Como se fala macaxeira em inglês?

Aulas de idiomas são importantes. Com elas, começamos acessar à cultura de uma língua específica. A respeito disso, uma reflexão interessante nos é compartilhada pelo escritor e filósofo romeno, Emil Cioran, dizendo que nós habitamos um idioma, não uma nação. Eu concordo com ele e acrescentaria que ganhamos um tiquinho a mais de independência para navegar nesta vida. Para usar a linguagem do mercado: nós cortamos o intermediário, vamos precisando cada vez menos do trabalho do tradutor, que, em hipótese alguma, deve ficar desempregado.

Se a gente não tomar cuidado, adotamos termos em inglês sem perceber, quase que por osmose mesmo, com uma pitadinha de complexo de vira-lata. O trabalho vira o job. O jogo vira game e por aí vai. A parte triste que se perde muitas vezes é que sempre tem um termo abrasileirado que é bem melhor: em vez de brainstorming, temos tororó de ideias. Em vez de crush, paquera, se bem que tem gente que acha que estaríamos entregando nossa idade ao assumir tal termo. Enfim. Assim sendo, se voltarmos nossa atenção para os termos que falamos ao tratar sobre inovação, o que vem à mente? Steve Jobs? Elon Musk? Scrum? Design Thinking?

Programação neurolinguística? Python? LGPD? Big Techs? Certo, e o que nos dizem as sutilezas desses ambientes que não deixam de gritar a plenos pulmões os pressupostos de suas lógicas para quem tem ouvidos abertos? Neste feriado da Semana Santa, tivemos, em Brasília, um desses grandes eventos sobre tecnologia e informação, onde os jovens se reuniram para fazer um monte de coisas importantes. Acho que uma das mais legais é eles participando de um karaokê de dança no qual eles precisam imitar passos de danças mostrados por uma tela enquanto uma câmera capta o movimento dos envolvidos. Admiro a coragem dos jovens.

O que eu não fiquei admirado, apesar do susto, foi a cobrança de 35 reais para estacionar num estacionamento que foi construído com dinheiro público e que fica num estádio que também foi construído com dinheiro público. Qual foi a contrapartida que a sociedade brasiliense ganhou com esse negócio? A contradição foi maior quando eu vi um outdoor moderno que dizia que um gari brasiliense tinha ganhado algum campeonato importante de karatê. Os valores são muito contraditórios. E se você que me lê é a favor de privatização, por gentileza, não use mais o exemplo das teles. Este de longe é o pior exemplo, pois temos um serviço caro que não funciona. Existem lugares na área central de Brasília em que simplesmente você não tem sinal. Mas o celular tem 5G.

Pedágios são instituições que estão por aqui há uns 2.700 anos mais ou menos. Existem relatos de estradas com pedágios, na Babilônia, à época de Ashurbanipal. No Brasil eu gosto do exemplo da ponte que te leva para o Recife velho e foi construída na época holandesa do Nassau. Pelo menos há 400 anos se cobra pedágio no Brasil. Essa é a “inovação” que o setor privado oferece pra Brasília. Como se vacinar contra esse vírus da sanha privatista? (o fantasma de alguém falando bem da privatização das teles sempre me ronda). Tem que haver uma mudança radical na mentalidade.

Teremos mais propensão a construir uma riqueza na nossa cidade se tirarmos as cercas e os entraves ao conhecimento. Principalmente se a gente levar a sério uma das maiores tarefas do esforço de construir um espaço público melhor: combater a desigualdade de renda.

Eu não quero viver no mundo onde tudo parece um grande shopping, onde tudo é caro e sem sabor. Eu quero uma vida Saborosa, como diz Francia Márquez, a vice presidenta da Colômbia, e de aspecto coletivo. Com molho da arte popular e pimenta pernambucana.

Agora sobre o título. Se você tiver o privilégio de sair do Brasil e for a algum restaurante e pedir por maniok ou cassava, vão te servir um prato com mandioca, mas nunca será um prato de macaxeira. Não precisamos de maniok para nos nutrir. Precisamos é de macaxeira!

 

Pedro Artur Cruz de Melo, professor da rede pública de ensino do Distrito Federal.