Cefab: uma mostra cultural inesquecível

O projeto de culminância do mês da consciência negra do Centro de Ensino Fundamental Athos Bulcão, edição 2023, mexeu com todo mundo que participou do evento, seja professor, coordenador, aluno ou apenas espectador das apresentações.

“Este ano, os estudantes se comprometeram muito, e trabalharam com afinco no contraturno das aulas na produção das apresentações”, lembra a professora Janaína Gusmão, atual coordenadora e futura diretora do Cefab.

As apresentações ocorreram entre os dias 23 e 25 de novembro. Contaram com desfiles, batalhas de rimas, oficinas de bonecas Abayomi e de cabelos negros, um café da manhã temático (com pipoca, pé de moleque, canjica, cuscuz e rapadura). Teve também apresentações de biografias de personalidades negras sob orientação da professora Wanuza Marques, além de quatro peças teatrais inesquecíveis.

“A Educação Antirracista é fundamentada na importância dos negros na nossa trajetória de sucesso ao longo dos séculos, trabalhar de maneira a sensibilizar nossos estudantes para o respeito à diversidade faz parte do nosso papel enquanto Educadores. O CEFAB, entendendo isto de maneira fundamental, realiza há alguns anos os projetos que culminam no dia da Consciência Negra. Este ano houve apresentações teóricas, com cartazes e mini palestras (7º anos), danças típicas, desfiles, apresentações musicais 9º anos e iniciou-se o Festival Palmares, por meio de teatro com toda produção feita pelos estudantes do CEFAB (roteirização, cenografia, figurinos e sonoplastia) 8º anos. Este dia tão especial para os estudantes do CEFAB foi repleto de momentos de muita alegria, euforia, conhecimento e socialização de experiências e vivências relacionadas à ressignificação do respeito aos negros e sua história. Como Diretora do CEFAB me senti muito realizada com o sucesso dos estudantes.”, declara a diretora da escola, Rivane Simão.

“Todo o trabalho foi produzido pelos alunos, assim eles não só aprendem como vão se apropriando da consciência desse aprendizado”, observa a professora Neris Colona, coordenadora da escola.

“Já é o segundo ano que fazemos a culminância da consciência negra na escola e já virou tradição, se mantendo para o próximo ano”, diz o atual coordenador e futuro vice-diretor da escola Dyago Paulo de Lima.

 

Peças teatrais

Os oitavos anos do turno matutino apresentaram quatro peças teatrais. “Na verdade, as turmas se misturaram um pouquinho, mas podemos falar em turmas predominantes em cada peça produzida”, conta a professora de português Milena Fernandes da Rocha, que orientou a produção e elaboração dos quatro espetáculos.

A peça Zarina Alika foi escrita pelos alunos e alunas do 8º ano D, do zero. O roteiro conta a história de Zarina Alika, uma mulher negra bem-sucedida no mundo das Tecnologias de Informação e Comunicação. A personagem é fictícia, mas a verossimilhança é tamanha, que é impossível não se incomodar: mesmo após conquistar grande prestígio profissional e econômico, ela enfrenta a desigualdade racial e de gênero, que tenta aprisioná-la, todos os dias, em uma posição de subalternidade. “A peça demonstra que, ainda que a pessoa negra conquista privilégios de classe, por exemplo, ela ainda sofre com outros tipos de racismo mais sutis”, explica Milena. “A peça surpreende pelos cenários produzidos pela turma, pois se passa em ambientes distintos, com um restaurante, uma loja de roupas e um evento científico”, completa. A trilha sonora teve músicas de Iza e Emicida. Os e as alunas tiveram medo de não conseguir memorizar as falas, mas conseguiram superar a insegurança. “E a gente viu o crescimento e o amadurecimento deles e delas à medida que a produção avançava”, conta, orgulhosa, a professora.

