A quem interessa o voto impresso?

Há 25 anos o Brasil entrava na era do voto digital. Em 1996, primeira experiência brasileira com o novo modelo, mais de 32 milhões de brasileiros de 57 cidades com mais de 200 mil eleitores, incluindo 26 capitais (com exceção do Distrito Federal, que não elege prefeito), votaram em 77.969 urnas eletrônicas. De lá para cá, o aparelho passou por constantes aprimoramentos em seus componentes de software, sempre seguindo a evolução tecnológica, objetivando fortalecer as barreiras de segurança e a possibilidade de entregar, aos(às) milhões de eleitores brasileiros, um instrumento de fácil manejo no momento do voto e, principalmente, extremamente confiável.

Mas o que para milhões de brasileiros é, de fato, um caminho sem volta, principalmente pelo avanço no sistema de voto e pela confiabilidade que a urna eletrônica tem, para o presidente Jair Bolsonaro o voto eletrônico é suscetível a fraude. Seria, no mínimo, curioso um político que se beneficiou deste “sistema fraudulento” por 30 anos falar, agora, que um aparelho referendado por diversos órgãos de controle e de segurança não traz confiabilidade. Há quem interessa esta falácia?

Com os últimos resultados das pesquisas eleitorais, o que comprovou o aumento da reprovação de seu governo por parte da opinião pública, e diante de todo retrocesso praticado ao longo destes três anos de desgoverno, Jair Bolsonaro vê a possibilidade cada vez mais eminente de ser expulso do Palácio do Planalto pelo voto popular. O temor de Bolsonaro aumenta ainda mais depois das últimas pesquisas, que apontam a vitória do ex-presidente Lula em todos os cenários.

Diante da derrota cada vez mais próxima, o voto impresso é a tentativa do atual governo de contestar a eleição antecipadamente. Fazendo declarações fantasiosas e sem qualquer tipo de respaldo com a realidade, Bolsonaro tenta criar o caos e estimular a desconfiança sobre o sistema eleitoral pelo qual ele tem sido eleito há três décadas.

Para o professor e cientista político Carlos Melo, mesmo tendo perdido essa batalha política, Bolsonaro usa a estratégia de deslegitimar a eleição de 2022 para o caso de ser derrotado nas urnas, e se apropria do argumento de que faltaria transparência no sistema eleitoral brasileiro, o mesmo que o conduziu ao mandato em 2018. “O presidente está jogando. Ele está preparado para ter o voto impresso e para não ter o voto impresso. Ele constituiu uma narrativa e seus eleitores acreditam nisso. A questão é: qual é o resultado que sairá das urnas? Ele vai contestar porque faz parte da estratégia dele”, diz.

A mesma artimanha foi utilizada pelo ex-presidente norte-americano, Donald Trump. Após constatar sua derrota para Joe Biden, Trump passou a contestar o resultado alegando fraude, fato que incentivou manifestantes a invadirem o Congresso americano no dia 6 de maio, em um episódio que acabou com cinco pessoas mortas.

 

Possibilidade de fraude eleitoral

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que, caso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 135/2019 seja aprovada pelo Congresso Nacional, a adoção do voto impresso representa o retorno das fraudes no processo eleitoral. Segundo o ministro, 25 anos após a implementação do voto eletrônico no país, jamais se registrou um caso de fraude eleitoral que fosse documentado e comprovado.

“O discurso de que ‘se eu perder houve fraude’ é um discurso quem não aceita a democracia”, disse Barroso, complementando que “em 2014, o candidato derrotado pediu auditoria e o próprio partido reconheceu que não houve fraude. Nunca se documentou fraude. No dia que se documentar, a Justiça Eleitoral vai apurar imediatamente. Ninguém tem paixão por urnas, mas sim por eleições livres e limpas”.

Em nota, ex-presidentes do Tribunal Superior Eleitoral desde 1988 (TSE) defendem o modelo de eleições no Brasil e afirmam que “a contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil”. A nota lembra ainda que a urna eletrônica é usada nas eleições desde 1996 e nunca houve fraude. “Jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições. Nesse período, o TSE já foi presidido por 15 ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao longo dos seus 25 anos de existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas de segurança”, dizem os ministros.

 

Estratégia para caso de derrota

Acima da questão de segurança do sistema eletrônico, estão, na verdade, além de uma ação para desviar a atenção dos(as) brasileiros(as) de outros fatos políticos, a estratégia de levantar dúvidas para o caso iminente, segundo as pesquisas eleitorais, de Jair Bolsonaro ser derrotado nas urnas. No caso, especificamente pelo ex-presidente Lula, principal inimigo político do capitão.

Há tempos, Bolsonaro acusa, sem qualquer tipo de provas, que a urnas eletrônicas não são confiáveis e que as eleições no Brasil são fraudadas. Apesar de todas as acusações de fraude, Bolsonaro não apresentou qualquer tipo de provas de que o sistema pode ser burlado. O jurista e ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, lembra que em 2018, quando ele foi eleito, o capitão chegou a afirmar que apresentaria provas de fraude, já que acreditava que seria eleito no primeiro turno. Não apresentou e, posteriormente, disse que não era obrigado a provar. “Isso caracteriza uma intenção de desviar a discussão política”, diz Aragão. 

Bolsonaro tem sido centro de várias denúncias, não somente sobre corrupção e irregularidades na compra de vacinas, como no escândalo das rachadinhas no Rio de Janeiro, que envolve seu filho, hoje senador, Flavio Bolsonaro, que à época era deputado estadual. Áudios revelados recentemente mostram envolvimento direto do presidente no caso.

Para tentar aprovar o voto impresso no Congresso Nacional, Bolsonaro recrutou uma de suas fieis escudeiras, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) para empurrar goela abaixo da sociedade brasileira a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 135, ainda em setembro de 2019, que inclui o sistema impresso no processo eleitoral. Parada desde então, a PEC voltou a ser debatida na Câmara. Foi para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pela própria Bia Kicis, após a formação de uma comissão especial para analisar o tema, em maio deste ano.

Diante de tudo isto, todo este discurso de fraude, de insegurança com o sistema eleitoral, interessa, única e exclusivamente, a Jair Bolsonaro, que, na tentativa de implantar a dúvida na população brasileira, terá terreno fértil para plantar a semear a dúvida de uma derrota cada vez mais visível. O que está em jogo é o respeito à democracia e às escolhas da população sobre quem deve governar o país.

 

Para saber um pouco mais sobre o tema, assista a entrevista com o servidor da Justiça Eleitoral do TRE do Rio Grande do Sul, Edson Borowski, sobre a importância das urnas eletrônicas para o processo eleitoral e para a democracia do Brasil. Quem entrevista é a secretária de Comunicação da CUT-DF, Ana Paula Cusinato.

Clique aqui e confira a entrevista na íntegra.  

 
 

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