A Mão da Limpeza

Por Carlos Fernandez*

Na 6ª feira (25.nov), um adolescente branco de 16 anos invadiu duas escolas no Espírito Santo, matou 3 pessoas –a 4ª vítima morreu no sábado. O jovem responderá por 10 tentativas de homicídio qualificado por motivo fútil,

O jornal O Estado de S. Paulo  divulgou nas redes sociais uma matéria sobre o ataque neonazista em uma escola de Aracruz, no Espírito Santo. A publicação foi feita neste sábado (26) e continha a imagem de mãos negras segurando uma arma. O assassino que invadiu a instituição de ensino e fez vítimas já foi identificado e é branco e usava símbolos nazistas durante o ataque.

 texto original: (https://www.poder360.com.br/midia/criticado-estadao-troca-foto-de-mao-negra-segurando-arma/)

O grupo do Jornal O Estado de São Paulo é uma empresa diletante que representa a classe dominante econômica brasileira. Na cidade de São Paulo, faz parte do pensamento aristocrático que permanece na elite tradicional paulistana. Portanto, não causa espanto uma mão negra segurando uma arma de fogo. Arma de fogo que é o principal símbolo do nazifascismo brasileiro, E como se sabe amplamente, a ideologia nazista é eurocêntrica e tem como um de seus alvos centrais, os povos afrodescendentes. É como se a direita liberal tentasse através da mão negra estampada na capa do referido jornal eletrônico, servisse para limpar a culpa dos verdadeiros responsáveis pelo clima de violência política instalado no pais nos anos recentes. Associar a violência aos negros é como se culpa a vítima na nossa história racial.

“Ao longo do século XVII podemos observar que a participação dos negros no Brasil colonial aconteceu a partir do momento em que a colônia portuguesa teve a necessidade de obter um grande número de trabalhadores para ocupar, em princípio, as grandes fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Com a já realizada exploração e dominação do litoral africano, os portugueses buscaram nos negros a mão de obra escrava para ocupar tais postos de trabalho no solo brasileiro. No Brasil, a força de trabalho dos negros foi sistematicamente orientada pela lógica da violência. Mesmo com a abolição da escravatura, as negras e negras ainda sofrem com o a condição de ser “a mão da limpeza” que asseia o que o branco deixa, O Estado brasileiro em sua fase monárquica permitiu a predação dos africanos, que foram sequestrados de suas famílias, através do sistema de escravidão implantado ao longo dos séculos. Em sua fase republicana, o Estado atua com outros tipos de estratégias institucionalizadas de dominação.  Seguindo os passos da historia brasileira, vê-se objetivamente, que a trajetória social do negro sempre foi retratada por muitos brilhantes (ou não) literatos nacionais, sendo esses, em sua imensa maioria, brancos. Há grandes discriminações para com os afrodescendentes no Brasil e no mundo. Os negros são as principais vítimas das maiorias dos casos de homicídios no país. Resquícios da mentalidade patriarcal escravocrata e branca do Brasil colônia, e disseminada no século XIX, fazem com que a imagem do negro ainda seja vista de maneira degenerada pela sociedade brasileira atual.”

www.Mafua.ufsc.br/2018 – A Mão da Limpeza: Trajetória negra na literatura

Jéssica Caroline Pessoa dos Santos

 (trechos adaptados)

Em de 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A ONU e suas convenções contemplam, de maneira incisiva, a obrigatoriedade do poder público em garantir a isenção na relação do Estado com todos os indivíduos.

A vigência de um regime democrático se materializa de acordo com alguns alicerces basilares para edificação do véu social. Entre esses direitos está o da igualdade. O Estado, por princípio de seu estabelecimento, deve tratamento equitativo a todos os seus cidadãos.

As práticas incessantes de privação de direitos elementares da população afrodescendente no Brasil são produzidas de forma a assegurar os privilégios sociais aos grupos dominantes etnicamente. Ao criar hierarquias sociais e processos de dominação, se estabelece e se restabelece, cotidianamente, o racismo estrutural neste país.

 O Estado no Brasil edificou-se nas relações entre escravistas e escravizados, A sua base civil de deu nas relações de desigualdade, primeiro entre negros e brancos e a posteriori, já na República, entre negras; negros; não-brancos; brancas; brancos;. Todos pobres. Uma perversa escala de valores sociais. Antes norteadas por ações diretas entre o opressor e o oprimido. Agora, no século XXI pós republica mediadas pelo Estado, Estado esse, plenamente apropriado pela classe e etnia dominante.

Uma sociedade é resultado direto da maneira como as pessoas constroem seus bens culturais. As fases de laboração de tal processo podem ser induzidas, mas tendem a fugir do controle em seus resultados. Um bom exemplo disso é o desenvolvimento da arte de resistência ao sistema.  Na música negra dos EUA e do Brasil. É o caso da arte de Gilberto Gil. Em 24 de novembro de 2022, o grande artista, gênio da raça (termo utilizado com muita justiça neste caso), foi emboscado, juntamente com sua companheira, nos corredores de um estádio de futebol ao assistir a uma partida da seleção brasileira durante a copa do mundo disputada no Qatar. Com provocações e ofensas tentaram intimidá-los. Gil é negro, sua música é negra.

Mesmo depois de abolida a escravidão
Negra é a mão
De quem faz a limpeza
Lavando a roupa encardida, esfregando o chão
Negra é a mão
É a mão da pureza

Negra é a vida consumida ao pé do fogão
Negra é a mão
Nos preparando a mesa
Limpando as manchas do mundo com água e sabão
Negra é a mão
De imaculada nobreza

 A mão da limpeza
(Gilberto Gil)

 

*Carlos Fernandez é bacharel em Sociologia e Ciência Política, licenciado em Pedagogia, mestre em Educação e diretor do Sindicato dos Professores no Distrito Federal.