Contextualização do panorama sócio-político-educacional dos servidores da Educação no Distrito Federal
Diante da necessidade de detalhamento e especificação da atividade pedagógica exigida pela SEEDF, urge contextualizar a situação que envolve a educação no Distrito Federal e o cenário em que as unidades educacionais estão inseridas. O panorama sócio-político-econômico e sanitário tem impactado diretamente a educação dos discentes e a execução do ensino e da aprendizagem.
Como é de conhecimento notório, no primeiro trimestre de 2020 a Pandemia do SARS-CoV-2 (Coronavírus Covid-19) assolou o país, apesar dos avisos e orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), entidades de saúde brasileiras e cientistas de todo o mundo. A doença foi negada e ignorada pelos órgãos federais, as medidas de contenção do vírus foram negligenciadas, como o isolamento social, uso de máscaras, testagem em massa, compra de vacinas, investimento em estrutura hospitalar e aquisição de insumos. O governo federal negou-se, reiteradamente, a comprar vacinas por inúmeras vezes. No DF, houve ações de controle no início da pandemia, porém paliativas e contraditórias.
Assim, a disseminação sem controle do vírus provocou a transposição das aulas presenciais para o teletrabalho via ensino remoto, e a entrega de “materiais” impressos pedagógicos nas escolas. Os educandos tiveram seu direito à vida e à educação negligenciados. O governo federal e o Governo do Distrito Federal, tampouco, providenciaram condições de viabilizar a educação dos discentes fornecendo internet, computadores, tablets ou recursos para o ensino remoto, nem forneceram equipamentos e insumos suficientes para se distribuir “materiais” ou livros. Ao contrário, houve corte de 19,8 bilhões de reais na educação no ano de 2020, a pasta da educação trocou várias vezes seus gestores, tanto nos níveis estadual como federal. A negligência governamental na saúde vitimou 194.949 pessoas pelo vírus ao final de 2020.
Pasmem. Dezesseis meses depois, díspares de todos os países civilizados convergentes de um padrão científico mínimo, que respeitam o bem maior que é a vida, o Brasil e o Distrito Federal foram reiteradamente assolados por hordas de pessoas irracionais pedindo a abertura de todas as atividades cotidianas, invadindo hospitais, intimidando gestores, médicos e cientistas, propagando uso de medicamentos ineficazes contra a doença, invocando o fechamento das instituições democráticas, reivindicando um golpe militar, contra as vacinas, produtoras/reprodutoras de notícias falsas, contra uso de máscaras e contra as ações preventivas em saúde. Todas essas atitudes e ações foram estimuladas a todo momento pelo presidente da República e políticos ligados a este, inviabilizando um retorno seguro às aulas e potencializando cada vez mais a ação do vírus e sua disseminação no País.
Tais circunstâncias agravaram-se com os sucessivos casos de corrupção envolvendo o Governo do Distrito Federal e o governo Federal. À exemplo, toda a cúpula da Secretaria da Saúde do DF foi presa e destituída da pasta pelo desvio de recursos na compra de testes de Covid-19 e verbas destinadas ao combate da Pandemia. No governo Federal não foi diferente. Enquanto milhares morriam todos os dias, representantes do Ministério da Saúde, militares, pastores e empresários sem qualquer vínculo com a área da saúde estavam desviando dinheiro público da compra das vacinas, atrasando a chegada dos imunizantes com a escolha de vacinas mais vantajosas para suas negociatas de corrupção.
Aliada à crise sanitária, houve uma crise econômica, consequência das ações desastrosas do governo Federal. Os preços dos combustíveis, gás de cozinha e alimentos em geral sofreram um grande aumento. Com o retorno da inflação, milhões de brasileiros foram jogados ao estado latente de pobreza e fome. Somado a isso, o descaso com o auxílio emergencial e a inconsistências de informações só aumentaram as desigualdades sociais.
Vários estudantes abandonaram as escolas para trabalhar, muitos de seus familiares pereceram da doença -: no DF foram mais de 9.400 mortos e muitos ainda se encontram com diversas sequelas da doença. A educação foi interrompida em níveis alarmantes de evasão e repetência, observados em 2020 e em 2021 não será diferente, principalmente no segmento da Educação de Jovens e Adultos – EJA noturno.
O resultado não poderia ser outro; numa nova onda da doença, morreram, no Brasil, até o presente texto, mais de 556.370 pessoas pela Covid-19. Muitos dos que escaparam têm graves sequelas da doença. Nunca na história de doenças epidemiológicas do país tantas vidas foram ceifadas por pura negligência em mitigar a doença. A taxa de natalidade foi superada pela de mortalidade em alguns dias, e a expectativa de vida no DF chegou a cair 4 anos, de 78 anos para 74 anos de 2020 a 2021, segundo a revista científica inglesa Nature Medicine.
A grande evasão ocorreu numa soma de fatores derivada de uma crise sanitária, econômica e política. Destaca-se que durante o primeiro semestre de 2021, professores/as, orientadores/as e gestores/as, utilizando-se de meios próprios e recursos pessoais, fizeram várias tentativas por meios diversos, principalmente por telefone, de contato com os estudantes, porém sem sucesso.
Alguns estudantes relataram que desistiram das atividades estudantis pela crise econômica e/ou a necessidade de trabalho, o que é razoável, tendo em vista que a maioria esmagadora dos estudantes atendidos nas instituições educacionais são oriundos de cidades periféricas, em localidades com maiores índices de pobreza e insegurança alimentar do Distrito Federal.
