Câmara aprova projeto de cotas raciais e de renda

A Câmara aprovou nesta quinta-feira projeto que cria a reserva de cotas raciais e de renda para o ingresso nas instituições federais de ensino superior, vinculadas ao Ministério da Educação. Além de universidade federais, o projeto também inclui instituições federais de ensino técnico de nível médio. O projeto cria a reserva de 50% das vagas oferecidas pelas instituições para estudantes que tenham cursado, integralmente, os três anos do ensino médio em escolas públicas.

Dentro desta reserva, há outros dois critérios (sub-cotas). O primeiro é o da sub-cota racial: em cada estado os 50% serão divididos de acordo com a proporção da variável étnica, tendo por base o último censo do IBGE. Neste censo, as pessoas se declaram brancas, pardas, negras e indígenas. O outro é a sub-cota de renda: dentro dos 50% de vagas reservadas observando a sub-cota racial, 25% delas terão que ser ocupadas por estudantes com renda familiar per capita de um salário mínimo e meio.

O projeto é fruto de um substitutivo feito pelo deputado Carlos Abicalil (PT-MT) tendo por base projetos de outros deputados que tramitam na Casa, como a deputada Nice Lobão (DEM-MA) e o projeto da senadora Ideli Salvati (pt-sc), aprovado recentemente no Senado. Em plenário, o projeto ganhou várias emendas, entre elas a do deputado Paulo Renato de Souza (PSDB-SP), que colocou a sub-cota de renda familiar. Por causa de uma mudança incluída de última hora – proposta pelo ex-ministro da Educação, deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP) -, o projeto voltará ao Senado.

Para viabilizar a votação ontem, líderes do PT e do PSDB tentaram encontrar um texto de consenso. Foram incluídas emendas, escritas à mão, como a da reserva de vagas para os estudantes de baixa renda, de Paulo Renato.

– Minha tese era de que com o critério de renda, o problema racial estaria resolvido. Mas parte do governo reiterou o compromisso com os movimentos raciais. O que se vota hoje são dois critérios: o racial e o de renda. Não é o ideal, na minha opinião, mas para garantir o acordo, concordamos – avisou Paulo Renato.

Em cada estado, as vagas destinadas às cotas serão divididas de acordo com a proporção da variável étnica, tendo por base o último Censo do IBGE. Assim, se uma universidade oferece 200 vagas para Direito, cem serão reservadas para estudantes de escolas públicas que prestam o vestibular. Dessas, 50 serão ocupadas por estudantes de baixa renda, negros ou não. No caso do critério de raça, é preciso saber qual a porcentagem de negros, pardos e índios no estado.

Em 2004, o governo enviou ao Congresso proposta que previa a reserva de vagas para os estudantes do ensino público e a cota racial. Desde 2006, o projeto estava pronto para ir a plenário, mas PSDB e o DEM resistiam à proposta. Os tucanos queriam trocar o critério racial pelo de renda. Uma proposta da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), de mesmo teor, foi aprovada este ano no Senado e enviada à Câmara. O projeto foi anexado aos que já tramitavam na Casa, mas ontem prevaleceu o substitutivo do deputado Carlos Abicalil (PT-MS).

Artigo polêmico – O projeto, no entanto, segue para o Senado com um artigo polêmico e considerado inconstitucional. Ele acaba com a exigência de exame de seleção e diz que serão consideradas, para a ocupação das vagas, as notas dos estudantes nos três anos do ensino médio. Abicalil, que não estava ontem em Brasília, acreditava que este artigo tinha sido retirado do texto.

– Ninguém é dispensado do vestibular, esse critério fere a autonomia das universidades – disse Abicalil, sinalizando que o artigo deverá ser retirado no Senado.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, participou ativamente da negociação que permitiu a aprovação do projeto. De seu gabinete, por telefone, orientava o líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS). O tom da conversa era tenso: num dos diálogos, Haddad quase gritava, a ponto de ser ouvido na sala ao lado, onde jornalistas o aguardavam para uma entrevista. Ele interrompeu a entrevista três vezes para falar com Fontana.

– A discussão é sobre o corte de renda. O ingrediente novo é esse. Acho cabível – afirmou o ministro.

Haddad defendeu que o limite de renda familiar fosse o mesmo do programa Universidade para Todos (ProUni): um salário mínimo e meio por pessoa, no caso de quem ganha bolsa de 100% para estudar em instituições privadas.

Em relação à resistência de universidades federais contra a definição de uma regra nacional de cotas, já que diversas instituições adotam modelos distintos de reserva de vagas, o ministro lembrou que foi acertado um prazo de transição de quatro anos, o que garantiu o apoio da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

O coordenador nacional do Movimento dos Sem Universidade (MSU), Sérgio Custódio, comemorou a votação na Câmara:

– O Brasil caminha para se equiparar ao resto do mundo, que vive um momento pós-racista, após a eleição do presidente americano Barack Obama. Um mundo onde há espaço para a diferença – disse Custódio. Isabel Braga, do jornal O Globo