Congresso promulga PEC 55 e congela investimentos no setor público por 20 anos

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que congela por 20 anos investimentos de recursos financeiros públicos nos serviços públicos foi promulgada na manhã desta quinta-feira (15). Senadores e deputados federais realizaram sessão solene para promulgar a lei que vai levar o Brasil de volta ao Mapa da Fome.
Isso vai acontecer porque a partir de 2017 os investimentos de dinheiro público nas despesas primárias – saúde, educação, previdência, assistência, segurança, entre outros – do país serão feitos somente de acordo com a inflação do ano anterior. O congelamento ameaça o conjunto de políticas públicas que permitiu a ascensão social de milhões de brasileiros nos últimos anos e destinará o dinheiro resultante dessa “economia” às despesas não primárias, ou seja, esse dinheiro será destinado às despesas financeiras.
O congelamento não vai começar em 2017, como prevê a proposta original , mas somente em 2018. Essa lei é tão nefasta para o país que até a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou nota de repúdio contra ela. O Sinpro-DF fez um breve levantamento, na internet, sobre os prejuízos que esta lei trará para o Brasil. Confira a seguir esses impactos por área.
Estudo do economista brasileiro Felipe Rezende, professor da faculdade Hobart and Willian Smith Colleges, dos Estados Unidos, com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e em estatísticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE), demonstra que a economia do Brasil, que nesses últimos 13 anos se aproximou da dos países ricos, com a PEC 55, vai se afastar e igualar à de alguns dos mais miseráveis do mundo, como o Congo, a República Centro Africana e Madagascar.
Segundo esse estudo, isso significa que serviços públicos oferecidos pelo governo, como saúde, educação, previdência, segurança, assistência entre outros tenderão a ser similares, em qualidade e alcance da população, aos dessas nações mais atrasadas do planeta e, ao mesmo tempo, o descolará da trajetória histórica de investimentos sociais vistos em lugares desenvolvidos como Estados Unidos, Europa e Japão.
PEC DOS BANQUEIROS: a PEC do Fim do Mundo
Também apelidada de PEC dos Banqueiros, essa proposta modifica a Constituição e desvia o dinheiro das despesas primárias para as despesas não primárias do Estado. O governo federal e a mídia fazem uma propaganda tendenciosa jogando com a opinião das pessoas sobre ser ou não favoráveis ao controle dos gastos públicos.
É por isso que muita gente foi levada a apoiar a PEC 55 acreditando que ela vai controlar gastos públicos.  A coordenadora Nacional da Auditoria Cidadão da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, esclarece que, no Brasil, há dois grupos de despesas: as primárias e as não primárias.
As primárias, que a PEC submete a um congelamento por 20 anos, correspondem a todas as despesas com a manutenção do Estado, os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público e todos os serviços públicos prestados à população, sobretudo, saúde, educação, previdência, assistência, segurança, entre outros direitos sociais, fundamentais e essenciais.
O outro grupo de despesas é o das não primárias. São despesas financeiras que a PEC não toca e a propaganda da imprensa também omite. O texto da PEC 55 não estabelece teto nem limites para os gastos financeiros, os quais, sem a PEC, já consomem, hoje, quase metade do Orçamento federal todo ano. São gastos desenfreados que necessitam ser disciplinados, monitorados, auditados e fiscalizados pela sociedade porque fazem parte da denominada “gastança financeira”.
Ao contrário disso, o texto da PEC 55, promulgada nesta quinta-feira (15), institui e legaliza o aumento dessa gastança financeira. Todo o dinheiro economizado nas despesas primárias será destinado ao setor financeiro para pagar juros e sustentar um esquema financeiro fraudulento que utiliza as novas empresas estatais não dependentes, que estão sendo criadas por todo o país. Essas empresas são um novo recurso para se apropriar do dinheiro público.
EDUCAÇÃO PÚBLICA – O fim do PNE
Na educação, a PEC causará um estrago sem precedentes. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação diz que essa lei estabelece um novo regime fiscal determinando que nenhum investimento nas áreas sociais pode ser superior ao reajuste inflacionário.
Isso significa que nenhum centavo novo vai chegar para construir escolas, pré-escolas, creches, melhorar as universidades públicas, a educação básica, o salário dos professores. Em resumo, a PEC 241/2016 praticamente inviabiliza as metas e estratégias do Plano Nacional de Educação 2014 – 2024 (Lei 13.005/2014).
Renato Janini Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma, afirma que a proposta vai inviabilizar o cumprimento da meta de universalizar o atendimento das crianças e adolescentes em idade escolar até 2020, como prevê o Plano Nacional de Educação (PNE). Atualmente, três milhões de estudantes entre  4 e 17 anos estão fora da escola, segundo o Censo Escolar, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) no fim de março de 2016.
Com a PEC 55, esse número vai aumentar. Além do problema quantitativo, ela compromete o desafio de melhorar a qualidade da educação pública, o que afeta a melhor formação dos professores, investimentos em material didático alinhado com as novas diretrizes curriculares e também na valorização da carreira docente.
