Experiência que transforma gerações

Nesta edição da Revista Vitalidade, dedicada à valorização da longevidade com dignidade e direitos, trazemos uma entrevista com Alexandre Silva, Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH). Com sua trajetória como educador e gestor público, ele compartilha reflexões sobre os avanços, desafios e prioridades na garantia dos direitos da população idosa no Brasil.
Logo no início da conversa, o secretário é categórico: o maior desafio ainda é a desigualdade no acesso ao envelhecimento com qualidade. Em um país marcado por profundas desigualdades sociais, nem todos têm as mesmas condições de chegar aos 60 anos com saúde, renda ou autonomia. Há pessoas que vivem bem até os 80 ou 90 anos, enquanto outras sequer alcançam a velhice – e muitas, ao envelhecer, enfrentam vulnerabilidades acumuladas ao longo de toda a vida.
A Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, segundo Alexandre, tem buscado enfrentar esse quadro por meio de políticas voltadas à equidade: oferecer mais a quem mais precisa. Um exemplo importante é o projeto Viva Mais – Cidadania Digital, com ações voltadas ao letramento digital, combate à desinformação e prevenção de fraudes financeiras. O projeto é parte de um esforço mais amplo de construção de um sistema de proteção e promoção de direitos humanos para a população idosa, com ações educativas.
Ao ser perguntado sobre políticas voltadas a professores aposentados, o secretário destaca que há iniciativas em curso, como a articulação com o Ministério da Educação para oferecer uma formação digital na plataforma AVAMEC – Ambiente Virtual de Aprendizagem do MEC, voltada a professores com 50 anos ou mais – faixa onde os efeitos do idadismo são mais sentidos. Ele reforça: envelhecer no magistério é um desafio, mas também uma riqueza que precisa ser reconhecida.
Como professor, Alexandre fala com empatia sobre a importância dos educadores idosos e aposentados. Destaca que muitos relatam perdas de direitos após a aposentadoria, e defende que o direito à dignidade e à valorização não pode ser interrompido ao fim da carreira formal. Para ele, a aposentadoria deve ser uma escolha, e não uma imposição pela perda de condições de trabalho ou reconhecimento.
Outro ponto abordado com preocupação é o aumento da violência contra pessoas idosas, em especial a violência financeira. Alexandre reforça que a Secretaria atua para prevenir esse tipo de abuso por meio de campanhas educativas, distribuição de cartilhas com orientações e formações online. Ele destaca ainda o Junho Violeta, campanha nacional que em 2025 trabalha o tema da intergeracionalidade, incentivando o respeito e o diálogo entre gerações como forma de prevenção da violência.
No encerramento, o secretário deixa uma mensagem especial aos educadores aposentados, agradecendo por sua contribuição histórica à formação do Brasil e chamando à continuidade do protagonismo desses profissionais, mesmo fora da sala de aula.
- Qual o principal desafio hoje na garantia dos direitos da pessoa idosa no Brasil e como a Secretaria está enfrentando isso?
O principal desafio é que, nos dias atuais, ainda não é garantido a todas as pessoas os mesmos direitos e as mesmas condições para envelhecer e, consequentemente, chegar aos 60 anos – critério adotado no Brasil para definir a pessoa como idosa. Isso significa que, em nosso país, ainda enfrentamos uma série de problemas que se acumulam ao longo da vida de uma pessoa, o que nem sempre permite que ela envelheça com qualidade de vida, dignidade e oportunidades.
Hoje, temos pessoas e grupos sociais que alcançam com relativa facilidade os 60, 80, 90 anos – e, geralmente, é boa parte desse grupo que envelhece em boas condições. Por outro lado, há quem não consiga chegar aos 60 anos e, entre os que chegam, muitos enfrentam grandes dificuldades e diversas vulnerabilidades acumuladas ao longo do tempo.