A turma do 8ºE pediu para trabalhar o tema dos Orixás, como forma de romper preconceitos, estigmas e estereótipos. Buscaram poesias sobre sete orixás: Oxum, Ogum, Oxóssi, Nanã, Iemanjá, Xangô e Obá. Nasceu, assim, a peça “Respeita o Amém quem respeita o Axé”. Com figurino produzido de forma quase totalmente artesanal, os Orixás são apresentados em suas características elementares. A apresentação mesclou referências da Umbanda (religião de matriz brasileira, criada no Rio de Janeiro no início do século XX) e do Candomblé (religião de matriz africana), o texto foi adaptado de poemas de diferentes autores. “Alguns alunos pediram para não participar do projeto por questões de crença religiosa, no que foram totalmente respeitados em sua decisão”, ressalta Milena. Essa turma ficou duas semanas trabalhando no contraturno, almoçando pão com mortadela, para produzir os adereços e as roupas da peça. “Não foi só o trabalho final que ficou excelente, o processo de produção também foi muito rico pelo aprendizado dos e das jovens, que buscavam aproveitar ao máximo o material disponível, sem desperdícios”, ressalta Milena, que por três semanas trabalhou até quase de noite na coordenação desses trabalhos.

Aqualtune, a princesa guerreira, é produção do 8ºF, que apresentava algumas dificuldades de rendimento e foi, de longe, a turma que mais se superou em termos de rendimento e de amadurecimento ao longo da elaboração dos trabalhos. “Ver o tanto que essa turma amadureceu durante a produção da peça foi tão emocionante quanto acompanhar a narrativa da história, que também é muito impactante”, orgulha-se a professora Milena.

A história, baseada no cordel de Jarid Arraes, conta a história de Aqualtune, princesa do Congo, que, no século XVII, foi sequestrada e trazida para o Brasil para ser escravizada. Já em terras brasileiras, liderou centenas de pessoas na luta antiescravagista e formou nomes fundamentais para a história dos negros no Brasil, como Ganga Zumba, seu filho, e Zumbi dos Palmares, seu neto. “Mostrar que os nomes da história negra no Brasil, como o próprio Zumbi dos Palmares, cuja morte é lembrada no dia da consciência negra, tiveram origem na realeza africana é uma forma poderosíssima de trabalhar a autoestima dos e das estudantes”, comenta Milena. “Até então, quando se contava a história da África, ela começava com a escravidão, mas na verdade a escravidão não iniciou nada, e sim interrompeu diversas histórias”, conta. “Foi muito legal ver nessa peça os meninos orgulhosos de estarem representando papéis de guerreiros congoleses, guerreiros quilombolas”. Ao final dessa peça, uma batalha de rimas, do século XVII até os dias atuais.

Finalmente, a peça Negra Sou é trabalho dos oitavos A e B. Foi ideia de uma aluna adaptar o poema “Me gritaram negra”, de Victoria Santa Cruz. Esse texto conta a jornada de uma menina negra que desde cedo se percebe à margem da sociedade e, após um despertar de consciência, tem a oportunidade de transformar em orgulho e confiança todo o auto-ódio e a vergonha que lhe impuseram desde criança.

A peça Negra Sou extrapolou os muros do Cefab. Nesta terça-feira (5/12) será apresentada no Cemi, do Cruzeiro Velho, durante um sarau da consciência negra. E a peça Aqualtune será reapresentada no Cefab no próximo dia 8 de dezembro, para o período vespertino.

“Este anos conseguimos a participação maciça dos e das alunas da escola, que trouxeram muita informação, muito conteúdo, conta a professora Neris Colona, coordenadora, que lembra também que consciência negra é projeto para todo o ano letivo: “Temos a biblioteca preta, com assuntos antirracistas e literatura de autores e autoras negros(as). A semana da consciência negra é apenas a culminância de um projeto que dura todo o ano letivo.

“Numa sociedade em que há muito tempo se discute e se escuta sobre a igualdade social, étnico-racial, e mesmo assim permanecemos envoltos em racismo, preconceito e discriminação, é cada vez mais importante que a Educação no ambiente escolar, em todas as modalidades, seja antirracista”, aponta a diretora do Sinpro Regina Célia, que saiu das apresentações bem impactada: “Ano passado, quando conheci o projeto da biblioteca escolar do Cefab, sobre obras de autores(as) negros(as), títulos que tratam o tema racismo e antirrascismo com a seriedade e valorização merecidas, percebi um forte desejo de trazerem boas discussões para dentro da escola, até a forma que o espaço estava decorado me dizia isso. Agora, em 2023, o que presenciei foram apresentações de uma riqueza pedagógica, histórica e social imensuráveis, o que fortalece a Lei 10.639/03 e as ações diárias de todos e todas os(as) envolvidos(as) nessa construção de uma Educação Antirracista, de qualidade e para todo mundo.”

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