Chile aprova paridade de gênero na composição da Assembleia Constituinte

O Senado do Chile aprovou, na terça-feira (20/1), um projeto de lei que busca assegurar coligações partidárias, participação de independentes e, uma novidade, a paridade de gênero no processo constituinte que irá elaborar a nova Constituição do país. Se isso acontecer, o Chile será o primeiro Estado no mundo a superar a desigualdade de gênero na política e elaborar uma Constituição com a participação paritária de mulheres e olhar feminino para as políticas públicas.

O Senado ainda votará cada artigo em particular do projeto e, em caso de haver modificações, o projeto de lei voltará a ser analisado na Câmara dos Deputados. Todavia, se nessa votação individual dos artigos a paridade de gênero continuar, o país terá dado um salto de qualidade na construção sem precedentes no mundo em sua Lei Maior, o que refletirá na qualidade das políticas e prioridades do Estado em virtude do olhar feminino para os problemas sociais.

A paridade de gênero numa futura Assembleia Constituinte e sua formalização numa nova Constituição Federal a ser elaborada a partir de 2020 no Chile é resultado das lutas das mulheres no país latino-americano, e no mundo. As mulheres sempre lutaram por direitos, isonomia, paridade e igualdade de gênero em todos os campos da vida.

É consequência dos protestos intensificados, em 2019, contra as políticas neoliberais neo-pinochetianas ainda em curso no país. A exemplo de outros movimentos feministas ao longo da história do mundo, as mulheres chilenas conseguiram dar esse passo e assegurar a unanimidade no Senado graças à luta contra o neoliberalismo e sua política econômica machista e excludente.

PLEBISCITO
No site do Senado chileno e nos jornais Biobio, do Chile, e, RT, da Rússia, a informação é a de que a iniciativa foi aprovada por unanimidade pelos 40 senadores e não houve nenhum voto contrário ou abstenção. Em dezembro de 2019, no entanto, a situação desse debate na Câmara dos Deputados ocorreu, no dia 18 de dezembro, numa sessão bastante conturbada, em que deputados definiam as regras do processo constituinte que ocorrerá no Chile em 2020.

Com 127 votos a favor; 18, contra; e 5 abstenções, os deputados aprovaram a emenda que estabelece a realização do plebiscito no dia 26 de abril de 2020, que iniciará o processo, com a consulta sobre se a população chilena quer ou não uma nova constituição, conforme o acordo firmado, em novembro, entre governo e parte da oposição.

CHILENAS
A participação das mulheres na política do Chile – e no mundo – sempre foi resultado de uma acirrada disputa entre homens e mulheres; entre o Estado patriarcal e os movimentos feministas. Os sinais da insatisfação com as políticas neoliberais e machistas estão presentes na história do país desde o início da instalação da sangrenta ditadura de Augusto Pinochet, após a deposição do presidente eleito Salvador Allende, na década de 1970.

Com Pinochet, o Chile foi transformado em laboratório neoliberal da Escola de Chicago e, hoje, três décadas depois do golpe de Estado, colhe os frutos das políticas privatistas, mercantilistas e de exclusão social. No entanto, é um dos poucos países latino-americanos que tiveram uma mulher à frente do Poder Executivo.

Em 2006, a médica Verónica Michelle Bachelet Jeria, foi eleita presidente da República do Chile. O país ainda vive sob a pressão das fortes manifestações ocorridas no ano passado por direitos sociais. A participação da mulher nas manifestações de rua tem sido tão forte quanto nefastas são as políticas neoliberais adotadas desde o governo Pinochet.

MACHISMO
Uma das principais características do neoliberalismo é sua relação machista com as políticas de Estado. No mundo, todo país neoliberal obteve, após pouco tempo, intenso empobrecimento das mulheres. O neoliberalismo está associado à exclusão social generalizada, que, discrimina mulheres, povos originários e negros(as).

É inerente ao neoliberalismo a prática do machismo, da desigualdade social e de gênero. No Chile, as três décadas de neoliberalismo empobreceu de tal forma a população, sobretudo as mulheres, que chegou ao ponto de as chilenas organizarem, no ano passado, um movimento popular intenso contra a naturalização do estupro, dos feminicídios e do preconceito contra a mulher que viralizou no mundo.

Confira aqui El violador eres tu – que se tornou o hino feminista em todo o planeta.

Coreografia Feminista 1

Coreografia Feminista 2

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CONSTITUINTE
Laboratório de aplicação das políticas neoliberais criadas na Escola de Chicago, o Chile tem vivido, há três décadas, o profundo empobrecimento da sua população, o que suscitou uma revolta popular que começou em 18 de outubro de 2019. No fim do ano passado, o presidente Sebastián Piñera conseguiu firmar um acordo de paz com a oposição. Onze partidos firmaram o compromisso de realizar um plebiscito para elaboração de uma nova Constituição diferente da que está em vigor, ultraneoliberal, herdada da ditadura de Augusto Pinochet.

Contudo, a exigência de dois terços em votações gerou desconfiança e vários impasses. Assembleias populares debateram o que fazer e o resultado é que o processo para realização de uma Assembleia Constituinte começará com a convocatória para um plebiscito, marcado para o dia 26 de abril de 2020.

COTAS E PARIDADE NO BRASIL
Ao contrário do que ocorre no Chile hoje, o Brasil vai para trás. No ano passado, a deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP) apresentou um Projeto de Lei (PL) que retrocede na legislação existente no Brasil sobre as candidaturas femininas nas eleições.

O PL 2.996/2019, de autoria dela, acaba com a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das vagas por mulheres. Segundo a justificativa da deputada, não seria “razoável supor que exista discriminação de gênero com aptidão para impedir candidaturas femininas ou para demandar medidas extremas”. Renata Abreu recupera a ideia de que é possível reservar as vagas para as mulheres, mas sem necessidade de efetivamente preenche-las.

Esse entendimento, já superado, foi o mesmo que levou ao descumprimento da Lei 9.504/1997, que reservou o mínimo de 30% para as candidaturas de mulheres nos legislativos municipal, estadual e federal e que apesar de avançar no debate, foi pouco efetiva. Só em 2009, com Lei nº 12.034, é que os partidos passaram a ser obrigados a cumprir o percentual de 30% e reservar parte do fundo partidário e do tempo de TV.

Em dezembro de 2019, Relatório Mundial sobre a Desigualdade de Gênero 2020 indicou que a representação política das mulheres, ou falta dela, é o maior peso no desempenho do Brasil no estudo do Fórum Econômico Mundial. O País ficou em 104ª posição entre os 153 examinados. Somente duas mulheres tinham posição ministerial, por exemplo. O Fórum calcula, em todo caso, que a diferença de gênero em termos de política, economia, saúde e educação só será eliminada em 99,5 anos. A desigualdade econômica entre homens e mulheres poderá demorar 257 anos a desaparecer.