Dessa forma, a Secretaria atua criando programas e projetos voltados a atender essas demandas, buscando preencher lacunas para que todos os grupos sociais possam envelhecer com equidade – ou seja, oferecendo mais a quem mais precisa e reconhecendo que muitas dessas pessoas carregam histórias marcadas por violações. Isso precisa ser enfrentado.
Essa é uma das frentes de atuação do nosso Ministério dos Direitos Humanos, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa.
- Existe algum projeto ou política específica para professores aposentados?
Exatamente para professores aposentados, nós ainda não temos uma ação específica, porque estamos aqui no campo dos Direitos Humanos. Então, ao falar de professores, é necessário haver uma especificidade. O que temos atualmente é o projeto Viva Mais Cidadania Digital, que se inicia com algumas ações.
A primeira foi a criação de uma história em quadrinhos bastante rica em informações, abordando um tema que consideramos muito importante: como falar sobre diversidade e sobre a discriminação que ocorre a partir da idade.
Dentro desse projeto, uma das ações que estamos articulando com o Ministério da Educação é a utilização de uma plataforma chamada Avamec, que tem alcance para até 2 milhões de pessoas. Nessa plataforma, estamos desenvolvendo uma formação voltada a professores com 50 anos ou mais, porque já identificamos que, a partir dessa idade, os docentes sentem com mais força os impactos do idadismo – a discriminação baseada na idade.
Uma ação específica para professores aposentados ainda está em construção. Já iniciamos conversas com alguns ministérios e, assim que for possível, poderei anunciar para toda a sociedade, pois ainda precisamos realizar alguns ajustes.
- Como o senhor avalia hoje o papel da pessoa idosa? Os educadores aposentados estão sendo ouvidos?
Para mim, o papel da pessoa idosa é fundamental, essencial para qualquer outra pessoa, de qualquer faixa etária. Considero, inclusive, que a pessoa idosa é quem estabiliza a sociedade. Veja: a pessoa idosa pode fazer essa conexão entre o passado e o presente, permitindo que possamos entender para onde vamos – afinal, só conseguimos saber para onde estamos indo se soubermos de onde viemos.
As pessoas mais velhas, que estão mais próximas desse espaço de sabedoria – que pode ou não coincidir com a condição de pessoa idosa -, têm, para mim, um papel extremamente importante. Falar do professor idoso que envelhece é algo ainda mais relevante, porque eu também sou professor. Entendo bem o que significa esse processo de envelhecimento no magistério. São desafios novos que se colocam, mas não consigo imaginar nenhuma sociedade evoluindo sem a presença dos professores.
Acredito que, cada vez mais, precisamos exaltar a importância dos professores e garantir seu reconhecimento. Vivemos um momento bastante preocupante, em que direitos estão sendo ameaçados – inclusive os direitos de ensinar e de aprender, por assim dizer. Precisamos olhar com atenção para questões como a valorização salarial, o processo de trabalho, o nível de participação da sociedade na educação de uma pessoa, os caminhos da formação técnica, da graduação, da literatura, da universidade e também da pós-graduação.
Acredito que há caminhos importantes – e esses caminhos precisam ser construídos com base na educação. Eu sou fruto desse caminho: foi a educação que me trouxe até onde estou hoje.
Acho muito bonito que você também reforce e endosse todas as ações voltadas à pessoa idosa – seja ela aposentada ou não, professora ou ainda em atividade. Que a aposentadoria seja uma escolha, e que, mesmo após ela, a pessoa continue sendo professora, ainda atuante. É fundamental que tenhamos autonomia nesse protagonismo.
Temos participado de algumas conversas com sindicatos e professores, e percebemos que essa realidade não envolve apenas os docentes, mas todo o corpo de uma instituição de ensino. Queremos garantir o direito de envelhecer com dignidade, pois as condições que tínhamos antes da aposentadoria devem ser mantidas após ela. Muitos professores e diretores relatam a perda de condições salariais após se aposentarem – essa é uma reclamação recorrente.