O ex-ministro afirma que esta lei é perigosa porque há necessidade de aumentar investimentos em educação ano após ano, principalmente, para garantir o atendimento de 100% das crianças e adolescentes durante todo o período de educação obrigatória, com 14 anos de duração. Entre 15% e 20% das crianças com 4 e 5 anos de idade precisam ser integradas à pré-escola. Outro tanto deve ter acesso ao ensino médio. Para universalizar o atendimento, é preciso construir escolas, contratar professores.
Há também o desafio de melhorar a qualidade da educação pública, o que implica em melhor formação dos professores, investimentos em material didático alinhado com as novas diretrizes curriculares e também na valorização da carreira docente. Um professor com diploma de graduação ganha cerca de 72% do salário médio das demais profissões de nível superior.
O PNE estabeleceu como meta, até 2020, nivelar essa remuneração. Ou seja, conceder aumentos reais, acima da inflação, para os professores terem um salário compatível com o das demais profissões com mesmo nível de formação, de forma a tornar a carreira docente atrativa. Com a PEC, esse valor tende a cair porque os salários do funcionalismo estarão congelados.
Com a manutenção dos gastos no atual nível, como propõe a PEC 241, não será possível nem sequer incluir todos os brasileiros com 4 a 17 anos na escola, muito menos com professores competentes e bem formados. O investimento seria insuficiente. E repare: nem estou falando do Plano de Educação como um todo. Refiro-me apenas a dois pontos.
SAÚDE PÚBLICA – O fim do SUS e a morte a milhares de brasileiros
Subfinanciado desde a sua criação, o Sistema Único de Saúde (SUS), que tinha a sua sustentabilidade ameaçada pelas transformações que o país tem passado, como o acelerado envelhecimento da população, acompanhado do aumento da prevalência de doenças crônicas, a demandar tratamentos prolongados e dispendiosos, vai piorar com a lei que virá da PEC 55.
O congelamento dos gastos em saúde por 20 anos vai agravar o problema, com a perspectiva de perda real de recursos. O médico e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirma que, além disso, estabelece que a base de cálculo do piso da saúde em 2017 será de 15% da receita líquida, e não de 13,7%, como previsto inicialmente.
Mesmo com o alívio no primeiro ano (2017), é prevista uma perda acumulada de centenas de bilhões de reais ao longo dos 20 anos de vigência. “Essa decisão do Congresso é uma condenação de morte para milhares de brasileiros que terão a saúde impactada por essa medida irresponsável”, diz Temporão, em entrevista a CartaCapital.
“Estamos falando de fechamento de leitos hospitalares, de encerramento de serviços de saúde, de demissões de profissionais, de redução do acesso, de aumento da demora no atendimento.” Para o ex-ministro, o país renuncia ao seu futuro ao sacrificar a saúde e a educação no ajuste fiscal.
“Se existe um problema macroeconômico a ser enfrentado, do ponto de vista dos gastos públicos, há outros caminhos. Mas este governo não parece disposto a enfrentar a questão da reforma tributária”, afirma. “Temos uma estrutura tributária regressiva no Brasil, que penaliza os trabalhadores assalariados e a classe média, enquanto os ricos permanecem com os seus privilégios intocados”. Ele afirma que todos os especialistas em saúde pública que militam pela reforma sanitária há décadas estão estarrecidos com essa proposta.
“Ela denota a ignorância do governo sobre a dinâmica do setor de saúde. Bastaria fazer uma consulta ao portal Saúde Amanhã, da Fiocruz, que abriga uma série de estudos prospectivos dos impactos das transformações econômicas, políticas e sociais no campo da saúde para as próximas décadas, para que a PEC 241 fosse repensada. Estamos vivendo um período de aceleradas transformações no Brasil do ponto de vista demográfico, epidemiológico, tecnológico e organizacional. Essas mudanças vão pressionar substancialmente o Sistema Único de Saúde, ameaçando, inclusive, a sua sustentabilidade econômica”, finaliza.
ASSISTÊNCIA SOCIAL – de volta ao Mapa da Fome
A ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, disse recentemente à imprensa que, com a PEC 241, o Brasil vai chegar em 2036, na melhor das hipóteses, com recursos que tinha no início dos anos 1990, quando os governos neoliberais começaram sua trajetória de submeter o país às regras do sistema financeiro.
Economista por formação e uma das idealizadoras do programa Bolsa Família, Campello explica que, como se trata de um setor menos consolidado no Brasil do que o da saúde e da educação, por exemplo, a assistência social estará mais vulnerável às investidas do aperto no Orçamento.
“A chance de o Brasil voltar ao Mapa da Fome é enorme”, afirma a ex-ministra. “Tem uma frase muito forte que diz que problema social não é erradicado. Você não erradica a fome, ela pode voltar a qualquer momento, basta descuidar dessa situação”. Ela alerta para o fato de que essa lei irá enterrar o que a Constituição estabeleceu como perspectiva para a política social no Brasil.
