CNTE cobra revogação de decreto que permite militarização das escolas e ataque à educação pública

A militarização das escolas públicas que se acentuou a partir da década de 1990, recebeu um fundamental incentivo em fevereiro de 2019, quando o presidente derrotado nas últimas eleições, Jair Bolsonaro (PL)  lançou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). Em defesa da escola pública, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e demais entidades do Fórum Nacional Popular da Educação (FNPE) cobram do governo a revogação do programa.

O objetivo do projeto bolsonarista era implementar 216 escolas de educação básica no modelo cívico-militar. O número não foi atingido, mas o país já possui 128 escolas com essa estrutura, considerada de alto custo, elitista e em desrespeito à Constituição Federal e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que define e organiza todo o sistema educacional brasileiro.

“Quando se militariza uma escola, ela começa a funcionar a partir dos valores da área de segurança que a gerência. O regime próprio que as norteia garante autonomia para que exista desde a exigência de bater continência até a definição de quais conteúdos podem ser trabalhados. Quando se limita o aprendizado ao desejo de um grupo específico, se fere princípios constitucionais e da LDB, além do direito do sujeito da educação, que é o estudante, que tem direito de vivenciar as suas características, a sua cultura e a sua diversidade”, explica a professora da Universidade de Brasília e Doutora em educação, Catarina de Almeida Santos. 

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Na próxima quarta-feira (12), o ministro da Educação, Camilo Santana, vai participar da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para falar sobre o plano de atuação e as prioridades da pasta. A continuidade das escolas cívico-militares, criadas no governo passado, também serão temas do debate. 

 Pela revogação do decreto e escolas democráticas

Enquanto a Constituição aponta que a educação tem como finalidade formar plenamente cada sujeito a partir das suas características, identidades e realidades para viver em uma sociedade diversa, os colégios cívico-militares funcionam a partir de um regime próprio e de regras que atendam a interesses do grupo responsável por dirigir a unidade. Nesse caso, os militares, que recebem autonomia para definir a estrutura pedagógica.

Já as escolas públicas precisam seguir princípios de igualdade, permanência, de liberdade de ensinar e aprender, de pluralismo e concepções pedagógicas e a valorização dos profissionais da educação que, segundo a LDB, devem participar da construção do projeto político e pedagógico da escola.

Com regras próprias de funcionamento, os colégios cívico-militares, portanto, representam uma quebra de compromisso com um modelo de educação pensado para o país, conforme explica a professora Catarina.

 Entre os problemas estruturais identificados nesse formato de colégio, está o custo por aluno. Enquanto a rede pública investe R$ 6 mil, o Exército gastou R$ 19 mil ao ano por estudante.

O recurso aproximado para ter um colégio militar em cada capital do país, como desejava o governo de Jair Bolsonaro (PL), seria de R$ 300 milhões. O montante é referente apenas à gestão e administração, sem considerar a construção, é superior aos R$ 200 milhões aplicados pelo ex-presidente na formação de todos os professores do país em 2022.

Não bastasse isso, os colégios cívico-militares, mesmo financiados por recursos públicos, são excludentes: a maior patê dos estudantes são filhos de militares e os demais precisam prestar provas para ingressar em espaços nos quais a concorrência chega a 270 alunos por vaga.

A revogação do PECIM, ressalta a Secretária de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Guelda Cristina de Oliveira Andrade, é um tema prioritário para entidade, que promoverá uma live no dia 28 de abril para debater a questão. Em nota de 2019, a CNTE já apontava que a escola sob tutela militar violava ao menos cinco princípios constitucionais.

“O que vemos é um perfil excludente que impede vivenciar a liberdade de expressão, no qual os profissionais da educação não podem fazer diálogo franco e aberto a respeito do que acontece na sociedade”, explica.

Escolas públicas em risco

Na avaliação de Catarina, o PECIM deveria ter sido revogado no 1º dia de governo, no ato revogatório dos decretos, porque não contribui para o processo formativo e se torna referência para estados e municípios que defendem a militarização e a terceirização do ensino.

Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 56/23, de autoria dos deputados Rogério Correia (PT-MG) e Fernando Mineiro (PT-RN), que revoga o decreto, está em tramitação na Câmara dos Deputados. Ao contrário disso, a manutenção do programa, segundo a professora, é um risco para a própria educação pública.

“Essa proteção do programa só favorece a expansão da militarização. Vemos cada vez mais a aprovação de leis ou baixando decretos para militarização das escolas, muitas vezes, com base no próprio PECIM. Além de revogar, o governo precisa construir uma agenda de desmilitarização das escolas brasileiras”, afirma a professora.

Ela ressalta que “o que está em risco com o PCIM é a própria escola pública, porque a militarização são os governos rifando as instituições escolares para colocá-las nas mãos de determinadas categorias profissionais, que atuam a partir de crenças e interesses das forças de segurança e não mais a partir da lógica da escola pública que precisa seguir princípios constitucionais construídos coletivamente com participação social”,  explica.

Combate ao extremismo

Catarina ressalta ainda, que o combate ao extremismo, responsável por promover o crescimento dos ataques às escolas, demanda que um modelo o mais distante possível do autoritarismo presente nos colégios cívico-militares.

“O não desenvolvimento da função da escola irá atingir toda a sociedade. Vivenciamos esse processo no Brasil, não só no ataque às escolas, mas por meio do extremismo espalhado para todos os lados. A escola que irá reverter esse cenário será aquela pautada no diálogo que debate os temas candentes da nossa sociedade que estão alimentando o extremismo. Na escola militarizada você não debaterá o racismo, o machismo, as questões de orientação sexual, de gênero. A lógica hierárquica da escola militarizada não possibilita que as questões da sociedade, da vida do estudante não possam ser debatidas lá. Porque no quartel não se faz isso e a lógica que passa a ser implementada é a lógica do quartel”, critica.

Resistência 

A lógica da truculência atinge também os setores democráticos que se opõem ao projeto nos estados. No Mato Grosso, a proposta de militarização gerou protestos e em Goiás, a aplicação do modelo tem gerado denúncias de sofrimento e medo a partir da gestão implementada.

Em São Paulo, uma ação do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) resultou na suspensão imediata da instalação de escolas cívico-militares na rede estadual de ensino e estabeleceu uma importante referência de combate a esse modelo.