Contra a violência de gênero só as leis não bastam

Ironicamente, um ano após a sanção da Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015 – a Lei do Feminicídio – um duplo feminicídio colocou o Distrito Federal, mais uma vez, nas principais manchetes do noticiário policial do país. Os assassinatos ocorreram justamente nos dias 10 e 11 de março e reavivaram preocupações, reflexões e discussões sobre a ausência de políticas de gênero na capital federal.
Os assassinatos de Louise Maria Ribeiro, 20 anos, e de Jane Carla Fernandes Cunha, 21, praticados pelo ex-namorado e ex-marido, respectivamente, não só causaram indignação, mas recolocaram na pauta a necessidade de recrudescer políticas públicas que promovam a igualdade de gênero no Distrito Federal e no país e sobre o papel da escola na construção dessa nova sociedade em que a mulher seja valorizada.
Dados de 2015 do Mapa da Violência contra a Mulher, coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), dão conta de que, entre 83 países, o Brasil se posiciona em quinto lugar no ranking de mulheres mortas por feminicídio. No Brasil, segundo essa pesquisa, 13 mulheres são assassinadas por dia (um assassinato a cada uma hora e meia) por feminicídio.
Desde a fundação do Sinpro-DF, as sucessivas diretorias sempre tiveram a preocupação e o cuidado de levar para a categoria a discussão sobre gênero. Eliceuda França, coordenadora da Secretaria de Mulheres, declara que, contudo, somente nos últimos 12 anos as diretorias colegiadas transformaram essa discussão em efetiva política do sindicato, criando uma Secretaria para Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras e defendendo um projeto de educação que tenha como princípio e uma das suas diretrizes a educação para a igualdade de gênero.
Prova disso foi a intensa atuação do Sinpro-DF e da categoria para introduzir no Plano Distrital de Educação (PDE) políticas que promovam a igualdade em todos os sentidos, incluindo aí a de gênero. Essa política tornou-se uma premissa e, ao mesmo tempo, uma diretriz que permeou várias metas do PDE. Porém, no ano passado, os deputados distritais que aprovaram o PDE retiraram dele todos os itens e toda e qualquer referência à igualdade de gênero.
Eliceuda afirma que, justamente em momentos de dor e desespero, como esses da semana passada, é preciso reforçar a Lei do Feminicídio. E alerta para a necessidade de outras entidades sindicais e do movimento social, bem como todas as mídias, governos e instituições públicas, como as escolas e as universidades, divulgarem cada vez mais essa lei e adotar políticas de gênero.
Vilmara Carmo, diretora de Mulheres do Sinpro-DF, contou que quando viu o duplo homicídio no noticiário, “tive a certeza de que, nesses últimos 10 anos, a diretoria de nosso sindicato, por intermédio da Secretaria de Mulheres, desenvolveu e reforçou uma política acertada de estimular a educação para a igualdade gênero nas escolas, de reconhecer e de premiar as professoras que trabalham nessa linha porque as duas mulheres assassinadas na semana passada estavam em locais, teoricamente, resguardados da violência e seguros, considerados de absoluta segurança: uma foi na própria casa e a outra na universidade, no espaço de estudo”.
Ela argumenta que reforçar o sistema de segurança da cidade e criar novas leis ajuda, porém, “o fundamental mesmo é o papel da educação: a gente, professoras e professores, bem como pedagogas e pedagogos-educacionais, deve educar para a igualdade. Educar nossos meninos e nossas meninas para que não tenham práticas machistas, sexistas, e isso a gente consegue fazer na escola. Isso é semear, plantar a paz”, afirma.
Neliante Cunha, diretora de Mulheres, diz que “o que mais me machuca quando vejo casos como os das jovens mulheres Louise e Jane, estudantes universitárias repletas de sonhos interrompidos pelo fato de serem mulheres, e consequentemente, ceifadas por assassinos que as tinham como propriedade, é a absurda naturalização que a sociedade e, principalmente, os donos da mídia tratam esses crimes”.
Ela declara que sente a “mesma dor dessas e de outras mulheres quando noticiam a crueldade das mortes de forma romantizada, com termos como “perder a cabeça”, “matou por amor”, “estava cego de ciúme” ou, pior, culpabilizando as vítimas, assassinadas e sem chance de defesa, pelas próprias mortes. Isso é misoginia! É crime de ódio e deve ser tratado como tal”.
A diretora diz ainda que “assassinatos de mulheres por motivos de gênero devem ser tratados por mim, por você, pela imprensa e pelo poder público como feminicídio. É por isso que um de nossos gritos de guerra (sim, de guerra, porque muitas e muitas morrem todos os dias vítimas do feminicídio) é ‘mexeu com uma, mexeu com todas. Basta de violência!'”, finaliza.