Análise sobre o Projeto de Lei de Conversão (PLV) N° 34/2016, que trata da reforma do Ensino Médio

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Em 30/11/16, a CNTE emitiu nota pública sobre o relatório do relator Pedro Chaves (PSC-MS) acerca da Medida Provisória nº 746. Nesta mesma data a Comissão Especial Mista do Congresso votou o relatório do relator, que agora se encontra na Câmara dos Deputados para votação em plenário. Após encerrada a votação na Câmara, a matéria retorna ao Senado para ser votada também no plenário da Casa.
Vale destacar que a MP 746 teve sua vigência prorrogada pelo Congresso Nacional, nos termos do § 7º do art. 62 da Constituição Federal, por mais 60 dias, devendo esse prazo se exaurir no início de março de 2017, uma vez que não se computa na prorrogação o período do recesso parlamentar.
Consta da pauta da Câmara dos Deputados, de 7/12/16, a votação do PLV 34, decorrente da MP 746, sendo que a CNTE e as entidades contrárias à MP estão mobilizadas no sentido de pedir o adiamento da votação e a ampliação do debate parlamentar sobre temas polêmicos da proposta contida no relatório da Comissão Mista que deu origem ao PLV 34, entre os quais destacamos:
1. Flexibilização do direito à educação básica universal (conceito da MP 746 e do PLV 34, combinado com o art. 36, §§ 6º, II e 11): a redução da parte geral de conhecimentos proposta para os estudantes do ensino médio das escolas públicas, em comparação aos das escolas privadas, constituirá verdadeiro apartheid socioeducacional com implicações nas condições de acesso às universidades públicas, onde os mais prejudicados serão os estudantes da rede pública. Está se institucionalizando no Brasil dois tipos de escolas: uma para os ricos e a classe média mais abastada, que podem pagar os colégios de alto padrão; e outra para os pobres, focada na formação reducionista, inclusive do ponto de vista da parte técnica-profissional, com a adoção de métodos à distância que poderão aproveitar quaisquer cursos, experiências e atividades do educando, sem a devida problematização da formação escolar.
2. Carga horária geral do ensino médio (art. 24, § 1º): o aumento da jornada diária para 5 horas, em até cinco anos, está longe da perspectiva de implementação da escola integral em tempo integral reivindicada pela sociedade para toda a educação básica, inclusive na etapa do ensino médio. O PLV 34, portanto, é duplamente restritivo ao excluir a educação infantil e o ensino fundamental desse compromisso, e de alongar demasiadamente a obrigatoriedade do aumento da jornada do ensino médio para 5 anos, num contexto em que a maioria das redes privadas e parte dos entes públicos já a praticam.
3. Carga horária para aplicação da Base Nacional Comum Curricular (art. 35-A, § 4º): o texto original da MP 746 previa até 1.200 horas para a BNCC e o PLV 34 dispõe de até 1.800 horas. No cenário atual, onde a carga horária total do ensino médio é de 2.400 horas (em três anos), o limite proposto para a BNCC pode chegar a 75% desse tempo. Porém, quando a jornada escolar do ensino médio for ampliada para 1.000 horas anuais (3.000 no total), esse percentual não poderá passar de 60% do total do curso, podendo até ser menor. Já na projeção para a escola de tempo integral (1.400 horas anuais e 4.200 no total), as 1.800 horas propostas no PLV 34 limitará o currículo da BNCC a menos da metade da carga horária do ensino médio (42,8%), podendo.
4. Obrigatoriedade de disciplinas curriculares (art. 26 e art. 35-A): embora o PLV 34 retome a obrigatoriedade das disciplinas de Artes e Educação Física, continuam excluídas do currículo a Sociologia, a Filosofia e a Língua Espanhola. As duas primeiras são essenciais para a formação humanística e cidadã dos estudantes e a língua espanhola, não obstante a importância do inglês, cumpre o objetivo de ampliar os canais de integração regional, especialmente nos estados que fazem fronteira com os países de colonização espanhola. Por outro lado, a obrigatoriedade apenas da Matemática e da Língua Portuguesa ao longo de todo o ensino médio não disfarça o caráter instrumental que a MP 746 pretende aprofundar do currículo do ensino médio, focando a formação dos jovens para os testes de proficiência nacional e internacional e para as demandas essenciais do “mercado de trabalho”.
