Brasil ainda é referência em resistência dos trabalhadores
Entre os dias 1 e 13 de junho, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) promoveu sua 104ª Conferência em Genebra, na Suíça. Delegações de 185 países, entre os quais o Brasil que teve a CUT como uma das representantes dos trabalhadores discutiram temas como o direito de greve, sob ataque patronal, e a terceirização.
A terceirização sem limites, que deve ser analisada no Senado ainda neste ano por meio do PLC 30 (Projeto de Lei da Câmara), motivou um ato da CUT durante o encontro e reuniu mais de 30 centrais sindicais de diversos países.
Em entrevista, o secretário de Relações Internacionais da Central, Antônio Lisboa, faz um balanço sobre a conferência e destaca que no ano que vem, quando acontece a próxima conferência, o direito de greve deve ser o próximo alvo dos empregadores na lisa de direitos a serem subtraídos.
Quais foram os grandes debates desta conferência da OIT?
Antônio Lisboa – Acho que duas questões foram centrais. A primeira, a retomada da comissão de aplicação de normas da OIT, que trata do comprimento dos termos da Organização pelos países e estava travada há muito tempo. Conseguimos dar andamento e soltar um relatório sobre casos de práticas antissindicais e saiu um acordo que vai até a conferência de 2016, que passa pela aceitação, pelo menos até esse ano, por parte dos empregadores do direito de greve. O que estava amarrando era exatamente isso, então, os empregadores diziam que não era possível fazer um relatório. Em 2017 retomaremos essa discussão que, com certeza, será muito dura.
A outra coisa importante foi o texto a respeito da transição da economia informal para a formalidade, que orienta de forma bastante razoável esse processo e conseguimos incluir questões como a noção de que o trabalho terceirizado é sinônimo de precarização. Agora tem que ser ratificado pelas nações, mas trata da garantia de direitos, seguridade social. E a participação da CUT nesse debate foi determinante. Acho que a grande disputa acontecerá na conferência do ano que vem, porque tratará das cadeias produtivas, da principal estratégia das transnacionais, que é a produção em cadeia, desregulamentada, sem fronteiras e sem trabalho decente. Foi uma conferência positiva, comparada com a dos últimos anos, mas temos que nos preparar para o enfrentamento no ano que vem.
Como foi a repercussão do ato que a CUT promoveu contra a terceirização total no Brasil?
Lisboa – Mesmo com menos de 24 horas para a mobilização, conseguimos colocar as principais centrais sindicais do mundo neste ato, que se solidarizaram com a nossa posição e isso deu uma repercussão muito grande em Genebra e no mundo. As centrais sindicais presentes, além de se manifestarem a respeito do problema, divulgaram para as delegações e o objetivo foi alcançado.
No diálogo com essas outras centrais foi possível perceber se a precarização é geral?
Lisboa – Não há dúvida que a terceirização acontece no mundo inteiro, em diferentes níveis. E isso é fruto de uma estratégia global do capital internacional e das transnacionais de desregulamentação das relações de trabalho. Isso você pode ver quando os empregadores passam a questionar o direito de greve nas normas da OIT, na convenção 87. Não é que queiram acabar com essa conquista especificamente, mas sim fragilizar e precarizar os direitos que os trabalhadores conquistaram ao longo dos anos sob pretexto da competitividade. Como a greve é o instrumento fundamental para garantir esses outros direitos, eles resolveram atacar na raiz. Isso é uma estratégia mundial. No Brasil tomou uma dimensão maior essa discussão porque você tem uma legislação trabalhista com 70 anos e ao atacá-la você volta à década de 1930 do século passado, atingindo direitos já consagrados na Constituição.
Você conversou com outras lideranças para avaliar como a terceirização funciona em outros países?