Da mesma forma, a maioria dos estudantes relataram não ter acesso à internet ou a aparelhos que permitissem o acesso à plataforma on-line. Outros manifestaram sequer terem dinheiro para o ônibus e ir à escola buscar “os materiais”. O aplicativo “Escola em Casa” e as várias promessas da Secretaria de Estado de Educação não se concretizaram a contento, como a internet gratuita ou outras propostas apresentadas, o que dificultou a continuidade do processo educativo. Também não houve a chegada de livros didáticos para todos. O uso de “motoboys” também era insuficiente.
A Secretaria de Estado de Educação e o Ministério da Educação não forneceram máscaras, livros, transporte, pacotes de dados ou aparelhos de informática/telemáticos que propiciassem o contato com os estudantes ou viabilizassem o acesso destes às aulas remotas. Muito pelo contrário, o atual Ministro da Educação impetrou uma ação judicial para vetar a Lei 14.180/21, que garantia a instalação de internet nas escolas e apoiou o corte bilionário na educação feito pelo presidente, de 3,9 bilhões. Foram os educadores, em protagonismo, que utilizaram a seu custo, internet, créditos de telefone, recursos de informática e aparelhos telemáticos próprios.
A escola como instituição local esforçou-se em recuperar a aprendizagem, resgatar os alunos e propiciar a manutenção do processo educacional. Órgãos auxiliares da Secretaria de Estado da Educação mantiveram-se em movimentos erráticos entre ameaças de um inseguro retorno presencial das aulas e posicionamentos contraditórios internos da pasta, causando desgaste e ansiedade nos educadores e estudantes.
Por muitas vezes, gestores e educadores eram surpreendidos por notícias relacionadas à educação pública por reportagens sensacionalistas da imprensa, sem qualquer aviso prévio dos órgãos intermediários. Em outros momentos, dava-se informações sobre procedimentos e estes mudavam, em poucos dias, com novas orientações contraditórias. Em alguns momentos, autoridades máximas davam declarações estapafúrdias, sem sequer consultar assessores da pasta.
No auge de mortes diárias por Covid-19 e ocupação máxima de leitos de UTI no DF e no país, o Ministro da Educação e o governador do DF ameaçavam aos educadores e estudantes a um retorno presencial das atividades sem testagem, vacinação ou medidas de combate ao vírus. Foram as ações do Sindicato do Professores do DF – Sinpro, educadores, gestores e as mobilizações de familiares que se impediu uma tragédia sanitária na comunidade escolar do DF se abrissem as escolas na alta de mortes da pandemia.
Nos meios de comunicação, os educadores foram taxados de vagabundos e que não trabalhavam. Por muitos momentos os servidores eram instigados a provar que estariam trabalhando, com a solicitação de relatórios de trabalho específicos, relatório de atividades mensais detalhados, capacitações, registro de chamadas, planilhas de ligações de estudantes, aulas remotas, postagens na plataforma, gravação de vídeos, relatórios à rede externa, lista de estudantes que buscavam os “materiais”, cursos, palestras, “lives”, reuniões, “webnários”, procedimentos, orientações, portarias, decretos, muitos até opostos e confusos. Falou-se muito em acolhimento, compreensão sem refletir a angústia mental e emocional de colegas. Alguns destes morreram e outros perderam entes queridos. E pouco se falou no acolhimento de quem acolhe, na preservação da saúde física e mental da categoria
O detalhamento das atividades executadas, dos estudos, capacitações e pesquisas realizados, bem como da motivação e resultados das ações, demandado com vistas a justificar as práticas educacionais das quais docentes e orientadores lançaram mão, denotam uma ação gerencialista que reduz o processo ensino-aprendizagem a resultados que sequer são possíveis de mensurar, haja vista a ausência de parâmetros para lançamento dos dados e de sistema para analisá-los, transformando-os em informações que amparam a ação em qualquer política pública ou projeto adequadamente equacionado.
Na Secretaria de Educação do DF, o educador não é percebido como ente, sujeito ativo do processo ensino-aprendizagem, mas sim como servidor que comprova seu trabalho, desconsiderando o custo humano de seu labor. Ressalta-se, ainda, que a comprovação da execução da atividade finalística pelo servidor não pode requerer em tempo e dedicação um número de horas proporcionalmente alto em relação àquele destinado ao próprio planejamento e execução da ação educacional, ainda mais sem suporte instrumental adequado.
Da mesma forma, não é razoável submeter os servidores a específicos e múltiplos relatórios detalhados de atividades sem lhes fornecer os recursos básicos para o desenvolvimento de seus labores. Ora, se não há livros ou papel em quantidade suficiente aos nossos estudantes, usar papel e tempo para a produção de tais relatórios peca pelo desvio da finalidade precípua da educação.
Foram os servidores que tiveram um autodidatismo na aprendizagem das novas tecnologias, que se lançaram a mediar a aprendizagem dos estudantes. Ao contrário dos ocupantes de cargos máximos do serviço público educacional sem qualquer vivência da realidade de “escola pública”, trabalharam em prol dos estudantes e das famílias respeitando as orientações científicas de saúde e informando a comunidade escolar sobre a gravidade da doença; combatendo assim as “fake news” sobre vacinas, os remédios ineficazes e as desinformações do Governo Federal e seus asseclas.
Por fim, voltamos a reafirmar que o negligenciamento da educação pública, a derrocada dos princípios norteadores das instituições educacionais públicas, os ataques à democracia, a ausência de políticas públicas voltadas à educação e as flagrantes infrações sanitárias intencionais do Governo Federal e do Governo do Distrito Federal contribuíram para os problemas de evasão, repetência e ensino-aprendizagem verificados. Nunca na história desse país um governo esteve tão empenhado a deixar seu povo a própria sorte e acabar com tantas vidas em vão.
Vincit omnia veritas.
Melquisedek A. Garcia (Professor da Rede e Diretor Sinpro)
Alex Cruz Brasil (Professor da Rede, Vice-diretor CEF 507 de Samambaia)