5. Sistema de crédito de disciplinas (art. 36, § 10): essa experiência trazida dos Colleges americanos requer acompanhamento sistemático dos estudantes por equipes de profissionais que não existem nas escolas públicas brasileiras. Tal como se encontra no PLV 34, o sistema de crédito fragmenta e compromete o aprendizado estudantil, possibilitando, ainda, camuflar os índices de evasão escolar, pois basta o estudante estar matriculado numa única disciplina (cursando-a ou não, efetivamente) para ter considerada a sua matrícula ativa.
6. Ampla certificação de competências (art. 36, §§ 8º e 11 da LDB): um rol extenso de cursos e atividades extracurriculares, muitos sem a devida problematização escolar, é considerado para a certificação de saberes dos estudantes, incentivando o aligeiramento da formação.
7. Expansão da privatização do ensino médio (art. 36, § 11 da LDB, art. 10, XVIII da Lei 11.494 – Fundeb e art. 10 do PLV 34): os entes públicos ficam autorizados a repassar recursos públicos para escolas e instituições privadas que ofertarem cursos técnico-profissionais, sobretudo através da rubrica do Fundeb. O MEC, por sua vez, poderá financiar emissoras privadas de rádio e televisão que transmitirem programas e ações educacionais do tipo Telecursos. Portanto, a reforma cria novos “ralos” para as verbas públicas educacionais.
8. Oferta de itinerários formativos específicos (art. 36, § 3º da LDB): embora a redação do PLV 34 considere a possibilidade de os sistemas poderem compor itinerários formativos integrados entre a BNCC e a parte diversificada do currículo, faz-se necessário garantir que em todas as unidades da federação os estudantes tenham acesso a todos os itinerários previstos na legislação.
9. Amplia a precarização da formação docente (art. 61, IV e V da LDB): o PLV 34 vai na contramão das recentes políticas de valorização do magistério e dos demais profissionais da educação que propiciaram a aprovação do piso do magistério, a profissionalização dos funcionários e a formação inicial e continuada dos profissionais da educação (PIBID, Plataforma Freire, Plafor etc) como forma de atrair a juventude para a profissão e de manter os atuais profissionais. De forma equivocada, o PLV 34 opta por flexibilizar a formação do magistério, descaracterizando e desvalorizando a profissão docente no país e os cursos de Licenciatura e Pedagogia. Ao invés de atacar os problemas da falta de professor/a, sobretudo para áreas de exatas, biologia e língua estrangeira, opta-se por meio da valorização profissional, o PLV 34 sugere institucionalizar uma regra de exceção, qual seja, a capacitação aligeirada de bacharéis de diversas áreas para ser professores, inserindo esses profissionais e mais os de “notório saber” – totalmente sem habilitação pedagógica – no rol do art. 61 da LDB que trata dos “profissionais da educação”. Uma verdadeira afronta aos profissionais habilitados para o magistério e à perspectiva de valorização da educação e da escola pública por meio de profissionais valorizados e com jornada única nas escolas ou nas redes de ensino.
Mesmo com as considerações pontuais acima destacadas, a CNTE mantém posição de suspender a tramitação da MP 746 (PLV 34), em função dos vícios de origem, de forma e de conteúdo que situam a reforma do ensino médio no contexto de uma reforma neoliberal mais ampla do estado brasileiro, que desconsidera as metas do Plano Nacional de Educação e o direito de todos os estudantes, indiscriminadamente, de terem garantido o acesso, a permanência e a conclusão da educação básica, pública, gratuita, democrática, laica e de qualidade socialmente referenciada.
Brasília, 7 de dezembro de 2016
Diretoria Executiva da CNTE