A formação de professores da rede pública do DF na Pós-graduação: Qual agenda? Quais objetivos?

Em primeiro lugar, vejo o Coletivo “Mestres e Doutores da SEEDF” como mediação para a melhoria da Educação Básica pública do Distrito Federal, que implica em práxis (discussão/aprofundamento), articulado ao cotidiano de nossas escolas, da vida de docentes e da sociedade em geral. Participo desse Coletivo, com a devida consciência de quem faz parte da classe trabalhadora em antagonismo direto com a corporação dominante-dirigente. Minha oposição, portanto, não é contra a categoria nem contra o sindicato que me representa. Essa noção me inspira a compartilhar algo que faz parte do processo formativo-trabalhista.

Uma professora de uma escola em que trabalhava fez a seguinte pergunta: por que você não vai para a EAPE ou universidade? E disse: “você está perdido e pouco aproveitado na escola com a formação que tem”. Respondi: meu lugar é onde posso contribuir com a formação humana, com a densidade de minhas limitações e alcances. E finalizei: a Educação Básica pública é o meu lugar por opção, convicção e sentimento de pertencimento a uma classe – a trabalhadora, em conflito com as artimanhas do capital que, segundo Marx, “é potência que tudo domina”. E a luta anticapitalista precisa quebrar com essa lógica perversa do capital que atravessa diversas relações, inclusive de trabalho.

Tenho escutado muitos/as colegas que fizeram o mestrado e doutorado se sentirem “humilhados/as” por estarem na Educação Básica após saírem dos Programas de Pós-Graduação Stricto sensu. Tenho dito que a nossa formação, na condição de professores/as da rede pública do Distrito Federal, não pode ser assumida como uma espécie de endeusamento, sendo o/a investigador/a um semideus. Somos pessoas humanas com todas as limitações e alcances que a conjuntura/estrutura condiciona. Somos, sobretudo, agentes sociais, políticos e culturais de mudança. Especialização, mestrado e doutorado não são para serem pendurados nas nuvens. É preciso trazer os aportes teóricos-metodológicos ao chão da história, ao cotidiano de nossas escolas públicas.

É comum, via de regra, professores/as da Educação Básica pública deixarem o público e irem para empresas privadas, para “ganhar mais”, pelo menos no nível do idealizado. Vejo uma limitação nessa atitude: ao ser promovido/a aos graus de mestres e doutores/as com investimento público e correr atrás de vantagens financeiras em empresas privadas é, no mínimo, incoerente. É urgente que se repense essa prática, em que pese a falta de política de reconhecimento das diversas formações no âmbito do trabalho docente e orientação educacional da escola pública do Distrito Federal.

O que cabe a nós, em meu entendimento, e esse Coletivo poder potencializar, é promover uma discussão qualificada sabre a valorização, respeito e melhorias da educação pública em seus quatro lados: pública, laica, democrática e de qualidade social, política, econômica, cultural, científica, administrativa e pedagógica. A visão de totalidade é indispensável neste processo construtivo-produtivo-transformativo.

Há uma diversidade de áreas e linhas de formação que tem tudo para levar a cabo a qualidade de nossas práticas pedagógicas, da comunidade escolar, da educação e da sociedade como um todo. Se pautarmos nossa formação como agentes sociais de mudança, a luta inclui o financeiro, mas, sobretudo, a luta mais ampla. No plano econômico, o sindicato já faz, com todo o carinho, responsabilidade e compromisso que sempre teve e tem com a categoria. Uma coisa é contribuir com o debate e fazer uma crítica criativa, construtiva e propositiva em relação ao sindicato, outra coisa é fazer oposição sem visão de classe e como classe.

Uma outra discussão que precisamos fazer é a seguinte: somos uma classe trabalhadora, profissão professor/a. No ano em que o sindicato fez a luta com a categoria para derrubar as desigualdades, promovidas pelas chamadas classes/níveis (a, b e c, 1, 2 e 3), e por sinal passou a não ter essas nomenclaturas que dividiam a categoria financeiramente, um professor do Ensino  Médio (nível 3) se aproximou de mim e, com tristeza, disse: “não me conformo em ganhar o mesmo valor das professorinhas”.

