Brasil Paralelo mente sobre Lei Maria da Penha

Um dos efeitos colaterais da ascensão da extrema direita no mundo é a necessidade por reescrever a história. Fatos do passado ganham “releitura crítica” feita por “especialistas” (que de especialistas não têm nada). A isso dá-se o nome de Revisionismo Histórico.

Com isso, surgem versões alternativas da história, como “o nazismo é de esquerda porque tem ‘socialista’ no nome”, “não houve holocausto, isso é invenção”, ou mesmo “o socialismo imperial arrasou o Império Romano e levou ao feudalismo

Não se trata de desvario, tampouco insanidade. É uma estratégia tipicamente adotada pelo fascismo. Em A Linguagem do Terceiro Reich, Victor Klemperer já mostrava como, através das palavras, se incutiram racismo, preconceitos, e assim se destruiu a história factual substituindo-a por uma “nova verdade”, que se revela uma realidade paralela que não encontra lastro na realidade.

Levanta a mão qual professor(a) de história nunca teve que se desdobrar diante um(a) aluno(a) questionando a veracidade do conteúdo ministrado nas aulas com frases do tipo “eu me informo, eu vejo vídeos!”?

O Brasil da terceira década do século XXI assistiu ao surgimento de uma produtora de vídeo cujo nome já dá o que pensar: Brasil Paralelo Entretenimento e Educação S/A. A produtora Brasil Paralelo se denomina como uma plataforma de “educação e entretenimento – para resgatar bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”. Mas ela vem sendo criticada por historiadores, cientistas políticos, jornalistas e figuras da esquerda por publicizar uma agenda de extrema direita que promove o revisionismo histórico.

Já em 2021, o objetivo da empresa era se tornar a “Netflix da direita”, nas palavras dos próprios sócios.

No ano passado, foi desmonetizada pelo Tribunal Superior Eleitoral em meio a denúncias em Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) de participação em esquemas de ecossistemas de desinformação.

O trabalho da Brasil Paralelo é amparado por uma estratégia de investimento em buscas patrocinadas no Google que custa muito dinheiro e faz da empresa uma das maiores clientes do Google no Brasil.

 

Maria da Penha

O mais recente trabalho da Brasil Paralelo é questionar a origem da lei Maria da Penha. Vídeo produzido pela empresa alega que a farmacêutica Maria da Penha Fernandes, vítima de violência doméstica e de duas tentativas de feminicídio pelo ex-marido, Marco Antonio Heredia Viveros, na “verdade” teria ficado tetraplégica “por conta de um assalto”.

Essa alegação, tratada como verdade absoluta no vídeo, não se sustenta: “a lei Maria da Penha foi criada após o Brasil ser processado pela Maria da Penha Fernandes na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, a OEA. O Brasil perdeu o processo, e foi condenado, em 2001, por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência, essa é a origem da Lei Maria da Penha”, explica a diretora da secretaria de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras, Mônica Caldeira.

O relatório 12.051 da OEA está, em português, ao alcance de um clique de mouse.

O revisionismo histórico da Lei Maria da Penha vem na esteira de um contexto bem desfavorável, principalmente aqui em Brasília, a cidade que proporcionalmente mais registra casos de feminicídio no Brasil, com dois estupros a cada 24 horas, e em meio à campanha 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres.

“É assustador ver, em meio a tantos casos de feminicídio, um vídeo com produção bem cara dar roupagem de verdade a uma mentira deslavada. Vídeos como esse ratificam a narrativa de que mulher que reclama de violência é “mimimi”, que adora se vitimizar. Não se trata de vitimização, só aqui no DF são 31 vítimas reais e fatais de feminicídio até 16 de novembro!”, explica Mônica.

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