Agora, falando um pouco sobre a violência contra a pessoa idosa: sabemos que os casos são diversos. Inclusive, a violência financeira é uma das mais frequentes – e seus índices são bastante altos.
- Como a Secretaria tem atuado na prevenção e combate à violência contra a pessoa idosa, inclusive a financeira?
Desde o ano de 2023, desde o início da gestão, temos construído ações que, para nós, são atrativas e têm se mostrado eficazes nesse sentido. Uma delas, que quero destacar aqui, é o nosso projeto Viva Mais.
Ele é uma ação de cidadania digital, voltada ao letramento e à inclusão digital de pessoas idosas, com o objetivo de reduzir as violências financeiras e patrimoniais, combater a desinformação e promover uma formação em direitos humanos.
Já formamos 5.000 pessoas idosas e estamos presentes em três regiões do país: no Distrito Federal, em Pernambuco e no Piauí. A ideia é expandir cada vez mais esse trabalho. Também produzimos cartilhas, que estão à disposição de toda a sociedade, abordando os principais golpes que afetam as pessoas idosas.
Estamos em constante aprimoramento da nossa metodologia pedagógica e, agora, contamos com uma parceria importante com o Ministério da Previdência Social. Com isso, estamos criando um ecossistema, dentro da perspectiva dos direitos humanos, para garantir maior proteção às pessoas idosas, evitando que as violações aconteçam com tanta frequência – e, quem sabe, possibilitando sua eliminação total no futuro.
Há também outras formas de violação que estão no foco da atenção da nossa Secretaria. Neste mês de junho, por exemplo, promovemos o Junho Violeta, com o tema da intergeracionalidade. Acreditamos que o convívio entre gerações é fundamental, pois favorece relações mais respeitosas e trocas significativas.
Convido todas as pessoas a conhecerem mais sobre o que estamos construindo nesse sentido, porque é assim que vamos melhorar o nosso país – com mais respeito e mais trocas entre as gerações.
- O senhor acha que o Brasil está preparado para o envelhecimento da população?
Sim, mas é preciso aprimoramentos. E faço questão de afirmar isso, porque já temos políticas, há bastante tempo, que propiciaram a longevidade que vivemos hoje – políticas nas áreas da saúde, da assistência social, da cultura, da educação, conquistas relacionadas ao mundo do trabalho – que permitiram que, atualmente, tenhamos esse contexto democrático tão importante.
É lógico que, considerando a dimensão do – com 35 milhões de pessoas idosas -, ainda há muito a ser feito. A população idosa do nosso país, por si só, é muitas vezes maior que a de muitos países. Portanto, temos, de fato, um grande trabalho pela frente: de aprimoramento e de preenchimento de áreas que ainda apresentam lacunas.
Mas está longe de ser verdade que não existam ações voltadas às pessoas idosas. Muitos dos nossos Ministérios já desenvolvem iniciativas em suas áreas que também beneficiam esse público. A ideia agora – inclusive a partir de uma provocação do nosso Ministério e da construção do Plano Nacional, como indicado pelo presidente – é conseguirmos conectar essas ações e potencializá-las, para alcançar ainda mais pessoas idosas.
- Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para os educadores aposentados?
Primeiro, é um agradecimento. Se hoje o Brasil chegou a esse ponto de evolução, de construção e de capacidade de autoanálise, é porque a educação nos trouxe até aqui.
Outro ponto fundamental é o quanto ainda precisamos do protagonismo dos educadores e das educadoras. Que eles e elas continuem, em seus mais diversos campos de atuação, fazendo o melhor pela nossa sociedade e pelas pessoas.
A educação talvez seja um dos nossos maiores bens – e a capacidade de transmitir e aprimorar o que aprendemos e ensinamos é, para mim, uma das formas mais revolucionárias e transgressoras de enfrentamento das desigualdades.
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Fonte: CNTE