Carta da sociedade civil pela desmilitarização da educação e da vida
A Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME) divulgou uma carta pela desmilitarização da educação e da vida. O objetivo do documento é colher assinaturas contra o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), uma das raras agendas do governo Bolsonaro para a área da educação, vendida falaciosamente como solução para os principais problemas da educação nacional.
A militarização de escolas se baseia na imposição da ideologia militar da disciplina, da hierarquia e do combate ao inimigo. Em um país construído sobre as bases do autoritarismo, do racismo e do sexismo, que nunca levou a termo um processo de memória, verdade e justiça sobre as violências de Estado, a militarização é um fenômeno que vem incidindo sobre diversas esferas da vida. A militarização de territórios periféricos também constitui uma violação do direito à educação de crianças, adolescentes e jovens, muitas vezes impedidos até de chegar à escola pela presença de agentes armados. Assim, o fim do PECIM deve estar ancorado em um processo amplo de desmilitarização da educação e da vida e de fortalecimento da cultura democrática.
Confira abaixo a íntegra da carta e o link para incluir a sua assinatura:
Carta da sociedade civil pela desmilitarização da educação e da vida
Ao longo dos últimos anos, durante o processo eleitoral e no período de transição, a sociedade civil reivindicou a urgência da revogação do decreto nº 10.004, de 05 de setembro de 2019, que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). A militarização foi uma das raras agendas do governo Bolsonaro para a área da educação, vendida falaciosamente como solução para os principais problemas da educação nacional. Na verdade, a militarização viola garantias constitucionais e direitos de crianças, adolescentes e jovens e de profissionais da educação. Por isso, este programa deveria ter sido revogado como uma das primeiras medidas do governo Lula/Alckmin. Entendemos que sua revogação deve ser parte de um processo mais amplo de desmilitarização da educação e da vida.
Existem diversas razões para revogar o PECIM:
- Por sua natureza disciplinar voltada para a promoção da obediência à hierarquia ancorada em bases militares, a militarização fere princípios constitucionais do ensino, como a liberdade de aprender e ensinar, o pluralismo de ideias, a valorização de profissionais da educação e a gestão democrática (Constituição Federal, art. 206, incisos II, III, V e VI); fere o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade de crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 15, 16 e 18-A); e o respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude (Estatuto da Juventude, art. 2º, inciso VI), entre outras normativas.
- Os programas de militarização, em todos os entes federativos, não estão amparados em nenhuma das diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação inscritas na Lei n. 13.005/2014 (Plano Nacional de Educação), sendo incompatíveis com o preceito constitucional do art. 214 da Constituição, que atribui ao PNE a articulação do sistema nacional de educação.
- Militares não são educadores, não estão no rol de profissionais autorizados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 61) a atuar na gestão das escolas ou em qualquer outra função típica dos trabalhadores da educação. A contratação de militares gera disparidades significativas entre os salários de profissionais da educação, dado que oficiais em escolas recebem um salário consideravelmente maior do que professores e outros profissionais. Escolas militarizadas também violam liberdades de expressão, de organização e de associação sindical dos profissionais da educação, aumentando o fenômeno de autocensura e censura de professores.
- As escolas militarizadas não são mais seguras, ampliam violações de direitos e violências; há diversas denúncias de situações de assédios moral e sexual e abusos físicos e psicológicos contra estudantes praticada por agentes militares.
- O modelo militarizado não contribui para o desenvolvimento integral dos estudantes, seu preparo para o exercício da cidadania e para a promoção de sua autonomia e emancipação. Ao contrário, a hierarquia rígida e a disciplina inflexível que permeiam esse modelo promovem o silenciamento, a submissão e a obediência acrítica às regras impostas e à autoridade. A padronização dos comportamentos e das aparências também atua num processo de supressão da individualidade em favor de uma homogeneização.
