A positividade do povo negro Brasileiro: afirmando valores
Ao longo da História, nós, seres humanos, utilizamos dualismos para explicar nossa existência, como, por exemplo, ying e yang, positivo e negativo, bem e mal, céu e inferno, enfim, nomeamos mocinhos e bandidos para justificar nossas práticas. No que diz respeito aos povos negros, em muitas ocasiões, existem associações a temas negativos, seja a escravização de povos africanos, seja a pobreza, sejam as guerras civis que assolam os países africanos – fruto da interferência dos países europeus nos territórios onde existem etnias diferentes. Em contrariedade a essa perspectiva, este texto tem a intenção de abordar as questões dos povos negros saindo das bandeiras de luta contra o racismo e contra a discriminação, ao deixar de lado o sério debate se há ou não mocinhos e bandidos na História da humanidade. Logo, o foco será uma característica importante das etnias descendentes dos africanos: a alegria.
A alegria inerente a qualquer ser humano nos primórdios da humanidade ao nascer um filho soava como algo essencial a qualquer grupo humano. A grande alegria quando os cientistas ( arqueólogos, historiadores, biólogos) elaboraram a teoria de que os primeiros seres humanos teriam surgido no sudeste da África, frustrando os racistas de plantão ( prometi que não iria falar do triste e sério debate sobre o racismo, mas não resisto), mostrou que, querendo ou não, somos todos, em nossa origem, descendentes de africanos. Festas cerimoniais africanas cultuavam o nascimento (ou renascimento), o culto à comunidade, não só a desse mundo, mas a comunidade do outro mundo, os espíritos que guiavam os vivos. Cultuar os mortos, portanto, é uma importante característica dos povos africanos, sobretudo os povos da região do Congo e da Angola.
As rodas ou círculos parecem, a princípio, uma reunião de pessoas conversando sobre um assunto qualquer. Entre nós, ocidentais, no entanto, o círculo é utilizado, principalmente, como símbolo de igualdade entre as pessoas, seja numa reunião, seja em sala de aula. Mas entre muitas etnias africanas o círculo representa um momento de alegria e comunhão, pois é em círculo que os mais velhos passam aos mais jovens a História de seu povo, dos grandes feitos, dos grandes reis e guerreiros. Disso surge outra alegria do povo africano: a não utilização da língua escrita. Ao sair dos padrões comunicativos da nossa sociedade, percebemos que as sociedades pelo mundo se organizam e constroem conhecimento de formas variadas. A fala e a escrita, em nossa organização, andam juntas, mas perceber que na maioria das etnias da África na há escrita nos traz a alegria de que nosso mundo não é certinho, pois a alegria também está na descoberta de novas maneiras de pensar o mundo.
A África, durante séculos, foi palco da maior imigração forçada da História. Dez milhões de africanos foram retirados de sua terra e levados para a América para trabalhar como escravos. Relatar essa passagem da História mundial, apesar de triste, remete à alegria de desmitificar algumas questões da escravidão africana, como, por exemplo, a escravidão que existia no continente africano antes da chegada dos europeus. Os escravos, entre várias etnias da África Central e Sul, eram pessoas que trabalhavam, tinham dono, mas eram da parte da comunidade, tinham seu papel, não eram meros objetos ou instrumentos, como se imagina quando há referência à escravidão no continente americano. Mais uma vez voltamos às questões suscitadas anteriormente. Apesar de escravizados, os africanos nem sempre foram os mocinhos da História, como qualquer ser humano. Eles são pessoas de seu tempo e de sua sociedade.
A musicalidade é uma outra marca da alegria dos povos negros. A utilização de percussão é importantíssima para pensarmos os ritmos musicais brasileiros. Mas não só de tambores vive a musicalidade africana. Harpas e instrumentos de sopro também eram produzidos pelos povos africanos. O chorinho, por exemplo, é um ritmo que teve influência dessa vertente musical africana. Igualmente, a musicalidade brasileira é um mosaico de influências, uma bela junção da cultura européia e africana. Assim, a mistura cultural é uma bela coisa de se ver, ouvir e sentir. O risco de cair em lugares comuns quando se fala da música brasileira é grande. Contudo, não citar o samba soa quase como uma blasfêmia. O ritmo que surgiu no início o século XX é uma das marcas da cultura brasileira, mas temos que ter o bom senso de pensar que o Brasil não é feito só de mulheres bonitas, futebol e carnaval. A diversidade cultural brasileira, para nossa alegria, vai do Calipso, em Belém, e a festa do Boi, em Parintins, no norte do país, passando pelas festas juninas e maracatus no Nordeste, até a cultura de grande influência européia no Sul do país. Por isso, não resistimos a este velho clichê: “viva a diversidade brasileira”.
Ao assistirmos a um filme, torcemos pelo mocinho e, ao final, ficamos com a alegria do triunfo do bem contra o mal. Ao estudar a História dos povos africanos, vivemos esse dilema de torcer pelos mais fracos, “os mocinhos”, os africanos. Um exemplo disso é a vitoria dos etíopes que rechaçaram a invasão de seu território por tropas italianas na segunda metade do século XIX. Que maravilha. Depois de tantos massacres realizados por franceses, holandeses, ingleses e alemães no continente africano, os italianos perderam uma batalha contra africanos. Que alegria. E a alegria do conhecimento, do esclarecimento. Pensar mocinhos e bandidos na História da África é fácil, difícil é se desvencilhar dos anacronismos inerentes a cada um de nós. Como se pôr no lugar do outro em algum lugar do passado, se não conseguimos isso no presente?
A alegria das danças afro, da capoeira (apesar de ter sua origem na escravidão), a alegria das cotas nas universidades (alegria para quem?), enfim, nossa sociedade precisa repensar sua imagem, associar o povo negro à sua alegria, do carnaval, na Bahia ou no Rio de Janeiro. Apesar do sofrimento histórico, o Brasil é o Brasil porque aqui há alegria de viver herdada do povo do outro lado do oceano Atlântico.
Por Fábio dos Anjos – Professor de História do CEF Myriam Ervilha/Maio/2011