Problematizei da seguinte maneira: por que professorinhas? Por que elas/es, da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, não podem ganhar igual ao do Ensino Médio?  Esse sentimento de superioridade, típico da sectarização cega, arrogante e prepotente (perspectiva freiriana), não coaduna com a educação como atos políticos, sociais, culturais e científicos com objetivos de transformação. Não tem força ideológico-política o preconceito com professoras e professores das Escolas Classes e Centros de Educação Infantil.

Trazer hoje ao debate a equiparação salarial entre professores/as que atuam nas diversas modalidades da Educação Básica, questionando valores financeiros entre esses/as, é um retrocesso nos níveis das mentalidades e das práticas sociais, políticas e acadêmicas. Para quem luta contra a divisão social do trabalho, de perspectiva capitalista, é incoerente propor divisão entre os oprimidos/as. Mas quem defende a divisão social do trabalho, que produz subdivisões, é coerente com sua visão e prática. Problematizo: A educação pública, em níveis local e nacional têm mais mulheres. Como lidamos com essa realidade? Quais as relações de poder imbicadas nas relações de gênero?

Em outra perspectiva, está em curso o PL 1085/2023, que equipara salário entre mulher e homem, uma das esperanças que tivemos com a vitória da democracia no Brasil em outubro de 2022. Com esse cenário, qual a relevância de uma discussão que tende a colocar em xeque a equiparação salarial em uma educação majoritariamente feminina? E não me convence dizer que é pelo fato de uns terem formação mais avançada do que outros/as, porque é um discurso falacioso e pouco comprometido com a igualdade de Gênero e de classe na educação pública. Já paramos para pensar que há um trabalho árduo no ato de ensinar, em todas as modalidades? Já paramos para perceber que alfabetizar é coisa séria e complexa? Que já passamos pela sala de aula, com professor/a alfabetizador/a, com recursos, muitas vezes tirados do próprio bolso pela ausência do Estado que, em certa medida, faz investimento no privado, em detrimento do público?

Penso que a Pós-graduação Lato Sensu e Stricto Sensu não podem ensejar, em forma de ideários e projetos, grandes diferenças financeiras. O que está em jogo na educação pública vai além desse debate em torno de quem deve ganhar mais ou menos com seus respetivos diplomas. Há que identificar e levar a sério o que é de maior relevância no debate contemporâneo. Isso implica analisar a conjuntura/estrutura com as ferramentas de Herbert de Souza (1994), em “Como se faz análise de conjuntura”, quais sejam: acontecimentos, cenários, atores, relação de forças e articulação (relação) entre estrutura e conjuntura.

Penso que a mossa luta como especialistas, mestres e doutores precisa ir além da capitalização da formação, que não se confunde com resignação diante do processo de desvalorização, expresso na progressão horizontal e com maior incidência e força nas práticas de sucessivos governos. Precisamos pensar uma agenda de trabalho, com ênfase na atuação na Educação Básica pública do Distrito Federal. Essa agenda pode incluir temas/ações com os seguintes eixos: Educação pública, laicidade, democracia, gênero, etnia/raça, LGBTQIA+, classe, problemas climáticos e socioambientais, o lugar da Pós-Graduação na Educação Básica pública do DF, etc. Essa agenda pode ser feita em parceria com o SINPRO-DF e o movimento social/popular. Precisamos, com certa urgência, pensar e agir como classe trabalhadora: estamos no mesmo barco. Sigamos em frente!

 

Cristino Cesário Rocha – Professor da rede pública do DF. Formação teológico-filosófica. Especialista em: Administração da Educação – UnB; Educação na Diversidade e Cidadania com ênfase na EJA – UnB; Educação, Democracia e Gestão Escolar – UNITINS/SINPRO-DF e Culturas Negras no Atlântico: História da África e afro-brasileiros -UnB. Mestre em Educação – UnB. Membro do Grupo de Estudos em Materialismo Histórico Dialético – Consciência, do Coletivo Consciência negra Dandara (UnB/FE), do Coletivo Educação Antirracista (SEEDF), do Coletivo Mestres e Doutores da SEEDF e Pós Populares (UnB/FE).