- Os programas de militarização ampliam as desigualdades educacionais, introduzindo desigualdades no financiamento internas às redes de educação e mecanismos de exclusão de estudantes em maior vulnerabilidade socioeconômica (inclusive pela cobrança de taxas em algumas das unidades militarizadas e exigências de uniformes próprios das forças militares), com deficiência, com distorção idade-série, dificuldades de aprendizagem e de se adequarem às normas e padrões, além de adolescentes e jovens trabalhadores. Nesse sentido, não é possível afirmar que escolas militarizadas melhorem o desempenho dos estudantes.
- Escolas militarizadas reforçam os estereótipos em relação aos papéis masculinos e femininos na sociedade, que limitam a liberdade dos indivíduos, coíbem a expressão da diversidade de gênero e sexualidade e a demonstração de afetos, principalmente de jovens LGBTQIA+. Elas também reproduzem o racismo estrutural e institucional, impõem padrões estéticos baseados na branquitude e violam a liberdade de crença.
A militarização de escolas se baseia na imposição da ideologia militar da disciplina, da hierarquia e do combate ao inimigo. Em um país construído sobre as bases do autoritarismo, do racismo e do sexismo, que nunca levou a termo um processo de memória, verdade e justiça sobre as violências de Estado, a militarização é um fenômeno que vem incidindo sobre diversas esferas da vida. A militarização de territórios periféricos também constitui uma violação do direito à educação de crianças, adolescentes e jovens, muitas vezes impedidos até de chegar à escola pela presença de agentes armados. Assim, o fim do PECIM deve estar ancorado em um processo amplo de desmilitarização da educação e da vida e de fortalecimento da cultura democrática. Frente às competências da União de coordenação da política nacional de educação e edição de normas gerais para as diretrizes e bases da educação brasileira, definidas no art. 22 da CF 1988 e reiterada pelo STF, além da revogação do decreto nº 10.004, as organizações signatárias desta carta propõem ao governo federal, as seguintes medidas:
- Atuar no âmbito da coordenação federativa e dos programas de indução para o fim dos programas de militarização de escolas públicas, suspensão dos processos de militarização escolar em curso e desmilitarização das escolas militarizadas.
- Convocar o CNE a se manifestar em parecer sobre a incompatibilidade entre os processos de militarização da escola pública e as diretrizes da educação básica do país.
- Provocar a Advocacia-Geral da União (AGU) a construir um novo parecer sobre o assunto, revisando o posicionamento do órgão na ADI 6791, assinado pelo Ex-Advogado-Geral André Mendonça, em ação contra a Lei 20.338/2020, que institui o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná.
- Fortalecer a gestão e educação democráticas para a garantia de: a) autonomia docente no seu fazer pedagógico; b) fim da perseguição às professoras e professores no exercício do seu ofício; c) autonomia dos e das estudantes e suas formas de existir e se organizar.
- Elaborar políticas públicas nas áreas da convivência e gestão democráticas na escola que promovam a formação para a cidadania ativa na construção de uma sociedade justa e pluralista, prevenindo e enfrentando práticas discriminatórias e violências distintas, atuando de forma construtiva e dialógica frente aos problemas de convivência e conflitos, melhorando a qualidade do clima escolar, ampliando e fortalecendo os espaços de diálogo e participação para todos e todas na comunidade escolar.
- Retomar os planos e programas para a educação em direitos humanos.
- Mobilizar campanhas de estímulo à mudança de nomes de escolas públicas vinculadas a personagens históricos das ditaduras militares e da colonização violenta do país.
- Propor medidas de justiça de transição para superação do legado autoritário do Brasil, com responsabilização dos responsáveis civis e militares por violações de direitos humanos e proteção a crianças, adolescentes e jovens e a docentes que sofrem com perseguições políticas promovidas por grupos ultraconservadores.
- Planejar e executar medidas efetivas para o desencarceramento e para o combate ao genocídio da juventude negra e periférica, com reparações a vítimas e suas famílias.
Com a certeza de que a desmilitarização da educação é etapa fundamental para aprimorar o processo democrático brasileiro, reafirmamos a necessidade urgente de revogar o PECIM e seu arcabouço legal, bem como o desenvolvimento da agenda proposta.
Subscrevemo-nos com saudações democráticas!
Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação
Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação – RePME
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