Processo seletivo simplificado para contrato temporário 2021 não dialoga com Currículo em Movimento

 

Professores(as) e organizações da sociedade civil que defendem a educação pública vêm contestando o conteúdo da prova aplicada no processo seletivo simplificado (PSS) para professores(as) em regime de contratação temporária 2021. Realizado no último dia 19, o certame gera questionamentos sobre o perfil-docente que a Secretaria de Educação do DF pretende ter em sala de aula.

Organizada pelo Instituto Quadrix, a prova com 100 questões de “certo” ou “errado” não priorizou a própria política educacional do DF, que visa à valorização do papel social e transformador da educação, e deixou de lado o contexto social, econômico e cultural do DF e do Brasil, marcado por uma pandemia que já matou mais de 618 mil pessoas. Mais que isso, a prova escolheu esvaziar conteúdos antes cobrados para reforçar políticas educacionais que confrontam a educação crítica e emancipatória.

“Essa prova não foi feita para o momento que estamos vivendo, para professores que vão ter que lidar com o déficit educacional de alunos que deixaram as escolas públicas porque não tinham condições de dar continuidade ao ensino mediado pela tecnologia. Foi uma prova que não trouxe questões do ‘chão da escola pública’, apenas empurrou legislações que estão atualmente vigentes”, avalia a dirigente de Políticas Sociais do Sinpro-DF Carolina Moniz, que é professora em regime de contratação temporária e participou do certame realizado no último dia 19 de dezembro.

Segundo ela, a prova pouco dialogou com o Currículo em Movimento – documento que dá norte para as modalidades de ensino –, desprestigiando a gestão democrática do Sistema de Ensino Público do DF.

“A única questão que caiu sobre gestão democrática foi para dizer que é possível fazer concurso para diretor, sem eleição direta. Acontece que, embora isso realmente esteja previsto no artigo 222 da Lei Orgânica, há a Lei nº 4751 de 2012, que é a Lei de Gestão Democrática. Nela, há a previsão de uma eleição direta e democrática”, afirma Carolina Moniz, e reivindica: “o Currículo em Movimento é nosso, e é ele que garante educação para a diversidade, cidadania e educação em e para os direitos humanos, educação para a sustentabilidade”.

Professora em regime de contratação temporária desde 2017, Ana Paula Moreira já passou por três processos seletivos para professor temporário, considerando esse último. Para ela, a prova aplicada foi “desconectada do que é a realidade do docente hoje na Secretaria de Educação”. “Foi uma prova conservadora, sem criatividade; os itens não traziam debates a respeito da educação hoje, não traziam questões do Currículo em Movimento”, avalia.

Ana Paula, que atua junto a estudantes do EJA (Educação de Jovens e Adultos) e do ensino fundamental I, ainda considera “perversa a lógica de trabalhar 40 horas e se preparar para um processo seletivo”. “Nesse ano, isso ficou ainda pior com a realização de uma prova antes do fim do ano letivo. A gente não teve uma semana para descansar e poder estudar com calma. Foi uma prova realizada em um momento em que estamos fechando nota, realizando conselho final. Teve gente que entrou na prova com diretor mandando mensagem”, desabafa.

Em solidariedade aos candidatos(as) do processo seletivo simplificado para professores(as) em regime de contratação temporária, o professor-doutor da rede pública de ensino do DF Erisevelton Lima se manifestou: “Não pensaram em selecionar candidatos que demonstrem preocupações ou capacidades para lidar com o resgate das aprendizagens dos nossos estudantes que precisaremos realizar pelos próximos anos”.

Professora Izânia Silva também se solidarizou com as pessoas que participaram do certame. Em comentário nas redes sociais do Sinpro-DF, ela conta que passou seis meses preparando candidatos com a perspectiva da “relação teoria e prática”, e vê a prova realizada no último dia 19 como “um grande desastre”.

“Desconexa da realidade. RIDE é uma piada para esta banca. O ensino mediado pelas tecnologias no DF aparece em questões sem pé nem cabeça. Quanto aos documentos oficiais, tenho a impressão que não se deram ao trabalho de ler de forma mais aprofundada. Foram fazendo recortes. É uma vergonha cobrar uma Resolução que foi retificada em edital. Eu fico a pensar no compromisso ético desta banca. E aguardo ansiosa o pronunciamento da SEEDF sobre o assunto. Uma tristeza ver isso acontecer. Desvaloriza totalmente o processo”, afirma de forma contundente.

Também professor da rede pública de ensino do DF, o presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues, compartilha do sentimento de inconformação diante do formato escolhido para selecionar professores que atuarão por período determinado nas salas de aula de todo o DF. Entretanto, para ele, a formatação é proposital, com objetivo certo.

“É importante refletir sobre a política que o governo federal e o governo do DF vêm tentando implementar nas escolas. Aqui, em acordo com o que dita a linha de Bolsonaro, a intenção é de militarizar escolas, de romper com o pensamento crítico, com o diálogo, com a educação que liberta por meio da consciência. Portanto, diante desse contexto, não é interessante – e chega a ser estratégico – para o GDF colocar dentro das nossas salas de aula professores e professoras que têm a Educação como processo de troca”, afirma Rodrigo Rodrigues.

Números não mentem
O formato totalmente controverso no certame que seleciona professores(as) para atuar de forma temporária na rede pública de ensino se torna ainda mais grave diante do cenário apresentado atualmente nas escolas públicas do DF.

Dados desse ano da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) mostram que a rede pública de ensino tem 24.713 professores(as) efetivos(as) e 10.791 professores(as) em regime de contratação temporária. Ou seja, do total de 35.504 professores(as) em sala de aula, mais de 30% recebe salário menor, tem direitos fragilizados, não tem progressão salarial, não tem direito a afastamento remunerado para estudo, à licença prêmio, à licença servidor, e sequer tem direito de solicitar dispensa para acompanhar filho adoentado.

“Com a luta do Sinpro-DF, garantimos vários direitos para professores e professoras em regime de contratação temporária, a começar pela garantia do emprego em plena pandemia, quando o resto do país demitia professores nesse tipo de regime trabalhista. Além disso, aqui no DF, temos direito a 13º salário, indenização de férias, 1/3 de abono de férias, garantia de vínculo e remuneração integral durante toda a Licença Maternidade e várias outras conquistas. Mas a verdade é que o GDF tenciona para precarizar cada vez mais a mão de obra docente, o que gera sim um prejuízo para nós, professores; mas gera um dano irremediável para a sociedade, que fica carente de uma educação pública sólida e com um projeto pedagógico continuado”, afirma a diretora do Sinpro-DF Carolina Moniz.

Segundo o calendário apresentado pelo Instituto Quadrix, a publicação do resultado definitivo da prova objetiva do processo seletivo simplificado para professores(as) em regime de contratação temporária 2021 será publicado no dia 10 de janeiro.