo de 120 para o GDF construir uma nova escola no mesmo lugar da EC 59 com retorno das atividades pedagógicas previsto para agosto de 2017. A interdição foi resultado de uma ação da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação, que verificou riscos à comunidade escolar.

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