ATAQUE ÀS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS: “A CORDA QUEBRA DO LADO MAIS FRÁGIL”

O dito popular “a corda sempre quebra do lado mais frágil” marca sua presença no cotidiano humano do povo brasileiro contemporâneo. A invasão e depredação dos três poderes da República Federativa do Brasil (Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal), no dia 8 de janeiro de 2023, tem a sua cumplicidade, que vai além da multidão enraivecida com o resultado das eleições de 2022, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito para o 3º mandato de presidente da República.

Está em curso a aplicação da lei para que cada indivíduo responda pelos atos, omissões e conivências, garantindo o devido processo legal do contraditório, ampla defesa (princípio fundamental dos Direitos Humanos). Entretanto, é importante reconhecer o papel preponderante de instâncias de poder que incitam, organizam e financiam o movimento bolsonarista. O bolsonarismo pauta suas ações sustentadas por cinco lados indissociáveis: alienação, proselitismo político-religioso, fanatismo, fundamentalismo e sectarismo. Esses elementos articulados produzem uma explosão social, a ponto de chegar ao máximo da irracionalidade.

Atacar a democracia não é um fato isolado na história do Brasil. Recentemente, em 2016, Dilma Rousseff foi vítima de golpe político-jurídico-midiático, sendo expulsa do mandato, mesmo tendo sido eleita legitimamente pelo povo, para o 2º mandato presidencial. E quem produziu o caminho para essa tarefa antidemocrática foram setores da grande mídia, a corporação dominante empresarial e setores do poder público (dirigentes políticos e poder judiciário). O povo foi às ruas, em movimento antidemocrático para um processo que culminou em golpe, estimulado pela grande mídia e políticos inconformados com o resultado das urnas. Houve quem dissesse, após a eleição de Dilma: “ganhou, mas não governa”.

Essa assertiva “ganhou, mas não governa” tende a ser a máxima não dita explicitamente por grupos empresariais alinhados ao movimento bolsonarista neoconservador e neofascista, que não aceitam o resultado das eleições de 2022.  Diante desse antecedente histórico e do cenário atual, exige-se um debate mais amplo, em face do ocorrido no dia 08/01/2023, cujo fato merece atenção crítico-analítica do que pode estar por trás das ações, omissões e conivências.

É necessário levar em consideração que o ataque da multidão bolsonarista aos três poderes da República (tentativa de golpe de Estado) não ocorreu isolado de uma ação orquestrada por organizadores, financiadores e instigadores em redes sociais, incluindo o aparato legal – advogados a serviço do movimento. Dito de outro modo: a multidão não agiu sozinha. 

Essa parcela do povo brasileiro representa um movimento neoconservador e neofascista que irrompe em nossa história com uma violência organizada, financiada e incentivada, permeada por ações e omissões que vêm sendo investigadas pelo STF e Polícia Federal. São pessoas que acreditam em mitos, a ponto de se referir ao Jair Messias Bolsonaro como “mito”, alimentando uma crença fanática, caótica e negacionista da ciência, que ataca as instituições democráticas, o estado de bem-estar social e o resultado das eleições diretas para Presidente da República.

O ataque aos três poderes, seguido do afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por 90 dias, prisões da multidão, pedido de prisão de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança Pública do DF e ex-ministro de Justiça do desgoverno Bolsonaro e prisão do ex-comandante-geral da PMDF pela Polícia Federal, após decisão de Alexandre de Moraes, dentro dos trâmites legais, deixa em evidência uma corda cuja lógica precisa ainda ser invertida, ou seja, quebrar do lado mais forte. A investigação em curso pode chegar a essa lógica, de modo que possamos reconhecer, analiticamente, que:

♦ A democracia é um dos pilares inalienáveis do processo de construção da realidade e, ao ser violada, viola-se também a dignidade humana de milhões de brasileiros e brasileiras, em suas múltiplas dimensões.

♦ Liberdade de expressão não coaduna com a destruição de patrimônio público, nem pode ser usada para rejeitar decisão soberana do povo em um processo eleitoral democrático.

♦ O movimento bolsonarista representa uma ameaça ao Estado Democrático de Direito ao cometer atentado à democracia, rejeitando de maneira agressiva e desrespeitosa a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.

♦ A depredação dos espaços públicos do Executivo, Judiciário e Legislativo, perpetrada pelo movimento bolsonarista, no dia 08/01/2023, traduz a perversidade do neoconservadorismo que tem o objetivo de destruir o patrimônio público e agredir pessoas, escondido na farsa do discurso “Pátria, Liberdade e Família”.

♦ A barbárie cometida por defensores/as de um bolsonarismo doentio, negacionista e que viola a Constituição de 1988, sob a falsa liberdade de expressão e de ação, coloca em risco a paz e o bem-estar social do Distrito Federal e de toda a sociedade brasileira.

♦ Invadir prédios do Supremo Tribunal Federal (STF), Palácio do Planalto e Congresso Nacional é uma afronta aos guardiões da Constituição Federal Brasileira e fere, sem dúvida, o Estado Democrático de Direito.

♦ Reconhecemos a democracia como um regime político no qual o povo é soberano e tem acesso a todos os direitos, de maneira que a sua violação desqualifica e desumaniza a vida que só pode ser bem vivida quando dinamizada por efetivos e autênticos atos democráticos.

♦ Financiar atos antidemocráticos é um mecanismo de alienação e imoralidade que deve ser rompido com o rigor da lei.

♦A omissão e as conivências do poder público diante do ocorrido contribuíram para fortalecer o movimento antidemocrático que afronta a Constituição.

♦ Incentivar a destruição de peças artísticas, históricas e culturais, além do espaço físico dos três poderes, demonstra a ignorância e a violência perpetrada pelos organizadores, incentivadores e financiadores, levada a cabo por seus escudeiros/as.

♦ A investigação e aplicação da lei às forças políticas e empresariais porventura envolvidas na ação e/ou omissão diante dos atos antidemocráticos deve ser prova de que a corda deve, sim, quebrar do lado dos que se aproveitaram e aproveitam do fanatismo inculcado, moldado por setores bolsonaristas neoconservadores e neofascistas.

♦ Conscientizar, resgatar e reconhecer o sentido positivo do patrimônio público, sucateado pelo poder público e depredado pela sociedade civil.

♦ Luiz Inácio Lula da Silva, em seu 3º mandato, é um sinal de esperança do povo oprimido, entre as quais, esperança de combate ao racismo estrutural-cotidiano, combate ao agressivo e violento ataque aos povos indígenas que agora estão sob a gestão de Sônia Guajajara (Ministério dos Povos Originários) e Anielle Franco (Ministério da Igualdade Racial). Um tempo novo se desponta! É tempo de debate! É tempo de esperançar, mais do que nunca.

 

*Cristino Cesário Rocha é professor da rede pública do Distrito Federal. É Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. É membro do Coletivo Consciência Negra Dandara (UnB) e Grupo de Estudo e Pesquisa em Materialismo Histórico Dialético – Consciência (UnB).