Antipatriotas de verde e amarelo

O primeiro de maio deste ano, segundo ano da pandemia do novo coronavírus, teve uma componente diferente em relação a anos anteriores recentes, com a presença de manifestantes fantasiados de verde e amarelo ostentado na camisa da Seleção da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Manifestações em defesa do governo Bolsonaro, responsável por geração de recordes de desemprego e pela condição brasileira de risco sanitário para o mundo. Tentam ressiginficar a data desconstruí-la, descaracterizá-la e desqualificar a luta histórica da classe trabalhadora pelo direito à vida, ao salário e condições de trabalho dignos, à jornada humanizada de trabalho, entre outras lutas. É preciso pôr os pingos nos is da história e desmascara o objetivo real das manifestações bolsonaristas.

O dia 1º de Maio, Dia da Trabalhadora e Trabalhador é celebrado em memória de dezenas de trabalhadores assassinados, em 1886, pela polícia de Chicago, por participarem de uma grave que exigia 8 horas de trabalho em substituição às 12, 14 ou mais horas a que estavam submetidos, além de exigências por melhores condições de trabalho. O 1º de Maio é, portanto, uma data de celebração da resistência de trabalhadoras e trabalhadores por empregos decentes, condições dignas de trabalho e respeito ao direito de poder usufruir da riqueza produzida pela própria classe trabalhadora. Por isso, o espetáculo deprimente de pessoas fantasiadas de defensores da pátria é uma afronta cruel à memória de mulheres e homens que protagonizaram os avanços nos direitos para classe trabalhadora.

Segundo dados oficiais o Brasil registra cerca de 14,4 milhões de desempregados/as, 30 milhões de pessoas desalentadas ou submetidas a empregos precários. Dados do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (USP), divulgados em abril, indicam que 61,1 milhões de pessoas passaram a viver, no governo Jair Bolsonaro, na situação de pobreza, em 2021, no Brasil, e 19,3 milhões, foram para a extrema pobreza. Some-se a esta situação a perda notificada de mais de 410 mil vidas, em apenas 13 meses, em decorrência das opções negacionistas e desprovidas de empatia promovidas pelo governo federal. Ações seguidas e sustentadas por diversos governantes locais, parlamentares das três esferas do governo, e vários representantes do Judiciário. Realidade que evidencia genocídio de grande parte do povo brasileiro, empobrecimento da classe trabalhadora com retorno do País ao Mapa da Fome Mundial, destruição de direitos sociais e trabalhistas conquistados historicamente e formalizados na Constituição de 1988.

Cenário caótico e cruel em que os primeiros a serem atingidos são as trabalhadoras e trabalhadores em condições mais vulneráveis social e economicamente são os/as primeiros/as a serem afetados/as, situação que, rapidamente, estende-se a todas e todos que não são detentores do grande capital, que determina quais ações devem ser priorizadas. Nessa perspectiva da relação capital versus trabalho, o lucro se impõe em relação à manutenção de vidas humanas, entendidas como ferramentas, até certo ponto, substituíveis na produção de riqueza concentrada.

A partir dessa compreensão, é preciso apontar para o fato de que a pandemia explicitou a contradição entre concentração de riqueza e preservação da vida, a reafirmação de que a democracia brasileira está sob ameaça autocrática e a constatação de que uma parcela significativa da população brasileira é violenta, obscurantista e despreza a dor de milhões de famílias que perderam pessoas queridas por causa de um discurso negacionista do Presidente da República. Todavia, é preciso sublinhar que a pandemia também revelou o potencial de solidariedade real e de empatia profunda que vive em outra parcela da sociedade brasileira. Solidariedade evidenciada na luta coletiva contra a fome, pela vacinação para todas e todos, pelo recolhimento e distribuição de alimentos em conjunto com a luta pelo auxílio emergencial, o compartilhamento de informações científicas sobre a necessidade de medidas sanitárias individuais e coletivas a serem adotadas. Contudo, se o potencial de solidariedade de parcela significativa da população brasileira produz esperança, o discurso negacionista, potencializado pela falsa dicotomia entre vida e economia, produziu até agora a morte de mais de 410 mil pessoas só de Covid-19, fora outras mortes por causa de doenças decorrentes da fome e da miséria. O resultado das mortes são centenas de milhares, talvez milhões, de pessoas dilaceradas pela dor da perda, pela perda dos seus amores, pelos amores transformados em saudade e, no geral, dores transformadas em mais dificuldades financeiras porque, muitas vezes, foram os/as provedores/as do lar que partiram com a Covid-19.

Se a vida de todas as pessoas importa e, todas as vidas importam, como é possível não se comover e se indignar diante de tantas vidas perdidas? A política baseada na escolha de que vida é descartável, de qual o limite para almejar viver, que trata com escárnio as dores de perdas que poderiam ser evitadas, que invisibiliza pessoas marginalizadas e marginaliza quem ousa questionar, não é uma política da vida, por isso, precisa ser derrotada e superada. Os indivíduos que se fantasiaram de verde e amarelo no dia 1º de Maio para defender Bolsonaro e seu governo promotores desta política genocida, demonstraram desrespeito não só, unicamente, com o sangue derramado por homens e mulheres responsáveis por conquistas importantes para classe trabalhadora, mas, desrespeitaram a memória de trabalhadoras e trabalhadores, que, nestes tempos atuais de pandemia, morrem por causa da fome, do desemprego, da violência armada do Estado e de milícias assassinas e corruptas, pela falta de investimentos em políticas sociais, pela falta de vacina.

O verde e amarelo ostentado nas camisas da CBF talvez represente bem os tempos atuais em que a ganância de madeireiros destroem a floresta amazônica sob a proteção do governo federal, em que as águas do litoral são poluídas enquanto o Presidente utiliza argumentos de teorias da conspiração, os céus do País são inundados pelas queimadas do Pantanal Mato-Grossense sob os olhares desatentos do governo de Bolsonaro, enquanto isso, a maior riqueza, do Brasil que deveria ser seu povo, segue assistindo a evitável perda de mais de 400 mil vidas pela Covid-19. A camisa da CBF vestiu antipatriotas conscientes, talvez algumas pessoas iludidas pelas mentiras compartilhadas pelas redes sociais. Contudo, independentemente do grau de consciência, demonstraram a profunda insensibilidade e falta de empatia que atinge uma parte considerável da sociedade brasileira e a urgência de constituirmos uma sociedade pacificamente intolerante com a injustiça social capaz de se insurgir contra a política que produz a morte e a economia que se afirma acima da preservação e respeito à vida.