Lisboa – Fizemos uma reunião muito rápida e foi muito mais um espaço de solidariedade. Mas você tem no mundo diversas formas de terceirização. Claramente, a Europa Ocidental, ainda por conta das políticas de bem-estar social que foram implementadas, tem maior garantia. Mas no mundo inteiro está presente em maior ou menor grau a degradação. Não é exclusivo do Brasil.
O Brasil sempre foi visto como uma referência na legislação trabalhista e temos visto uma série de ataques aos direitos do trabalhador. Como isso repercute internacionalmente?
Lisboa – As centrais e nossos parceiros ficam assustados com o que esta acontecendo, especialmente neste ano de 2015. O mundo inteiro sabe dos avanços que o Brasil obteve nos últimos 12 anos a partir da posse do presidente Lula e aí perguntam por que agora passamos por esse processo. Aí precisamos explicar que no sistema político brasileiro, o governo convive com estruturas arcaicas, um parlamento conservador e um Poder Judiciário com o mesmo perfil. Tem que explicar que nosso sistema é um presidencialismo de coalisão em que o Executivo pode, mas não pode tudo. E que nesses ataques aos direitos trabalhistas, em especial o projeto de terceirização, o governo tem um nível de poder para influenciar, mas que um Congresso conservador acaba por impor a vontade do empresariado, além de dizer que restará o veto ou não da presidenta. É um momento de incompreensão do processo brasileiro. Apesar disso, continuam acreditando que o movimento sindical tem capacidade de fazer o enfrentamento e o próprio ato que fizemos em Genebra demonstra a capacidade de mobilização que muitos países não possuem.
O movimento sindical também passa por um momento crítico em outros países?
Lisboa – Você pega nos EUA, o índice de sindicalização é cada vez mais baixo, para fundar um sindicato metade mais um dos trabalhadores precisa dizer que quer. Na Espanha, 300 sindicalistas hoje são processados por fazerem protestos ou lutarem por seus direitos, onde houve congelamento de salário e diminuição de ganhos no serviço público. No México, há uma verdadeira estratégia do capital com apoio do governo de criar sindicatos. Na empresa, com apoio da legislação, o empregador cria sindicato, mesmo que já exista outro na mesma base, e escolhe qual irá representar o trabalhador. Na Guatemala, há trabalhadores sendo assassinados diariamente. Na França, há projetos de lei que retiram direitos estabelecidos com as políticas de bem-estar social. Não serve de consolo, mas, evidentemente, temos ainda uma capacidade de reação maior do que muitos países do mundo, especialmente esses que citei. A ponto de que eles peçam nossa colaboração pela troca de experiência.
Falamos muito dos problemas, mas o que o movimento sindical trouxe de solução? Há a possibilidade de uma aliança internacional?
Lisboa – Na OIT, uma estrutura tripartite, as discussões são muito em cima de normas, de convênio, recomendações para orientar as relações de trabalho no mundo e você discute o comprimento dessas normas pelos países. Por outro lado, existe uma estratégia estabelecida pelos empregadores, que não é construída dentro do prédio da OIT, lá em Genebra, mas em Nova Iorque, em Xangai, Tóquio, São Paulo e que trata de tirar qualquer nível de obstáculo para circulação do capital, mantendo, evidentemente, todos os obstáculos possíveis para circulação de pessoas. Um exemplo é o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), em que os produtos têm livre espaço, mas as pessoas precisam de coiote para imigrar.
E para quebrar todas as fronteiras para o capital, tem de desregulamentar tudo que for relativo às relações de trabalho. É quase que voltar a uma situação do século 19. Nós precisamos construir a nossa estratégia, mas não pode ser feita dentro da OIT. A Organização Internacional do Trabalho é onde você luta para implementar sua estratégia, como estão fazendo os empresários. Nossa estratégia deve partir, por exemplo, da CSI (Confederação Sindical das Américas), onde devemos nos organizar para fazer a disputa na OIT. E o enfrentamento global deve ser a grande missão da CSI, que deve ser um pilar nessa luta.