A ameaça de uma usina termelétrica em Brasília: conflitos de interesse, riscos ambientais e impactos sociais

Por: Iolanda Rocha

Conhecido como o “Rei do Gás”, Suarez controla diversas distribuidoras do setor energético em todo o país.

A proposta de instalação dessa termelétrica está inserida em um projeto energético retrógrado, herdado da gestão Bolsonaro (2018–2022), que, por meio da privatização da Eletrobras, abriu brechas legislativas — os chamados jabutis — para autorizar a construção de usinas termelétricas, muitas vezes à revelia de análises técnicas, ambientais e sociais.

A área escolhida para a construção, localizada na Região Administrativa de Samambaia, nas proximidades de Ceilândia, Recanto das Emas e Sol Nascente, é uma das mais densamente povoadas e vulneráveis do DF. Essa escolha acende o alerta sobre os impactos socioambientais profundos que esse projeto pode causar. Em resposta, diversos movimentos sociais e entidades ambientais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento Salve o Rio Melchior, a Alternativa Terra Azul, o Instituto Arayara, o Fórum das Águas do DF, o Comitê Popular de Lutas de Samambaia, associações de trabalhadores rurais, além de representantes da EC Guariroba e parlamentares, têm se articulado para barrar o licenciamento e impedir o avanço desse empreendimento.

Um dos maiores absurdos relacionados ao projeto é o desmonte da Escola Classe Guariroba, que atende mais de 300 estudantes da área rural próxima. Em vez de políticas públicas que valorizem a educação e o meio ambiente, o Governo do Distrito Federal segue uma lógica de despejo e desassistência. Vale lembrar que essa região já abriga a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e o Aterro Sanitário, cuja instalação deveria ter sido acompanhada de compensações ambientais não cumpridas até hoje.

Além disso, há o risco iminente de colapso do Rio Melchior, um curso d’água já gravemente impactado pela poluição dos esgotos tratados e lançados em seu leito. A proposta da Termo Norte inclui o uso de suas águas — o que, segundo ambientalistas, pode representar o fim definitivo do rio, hoje símbolo de luta por recuperação ambiental na região.

A proposta de construção de uma termelétrica em Brasília torna-se ainda mais alarmante quando considerada sob a perspectiva da devastação do Cerrado, um dos biomas mais ricos em sociobiodiversidade e essenciais para a manutenção do equilíbrio hídrico do país. Atualmente, o Distrito Federal já perdeu cerca de 70% de sua vegetação nativa, o que resultou na degradação de inúmeras nascentes, córregos e rios, comprometendo a segurança hídrica da região.

A área destinada à instalação da usina está localizada nas proximidades da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE JK) e integra a bacia do Rio Descoberto, responsável por abastecer quase metade da população do DF. A destruição dessa região não apenas compromete recursos naturais essenciais, como também representa uma ameaça direta à vida das populações humanas e não humanas que dela dependem.

É inaceitável e contraditório que, enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP 30 — uma conferência internacional voltada justamente para o enfrentamento da crise climática —, o Distrito Federal siga na contramão dos compromissos climáticos globais, ao considerar a instalação de um empreendimento altamente poluente e insustentável. Apostar na expansão de fontes fósseis de energia, em plena emergência climática, não apenas ignora os alertas científicos como também expõe a população aos riscos de um futuro ambiental e socialmente inviável.

Diante de tantos alertas, espera-se que os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental cumpram seu papel com seriedade e responsabilidade, realizando estudos rigorosos sobre os efeitos na qualidade da água, no lençol freático, no ar, na manutenção do ecossistema e na saúde da população. O que está em jogo não é apenas a legalidade do empreendimento, mas sim o direito coletivo à vida digna, ao meio ambiente equilibrado e a políticas públicas que respeitem a população do Distrito Federal.

Iolanda Rocha é professora, socioambientalista e conselheira da Revista Xapuri