ARTIGO | O que simula o chocolate no Dia Internacional das Mulheres?

* por Mônica Caldeira

 

Certa vez, numa escola, uma professora disse: “Eu recebi chocolate do mesmo homem que gritou comigo no conselho de classe”. Ela se referia ao Dia Internacional da Mulher.

É muito curioso o que fazem da nossa história quando não estamos nela! O Dia Internacional das Mulheres é uma data de lutas. Foram várias as manifestações de mulheres organizadas por melhores condições de trabalho e pelo fim do trabalho infantil no final do século 19 e início do século 20. Por exemplo, a greve na Rússia em 1917 das mulheres tecelãs contra más condições de trabalho, movimento que ficou conhecido como “Pão e Paz”.

Embora tenha sido em 1910, no 2º Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague (Dinamarca), que a alemã Clara Zetkin propôs a criação de um Dia Internacional das Mulheres; foi apenas em 1975 – 65 anos depois – que a ONU (Organização das Nações Unidas) incluiu o 8 de Março em sua agenda oficial.

Mas o “Dia das Mulheres” já havia sido cunhado no imaginário feminino desde 1903, quando surgiu a Liga Sindical Feminina, estruturada por mulheres socialistas, sufragistas e profissionais liberais norte-americanas. No último domingo de fevereiro de 1908, mulheres dessa organização fizeram uma manifestação batizada de “Dia da Mulher”, em que reivindicavam o direito ao voto e melhores condições de trabalho.

Ou seja, o 8 de Março, que, para muitos, é simbolizado por chocolates, corações e flores, relacionando a data a uma mulher que suporta tudo e todos, uma mulher incansável que cuida e trabalha fora, uma mulher resiliente que convive com a dor da vida feminina e por isso é chamada de guerreira, é, na verdade, a soma de décadas de luta e organização de mulheres pelo mundo por cidadania, dignidade, respeito, trabalho e renda. O paradoxo perfeito da mulher doce, meiga, frágil, sensível que a comercialização da data criou para o Dia Internacional das Mulheres.

Nesse cenário, não é de se esperar que aquele professor que gritou no conselho de classe para ser considerado; aquele que, em vez de usar argumentos, preferiu utilizar um poder socialmente construído – a naturalização da violência masculina para se impor contra mulheres tanto em casa quanto no trabalho -; que ele saiba do que se trata o Dia Internacional das Mulheres. Nem mesmo o diretor da escola, que passou a cesta de chocolates para os homens e solicitou que estes escolhessem para qual mulher iriam dar um chocolate, nem mesmo ele compreende.

E é bem provável que a própria professora não tenha vinculado ainda a data com a história das mulheres organizadas. Porém, ela, mesmo sem saber, sentiu. E ao sentir, ela contou para outra mulher, porque sentiria com ela. E assim, sentindo, nomeando e desconstruindo, as mulheres vão se organizando desde sempre. Pois, “eis o caráter trágico das tecnologias de gênero: não precisa ter consciência para que elas promovam seus efeitos” (Zanello, 2018).

É essa alusão que o 8 de Março traz ao mundo, a capacidade de transformação a partir do movimento de mulheres organizadas, desconstruindo opressões e explorações naturalizadas.

“Chocolates” são bem-vindos. Mas não para soprar a ferida do assédio ou para sintonizar um grito de cale-se. E sobretudo, eles não adoçam o amargo da hipocrisia a despeito de uma consideração que não alcança a dignidade humana – o ser e estar no mundo com igualdade. Longe de amansar mulheres, que “chocolates”, no mínimo, encham de energia uma mulher com dedo em riste para o machismo e a misoginia, no 8 de Março e na vida.

 

* Mônica Caldeira é coordenadora da Secretaria de Mulheres do Sinpro.