Professora produz documentário sobre pobreza menstrual com estudantes do Riacho Fundo

Dar voz às adolescentes, para que elas falem, perguntem e se expressem sobre seus próprios corpos. A partir dessa ideia, a professora arte-educadora Luciellen Castro produziu e dirigiu o documentário “#Respeitenossofluxo”, que traz conversas sobre pobreza menstrual com dezenas de estudantes dos CED 01 e 02 do Riacho Fundo I.

“Mais do que falar sobre menstruação, queremos falar sobre escuta, silenciamento, autonomia e o direito de existir com dignidade. O cinema, nesse contexto, é uma ferramenta pedagógica potente. Ele permite uma escuta ativa, sensível, e abre espaço para que as estudantes se reconheçam como produtoras de saber e transformação social”, explica a professora e cineasta.

Calcula-se que, no Distrito Federal, mais de 271 mil mulheres vivam em situação de pobreza menstrual, o que equivale a 17,3% das mulheres da capital federal. Muitas dessas mulheres são adolescentes da rede pública, que, ao menstruarem, enfrentam não apenas o desafio de cuidar do próprio corpo com dignidade, mas também a vergonha, a evasão escolar e a invisibilidade.

Levantamento realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em 2021 revela que uma em cada quatro meninas já deixou de ir à escola durante o período menstrual. Mais de 4 milhões de alunas frequentam escolas sem banheiros com sabão, lixeiras ou estrutura mínima para higiene. No DF, mesmo com a sanção de uma lei, em 2021, que garante a distribuição gratuita de absorventes em escolas e unidades básicas de saúde, a política pública segue sem implementação efetiva.

 

 Escuta como prática pedagógica

O projeto nasceu em 2023, a partir de uma roda de conversa promovida com estudantes no Dia Internacional das Mulheres. A ação partiu da pergunta: o que realmente faz sentido discutir com as estudantes nesse dia? A resposta foi construída coletivamente.

Entre as meninas, surgiu o desejo de falar sobre o corpo, sobre medo e vergonha. Por que a menstruação ainda é um tabu? Por que é motivo de constrangimento ou exclusão? Por que fomos ensinadas a esconder nosso sangue? No final da roda, Luciellen perguntou às meninas: ‘Como você gostaria de ser tratada pelos meninos dessa escola?’. Para os meninos, a provocação foi: ‘Eu fui machista quando…’. As respostas, segundo ela, indicaram um campo sensível de escuta que não encontra espaço no dia a dia escolar. A partir dali, nasceu o desejo de registrar essas falas e aprofundar o debate.

“Existe um fio para a condução da conversa, que é falar sobre pobreza menstrual, a dignidade menstrual, a puberdade, mas também o desdobramento das questões, como as relações das meninas com os meninos na escola, o machismo que permeia o tabu e o silenciamento dos corpos das mulheres, que desde cedo são silenciadas, e abrir o espaço de escuta de entender o que é necessário trabalhar com os estudantes, se eles entendem o que é a menstruação e como funciona”, conta Luciellen.

O projeto #Respeitenossofluxo foi realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo. Prevê cinco rodas de conversa com estudantes, cinco exibições públicas com cine debates mediados e a produção de um material pedagógico voltado a professores da rede pública. Todos os produtos serão acessíveis, com legendas, audiodescrição, janela em Libras e linguagem simples.

O documentário de 15 minutos está em fase de edição. As gravações foram realizadas durante este mês de agosto. A ideia é finalizar a edição até novembro e exibi-lo nos dois CEDs do Riacho Fundo onde ocorreram a gravação e outras três escolas, para promover debates. Em seguida, Luciellen pretende inscrever o material em um festival de cinema.

A equipe do projeto é formada majoritariamente por mulheres: educadoras, comunicadoras, produtoras culturais e especialistas em acessibilidade. Entre elas está a professora Ravenna Silva, mulher negra, candomblecista, bióloga, mestra em educação em ciências e pesquisadora das relações étnico-raciais no ensino. Atuante nas redes pública e privada do DF, Ravenna será responsável por conduzir as rodas de conversa com os estudantes.

“Menstruar em um país desigual como o nosso é lidar com a falta de acesso ao básico: água, absorventes, estrutura escolar. A menstruação ainda é um tabu, marcada por machismo, vergonha e silenciamento. Meninas cochicham para pedir um absorvente, sentem-se constrangidas, muitas faltam à escola e até reprovam por não terem como lidar com o ciclo menstrual. É urgente que a sociedade compreenda que essa pauta não diz respeito apenas à saúde, mas ao direito à educação, à dignidade, à permanência escolar e à equidade”, afirma a professora.