Bolsonaro articula fim das faculdades de Filosofia e Sociologia

Nesta sexta-feira (26), o presidente Jair Bolsonaro anunciou pelo Twitter que pretende reduzir os investimentos federais nas faculdades de Filosofia e Sociologia. Para ele, os estudos de humanas não “respeitariam o dinheiro do contribuinte” e a educação deve servir para ensinar “leitura, escrita e a fazer conta”.
A iniciativa já obteve sinalização do Ministério da Educação e, segundo ele, o objetivo é “descentralizar” o investimento no ensino das duas áreas para “focar em conhecimentos que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina”.
O professor de Filosofia e ex-diretor do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), Polyelton de Oliveira explica que o governo está se baseando em algo que aconteceu no Japão. Nos últimos anos, o país também tentou, sem sucesso, retirar as matérias da grade alegando que eram conhecimentos destinados à elite.  Porém, a realidade do Japão é totalmente diferente do Brasil, por exemplo, aqui, a maioria dos estudantes de filosofia são pobres e trabalham nos contra turnos das aulas nas faculdades.

Historicamente, a regulamentação das disciplinas é recente, aconteceu no final dos anos 2000. Na época da Ditadura Militar essas disciplinas chegaram até serem proibidas e, somente no final dos anos 80, voltaram a grade curricular como matérias optativas.

Para Polyelton de Oliveira a iniciativa possui cunho ideológico, pois o governo quer dar uma resposta imediata aos segmentos que o apoiou. Essa discussão passa também por questões como o projeto Escola Sem Partido, as pautas religiosas, inclusive, pela reforma do ensino médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Dessa forma, pretendem investir em faculdades particulares e aumentar ainda mais a força do capitalismo no Brasil.

“É um processo de sucateamento da educação,  ainda mais, com os prejuízos  já advindos com a PEC do teto dos gastos (PEC 241) e com recursos que já são tão insuficientes. É preciso entender que a educação é um processo de transformação a longo prazo. Essas disciplinas complementam a leitura, interpretação de texto, e a nossa capacidade de pensar e contribuir para a organização do homem e da sociedade. As universidade públicas vêem passando por um processo de sucateamento. Reduziram investimentos e cortaram bolsas e agora, querem intensificar ainda mais esse processo. Educação não é gasto e sim, investimento”, explica.

Após o pronunciamento, a Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF) e diversas assinaram uma nota de repúdio.

Confira abaixo:

NOTA DE REPÚDIO A DECLARAÇÕES DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO E DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA SOBRE AS FACULDADES DE HUMANIDADES, NOMEADAMENTE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA

A Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF) e associações abaixo mencionadas repudiam veementemente as falas recentes do atual presidente da república e de seu ministro da educação sobre o ensino e a pesquisa na área de humanidades, especificamente em filosofia e sociologia.

As declarações do ministro e do presidente revelam ignorância sobre os estudos na área, sobre sua relevância, seus custos, seu público e ainda sobre a natureza da universidade. Esta ignorância, relevável no público em geral, é inadmissível em pessoas que ocupam por um tempo determinado funções públicas tão importantes para a formação escolar e universitária, para a pesquisa acadêmica em geral e para o futuro de nosso país.

O ministro Abraham Weintraub afirmou que retirará recursos das faculdades de Filosofia e de Sociologia, que seriam cursos “para pessoas já muito ricas, de elite”, para investir “em faculdades que geram retorno de fato: enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”. O ministro apoia sua declaração na informação de que o Japão estaria fazendo um movimento desta natureza.

De fato, em junho de 2015 o Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão enviou carta às universidades japonesas recomendando que fossem priorizadas áreas estratégicas e que fossem cortados investimentos nas áreas de humanidades e ciências sociais.

Após forte reação das principais universidades do país, incluindo as de Tóquio e de Kyoto (as únicas do país entre as cem melhores do mundo), e também da Keidanren (a Federação das Indústrias do Japão) – que defendeu que “estudantes universitários devem adquirir um entendimento especializado no seu campo de conhecimento e, de forma igualmente importante, cultivar um entendimento da diversidade social e cultural através de aprendizados e experiências de diferentes tipos” – o governo recuou e afirmou que foi mal interpretado.

A proposta foi inteiramente abandonada quando o ministro da educação teve de renunciar ao cargo, ainda em 2015, por suspeita de corrupção. Da forma como o ministro Abraham Weintraub apresenta o caso trata-se, portanto, de uma notícia falsa.

O ministro foi seguido pelo presidente, que mencionou que o governo “descentralizará investimentos em faculdades de filosofia”, sem especificar o que isto significaria, mas deixando claro que se trata de abandonar o suporte público a cursos da área de humanidades, nomeadamente os de Filosofia e de Sociologia. O presidente indica que investimentos nestes cursos são um desrespeito ao dinheiro do contribuinte e, ao contrário do que pensa a Federação das Indústrias do Japão, afirma que a função da formação é ensinar a ler, escrever, fazer conta e aprender um ofício que gere renda.

O ministro e o presidente ignoram a natureza dos conhecimentos da área de humanidades e exibem uma visão tacanha de formação ao supor que enfermeiros, médicos veterinários, engenheiros e médicos não tenham de aprender sobre seu próprio contexto social nem sobre ética, por exemplo, para tomar decisões adequadas e moralmente justificadas em seu campo de atuação. Ignoram que os estudantes das universidades públicas, e principalmente na área de humanidades, são predominantemente provenientes das camadas de mais baixa renda da população. Ignoram, por fim, a autonomia universitária, garantida constitucionalmente, quando sugerem o fechamento arbitrário de cursos de graduação.

Uma das maiores contribuições dos cursos de humanidades é justamente o combate sistemático a visões tacanhas da realidade, provocando para a reflexão e para a pluralidade de perspectivas, indispensáveis ao desenvolvimento cultural e social e à construção de sociedades mais justas e criativas.

Seguiremos combatendo diuturnamente os ataques à universidade pública e aos cursos de humanidades movidos pelo ressentimento, pela ignorância e pelo obscurantismo, também porque julgamos que esta é uma contribuição maiúscula da área de humanidades para o melhoramento da sociedade à nossa volta.

Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR)
Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (SOCINE)
Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE)
Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias (ESOCITE)

União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (Ulepicc-Brasil)
Associação Nacional de História  (ANPUH)
Centro de Investigaciones Filosóficas (CIF/Argentina)
Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) 
Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)
ODARA – Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Identidade e Diversidade 
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)  
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes 
Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC)

Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJOR) 
Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR)

Asociación Costarricense de Filosofía (Acofi) 
Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP) 
Sociedade Brasileira de Ensino de Química (SBEnQ) 
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope)
Associação dos Professores da UDESC (Aprudesc – ANDES-SN) 
Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (FORPIBID)