A prioridade da vacina

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 Quando o primeiro caso de Covid-19 se confirmou no Brasil, em 26 de fevereiro de 2020, boa parte dos países já tinha alguma experiência no enfrentamento ao vírus. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estabeleceu suas recomendações com base nessas experiências e pesquisas científicas, e o mundo iniciou uma corrida contra o tempo para desenvolver e produzir vacinas.

Porém, no Brasil de Bolsonaro, a política reinante, desde o começo, foi a de subestimar o potencial destruidor do vírus, mandando milhares e milhares de pessoas para os braços do contágio e da morte. O presidente desaconselhou o uso de máscaras de proteção, fez questão de gerar aglomerações e combateu políticas de distanciamento e isolamento social. Da mesma forma, apresentou uma proposta de auxílio emergencial quase simbólica (apenas R$200, aumentada pelo Congresso Nacional para R$ 600 por ação dos partidos de esquerda) e usou expressões como “gripezinha”, “não sou coveiro” e “e daí?” para se referir à pandemia que aterrorizava o planeta inteiro.

O resultado, um ano depois, são mais de 330 mil pessoas mortas por Covid-19 e sistemas de saúde em colapso por todo o país. Em janeiro, a tragédia de Manaus, com pessoas morrendo sem oxigênio nos hospitais, foi o triste marco inaugural de uma segunda onda, mais avassaladora, da doença.

Nesse período, o Brasil trocou de Ministro da Saúde três vezes, sendo que 4 dos 12 meses, Pazuello dirigiu a pasta interinamente. Bolsonaro buscou, nesse tempo todo, alguém que legitimasse sua política genocida de não investir em vacina, de desdenhar dos protocolos de segurança e de estimular o uso de um “tratamento precoce” que não apenas não tem eficácia comprovada como apresenta efeitos adversos graves comprovados.

A realidade atual de sistemas de saúde em colapso, e curvas de contágio, internações e mortes em alta contrasta com a tradição positiva de um país que criou o SUS, o SAMU, o PNI. A erradicação de doenças como a varíola e a poliomielite através da imunização, ou mesmo, na situação mais recente, o enfrentamento à H1N1, em 2010 – quando o Brasil vacinou, em três meses, mais de 92 milhões de pessoas.

Sem vacinas

Num contexto de terror como esse, evidente que o Brasil não se preparou para adquirir vacinas e promover a imunização da população. Assim, Bolsonaro tentou boicotar os esforços do Instituto Butantan em parceria com a empresa chinesa Sinovac, e recusou a oferta da Pfizer de 70 milhões de doses, feita em agosto de 2020 – o prazo garantiria à farmacêutica a possibilidade de começar a entregar as vacinas ainda em dezembro/2020.

O Brasil só começou a comprar vacinas quando boa parte dos países do mundo já iniciava o processo de imunização. Tendo como legado do SUS o Programa Nacional de Imunização (PNI), uma experiência vitoriosa que é referência internacional, o país poderia estar muito à frente nesse processo. Mas… faltam vacinas.

Até agora, o país vacinou cerca de 9% da população (pouco mais de 19 milhões de pessoas). O envio de doses para os estados e municípios é irregular e em quantidades pequenas. Recorrentemente o Governo Federal atrasa o cronograma que ele próprio propôs. Das quatro vacinas autorizadas pela Anvisa para uso em território nacional, apenas duas estão em uso efetivo no Brasil no momento, por conta da demora do Governo Federal em efetuar a compra das demais: as da Pfizer e da Janssen chegam somente no segundo semestre.

“Vacina pouca, meu braço primeiro”

Após a imunização dos profissionais da Saúde – que era um amplo consenso social, pelo papel que esses trabalhadores vêm desenvolvendo na linha de frente do enfrentamento da pandemia -, vemos os pedidos de diversas categorias de trabalhadores em se colocarem como a próxima prioridade na escassa vacinação.

Professores e trabalhadores da Educação, pressionados para o retorno às aulas presenciais; rodoviários, cujos ônibus vivem lotados; bancários, já que agências são grandes focos de transmissão; trabalhadores dos Correios, que não deixaram de cumprir suas atividades desde o início da pandemia; trabalhadores da limpeza urbana; caminhoneiros; trabalhadores terceirizados de limpeza e segurança, muitos deles atuando em hospitais; motoristas por aplicativos; jornalistas, que estão diariamente nas ruas realizando seus trabalhos e entrevistando pessoas; comerciários, na dança irregular do abre e fecha das atividades econômicas; etc.

Todos os pleitos são legítimos. E o desejo da urgência de vacinação leva à pressão das categorias aos seus sindicatos por lutar pela prioridade. Essa é uma armadilha difícil de evitarmos.

A pressão exercida pelas categorias aos sindicatos e as ações que essas entidades representativas realizam pelo reconhecimento de prioridade específica estimulam a aceitação da naturalidade da pouca disponibilidade da vacina para a população brasileira. E assim trava-se uma “guerra” entre trabalhadores para a busca de melhores condições para uma parte específica da sociedade em detrimento de outra.

A nossa reivindicação deve ser por vacina já para todos e todas, para que o Governo Federal acelere as compras e os governos dos estados e do DF efetuem as compras diretas, conforme a lei os autoriza. Também devemos defender a quebra de patentes das vacinas já desenvolvidas. Quebrar as patentes para a produção de vacinas no mundo é uma luta que pode garantir que os imunizantes ao COVID-19 sejam produzidos e distribuídos de forma justa e acessível a toda humanidade.

O Brasil não superará a Covid-19 enquanto não houver uma política séria de aquisição de vacinas e imunização em massa da população. Se o processo seguir no ritmo atual, a passos tão lentos, ninguém estará protegido, nem mesmo os primeiros da fila. A prioridade deve ser vacina, para todas e todos, já!

por Rodrigo Rodrigues, professor de História da SEDF e presidente da CUT-DF