“No caso da assistência social, é um retrocesso muito grande, considerando o quanto pudemos avançar nesse período”.  De todas as políticas previstas na Constituição, eu diria que a assistência social é a mais vulnerável ao sucateamento. Apesar de ser uma área de atuação muito antiga no País, é recente a concepção de que se trata de um direito universal, de que o Estado é obrigado a ofertar esse tipo de política a todo cidadão.
Quem de fato fica vulnerável é a população mais pobre, as crianças em situação de violência, as mulheres, a população de rua. Com o congelamento dos recursos, todas as áreas serão impactadas, mas áreas mais consolidadas como política pública, a exemplo da saúde e da educação, têm mais condição de resistir.
De acordo com os estudos feitos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no fim de 2036, os gastos na área social encolheriam para 0,7% do PIB. Em 2015, eles representaram 1,26%. O economista brasileiro Felipe Rezende, professor da faculdade Hobart and Willian Smith Colleges, dos Estados Unidos, diz partiu de cálculos do Bradesco sobre os efeitos da PEC 241 nos gastos federais.
De acordo com o Bradesco, as despesas totais (não só sociais), em 2016, equivalem a 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Com a regra da limitação – corrigir as verbas de um ano para o outro só pela inflação passada –, cairão para 14%, em 2026, ano em que o congelamento poderá sofrer uma revisão, conforme a proposta de Temer.
Com esses 14% à mão, Rezende foi às estatísticas do FMI, uma base de dados sobre 191 países. Segundo o economista, somente onze nações possuem gastos do governo iguais ou inferiores a 16% do PIB, uma linha de corte que ele classificou de “conservadora”, ou seja, com alguma margem em relação aos 14% projetados para o Brasil daqui dez anos.
Os onze países são: Bangladesh, República Centro Africana, República Democrática do Congo, Guatemala, Irã, Macao, Madagascar, Nigéria, Singapura, Sudão e Turcomenistão. Três deles (Congo, Madasgar e República Centro Africana) estão entre os 15 mais pobres do mundo, diz um levantamento de 2015 feito por uma revista (Global Finance Magazine) especializada em finanças.
O professor também foi aos números da OCDE observar a situação por lá. Constatou que, entre os 34 países-membros, as despesas sociais sozinhas (não as despesas totais do governo) abocanhavam uma média de cerca de 22% do PIB em 2014. A média de 14% do PIB em gasto social, patamar ao qual descerão todas as despesas brasileiras, inclusive mas não só as sociais, foi atingida na OCDE em 1975.
Nos Estados Unidos, a média de 14% do PIB em verba social também foi atingida por volta de 1975. Em 2014, estava perto de 19%. Na União Europeia, havia uns 14% em 1971 e, em 2014, 25%. O Japão chegou à casa dos 15% em 1997 e, em 2011, estava em 22%.
Com o congelamento, afirma Rezende, tem que ficar claro para a sociedade: “O Brasil não só vai na contramão do mundo de países que passaram por um processo de desenvolvimento, não só sai desse clube de crescimento, com equidade social, com redução de desigualdade de renda e de riqueza, como também entra para um grupo de países em que não há garantia nenhuma de que todos os pressupostos garantidos na Constituição brasileira de 1988 serão atendidos”.
CONFIRA ABAIXO OS PRINCIPAIS PONTOS DA PEC DO FIM DO MUNDO:
1 – As despesas da União (Executivo, Legislativo e Judiciário e seus órgãos) só poderão crescer conforme a inflação do ano anterior;
2 – A inflação para 2017, que servirá de base para os gastos, será de 7,2%;
3 – Nos demais anos de vigência da medida, o teto corresponderá ao limite do ano anterior corrigido pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA);
4 – Se um poder desrespeitar o limite, sofrerá sanções no ano seguinte, como a proibição de realizar concursos ou conceder reajustes;
5 – Se um poder extrapolar o teto, outro poder deverá compensar;
6 – Os gastos com saúde e educação só serão enquadrados no teto de gastos a partir de 2018;
7 – Com relação aos gastos mínimos em saúde, o texto prevê que passem em 2017 dos atuais 13,7% para 15% da receita corrente líquida (somatório dos impostos descontadas as transferências previstas na Constituição). E que, a partir de 2018, esses investimentos se enquadrem no teto de gastos, sendo corrigidos pela inflação.
8 – Ficam de fora das novas regras as transferências constitucionais a estados e municípios, além do Distrito Federal, os créditos extraordinários, as complementações do Fundeb, gastos da Justiça Eleitoral com eleições, e as despesas de capitalização de estatais não dependentes;
9 – A partir do décimo ano de vigência do limite de gastos, o presidente da República poderá um projeto de lei ao Congresso para mudar a base de cálculo.
Com informações da imprensa e estudos da Auditoria Cidadã da Dívida e Anfip