A laicidade do Estado e da escola pública

(*) Por Márcia Gilda Moreira Cosme

 

O educador Paulo Freire, reconhecido e adotado mundialmente, principalmente nos países desenvolvidos, dizia que a escola é o espaço de promoção da emancipação individual e coletiva e, para isso, teria de ser um espaço laico.

 

Além de ser local de compartilhamento de conhecimento, a escola é o legítimo lugar de combate aos preconceitos que matam. É espaço de inclusão. O Brasil consolidou o direito de ser um Estado laico na Constituição de 1988. Alguns artigos garantem a laicidade, como o art. 18 e o inciso VI, do artigo 5º, que fala sobre a inviolabilidade da consciência de crença.

 

Isso significa que a escola, enquanto instituição pública, tem o dever de ser laica também. Ou seja, a religião não deve interferir na escola e na construção do conhecimento porque o conhecimento é, historicamente, produzido por todos e todas, não só pelo(a) professor(a). A escola é ambiente para a prática da laicidade e da pluralidade religiosa, de ideias etc. Espaço legítimo de acolhimento e divulgação da diversidade cultural, religiosa, de gênero, social.

 

O conhecimento é produzido pela interação entre estudantes e professores(as). É por isso que o Estado brasileiro e suas instituições públicas são laicas: para assegurar os direitos de todas e todos. Ser laico não significa ser ateu ou agnóstico. Ser laico é defender que a religião não deve ter ingerência nos assuntos de Estado. Essa ideia foi responsável pela separação moderna entre a Igreja e o Estado e ganhou força com a Revolução Francesa (1789-1799).

 

É preciso ter a clareza de que não existe religião oficial do Brasil. Nosso País é plural em todos os sentidos, sobretudo na religiosidade, logo não deve abrir nenhuma exceção para que nenhuma religião se torne majoritária. Assim, quando um(a) professor(a) utiliza a hierarquia para estimular o preconceito, a hostilidade e a exclusão, ele constrange pessoas, impõe uma relação autoritária e intimidatória e, além de ferir a liberdade de manifestação e de pensamento, impede a geração de conhecimento, bloqueia o aprendizado e cria uma sociedade excludente e tacanha.

 

Infelizmente, a laicidade do Estado brasileiro está em xeque-mate. Com uma bancada evangélica de mais de 200 deputados federais e oito senadores, muitas pautas cidadãs, como, por exemplo, a questão do casamento homoafetivo, dos direitos reprodutivos da mulher, dentre outras, encontram barreiras porque esses parlamentares não separam o Estado da religião.

 

Essas pessoas que pleiteiam esses direitos são contribuintes, pagam seus impostos, mas não têm direito à isonomia, do ponto de vista do poder, quando esse poder se entremeia com a questão religiosa. Até o Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo contaminado por essa doutrinação religiosa. A prova disso são os discursos do presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) nos quais ele diz que vai indicar para as vacâncias de ministros do Supremo, juristas “terrivelmente evangélicos”. Isso é muito perigoso do ponto de vista da segurança dos direitos de todos e todas.

 

O Estado laico promove a separação entre Estado e religião. A partir da ideia de laicidade, o Estado não permitiria a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria uma ou algumas religiões sobre as demais. O principal objetivo do Estado laico é tratar a todos e todas, cidadãos e cidadãs, com igualdade, independentemente de sua escolha religiosa, garantindo e respeitando a liberdade de credo de cada um e cada uma.

(*) Márcia Gilda Moreira Cosme é professora da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal e diretora do Sinpro-DF.