Com orçamento de 2002, MEC aloja gabinete paralelo e vários crimes contra a educação pública

Depois de uma semana de denúncias da imprensa sobre a existência de um gabinete paralelo funcionando no Ministério da Educação (MEC) e praticando vários crimes contra o Estado, nada foi feito para a demissão do ministro Milton Ribeiro. A denúncia do jornal O Estado de S. Paulo, revelada na sexta-feira (18), repercute desde então e dá conta de que, “sem vínculos com o setor de ensino e sem cargo público, um grupo de pastores passou a comandar a agenda do ministro Milton Ribeiro, formando uma espécie de “gabinete paralelo” que interfere na liberação de recursos financeiros para estados e municípios e influencia, diretamente, as ações da Pasta”.

 

O grupo, segundo a apuração do Estadão, é capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade. “Eles conquistaram acesso ao Executivo federal ainda em 2019, antes mesmo da chegada de Ribeiro ao Ministério, são próximos da família Bolsonaro e têm trânsito livre no governo. Os pastores agem como lobistas, atuando para liberar e ou acelerar o empenho de recursos a determinados municípios”, assegura.

 

O Estadão informou que identificou a presença de Gilmar dos Santos e Arilton Moura em 22 agendas oficiais no MEC nos últimos 15 meses, sendo 19 delas com a presença do ministro. Algumas são descritas como reunião de “alinhamento político” na agenda oficial de Ribeiro, que também é pastor. Em 2019, eles foram recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro ao menos duas vezes. Em 2020, mais uma audiência na Presidência da República. O vice-presidente Hamilton Mourão também os recepcionou.

 

A Folha de S. Paulo também complementou a denúncia ao publicar, na segunda-feira (21), o áudio de uma conversa em que Milton Ribeiro afirma priorizar, a pedido do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), Prefeituras e Governos cujos pedidos de liberação de verba tenham sido negociados por dois pastores.

 

Em nota publicada no site, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) afirma que o esquema revela a absoluta ausência de qualquer preocupação republicana com os recursos públicos e indica não somente uma falha pessoal. “Nesse caso, em que pastores evangélicos se apropriam do orçamento público para beneficiar grupos políticos aliados, é revelado ofensas aos princípios constitucionais da Administração Pública: fere a publicidade e a impessoalidade de forma acintosa, favorecendo os amigos do ministro e do próprio Presidente da República. Retoma, assim, a velha prática da política de pires na mão que marca nossa história republicana: aos amigos do rei, tudo o que for possível; à política de educação do país, a austeridade da falta de recursos”.

 

MEC vive retrocesso e tem o menor orçamento em 20 anos

Na avaliação de Berenice Darc, diretora do Sinpro-DF e da CNTE, a denúncia é gravíssima, precisa de ser apurada e todos os envolvidos punidos. “Principalmente porque, no Brasil do governo Bolsonaro, o MEC tem o menor orçamento já registrado em 20 anos. Com apenas R$ 736,3 milhões para a Educação Básica, ainda tem de dividir esse recurso com o crime de clientelismo. Esse é o pior orçamento do MEC desde 2002. É, exatamente, o mesmo orçamento de 2002, do governo FHC”, denuncia.

 

A diretoria colegiada do Sinpro-DF afirma que, com esse orçamento, a educação pública vive 20 anos de retrocesso em recursos financeiros. “Com esse gabinete paralelo, a Emenda Constitucional 95/2016 está sendo aplicada duplamente e o governo Bolsonaro faz um retrospecto a 2002, um ano em que a educação atendia muito menos estudantes, com programas muito mais restritos do que o que se tem hoje.

 

A diretora Berenice, por sua vez, alerta para o fato de que esse orçamento, imposto pela Emenda Constitucional nº 95/2016 e usurpado pelo clientelismo do gabinete paralelo, tem impacto em tudo, inclusive nas estruturas das escolas, nos projetos didático-pedagógicos, nos livros didáticos, na formação de professores, na própria construção de novas escolas pelo Brasil, na merenda escolar. Ou seja, ter um orçamento financeiro de 2002 no ano de 2022 é restringir o acesso e a permanência na escola.

 

“É uma pena que a gente tenha um retrocesso tremendo depois de tantas conquistas, principalmente após a conquista do Fundeb Permanente, no ano passado. É importante observar o tanto que o atual governo Bolsonaro/Paulo Guedes tem retirado da Educação desde que entrou no Palácio do Planalto. Depois de várias trocas de ministros, este atual abre as portas do órgão público para um gabinete paralelo de pastores evangélicos. Com a estrutura que o MEC tem hoje e a demanda que tem a educação, Ribeiro ainda abre um espaço clandestino e ilegal para outras entidades privadas. É um absurdo”.

 

Municípios pequenos com muito e cobrança de propina em ouro

Um município de 17 mil habitantes no Estado de Alagoas recebeu em recursos financeiros um orçamento maior do que o Distrito Federal, com mais de 4 milhões de habitantes. Ainda segundo o Estadão, um dos pastores que controlam o gabinete paralelo pediu, ao prefeito do município de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), pagamentos em dinheiro e até em ouro em troca de conseguir a liberação de recursos para construção de escolas e creches. “Segundo o prefeito, o pastor Arilton Moura solicitou R$ 15 mil antecipados para protocolar demandas da prefeitura e mais um quilo de ouro após a liberação dos recursos”, denunciou.

 

“Com todo o meu respeito e carinho pela fé, pelas igrejas e pela religião, a escola e o Estado são laicos. O Brasil é um Estado nacional que tem em sua Constituição, com aprovação democrática e com participação ativa da população, a perspectiva do Estado laico. Misturar a educação pública com qualquer tipo de religião é inconstitucional e pecado capital. O gabinete paralelo no MEC é a privatização dos espaços públicos do Estado nacional”, finaliza Berenice.

 

Usurpação de função e violação da moralidade administrativa

O advogado Marcos Rogério, assessor da Câmara dos Deputados, afirma que a existência de um gabinete do ódio, “gabinete paralelo”, no MEC, revela que o ministro Milton Ribeiro e o governo Jair Bolsonaro como um todo não são sérios. Ele lembra que o Brasil já havia assistido a atuação do gabinete do ódio na Presidência da República e no Ministério da Saúde. A CPI da Pandemia da Covid-19 investiga este gabinete, reconhece a sua existência e, no fim, em seu relatório, indicia diversos integrantes do gabinete pela disseminação de fake news, que foi enquadrada pela CPI como incitação ao crime.

 

“O fato é que o ministro Milton Ribeiro não pode abrigar no seu gabinete pessoas estranhas ao MEC. Essas pessoas que estão atuando lá sem nomeação praticam um crime conhecido do Código Penal chamado usurpação de função e, mais do que isso, o ministro pratica o crime da improbidade administrativa, exatamente porque atua ao arrepio da lei e com interesses que não são ligados à moralidade administrativa”, afirma o advogado.

 

Segundo avaliação de Marcos Rogério, com o gabinete paralelo, Milton Ribeiro também comete o crime de violação da moralidade administrativa e quem está ocupando função no gabinete paralelo pratica a usurpação de função. E quem está abrigando pode ser responsabilizado civilmente pelo crime de improbidade.

 

“O fundamental é perceber que a política educacional brasileira deve ser construída como uma política de Estado e não de governo. Ela tem de refletir os interesses da sociedade e não patrocinar interesses de grupo religioso A ou empresarial B, então é fundamental que a sociedade reaja e, sobretudo, que o Ministério Público adote as providências necessárias que acabe com esse gabinete paralelo que atua no MEC”, finaliza