Ao mentir sobre GraphoGame, Bolsonaro despreza professores e ignora realidade

No último domingo (16), Bolsonaro afirmou em um debate entre candidatos que seu governo alfabetiza crianças em 6 meses, graças a um milagroso aplicativo chamado GraphoGame. A declaração é mais uma das sem-número de declarações mentirosas do presidente, mostrando, também, total desconhecimento da realidade da população brasileira, que sofre em decorrência da exclusão digital.

Em primeiro lugar, o GraphoGame é um jogo, e ele não alfabetiza ninguém – muito menos em 6 meses. Lançado pelo Ministério da Educação (MEC) em novembro de 2020, o aplicativo serve para apoiar os professores, em atividades de ensino remoto, e as famílias, no acompanhamento das crianças no processo de aquisição de habilidades de literacia. O GraphoGame ajuda as crianças que estão na pré-escola ou nos anos iniciais do ensino fundamental a aprender a ler e a soletrar suas primeiras letras, sílabas e palavras, com sons e instruções do português brasileiro. O jogo é especialmente eficaz para crianças que estão aprendendo as relações entre letras e sons”; segundo o próprio site do MEC. 

A ferramenta não é brasileira. Ela foi criada por pesquisadores finlandeses, e adaptada e desenvolvida por especialistas do Instituto do Cérebro, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Em nota, a PUC-RS elucida que o GraphoGame não é um app de alfabetização – como disse Bolsonaro -, e sim, apenas uma ferramenta de apoio ao ensino.

“A universidade explica que o aplicativo pode ser uma ferramenta de apoio, mas que sozinho não é capaz de alfabetizar. Este não foi e não é o objetivo da iniciativa e dos pesquisadores em nenhum momento. Para uma criança ser alfabetizada ela precisa de instrução sistemática e consistente, precisa de vivências e sem dúvida alguma do apoio da Escola e especialmente de educadores”, diz a nota da PUCRS. A universidade ainda destaca que o real foco da ferramenta é na consciência fonológica e fonêmica das crianças, ou seja, na relação letra e som.

Nos dias seguintes à afirmação de Bolsonaro, educadores e educadoras do Brasil inteiro se pronunciaram pelas redes sociais e pela imprensa, tamanho o absurdo do que foi dito. Muitos e muitas especialistas se manifestaram de forma unânime para afirmar que um aplicativo não pode ser encarado como uma política de alfabetização porque somente o professor com suas ferramentas e metodologias ensina uma pessoa a ler e a escrever.

Além da falácia em si, Bolsonaro mais uma vez desrespeita professores e professoras, sugerindo ser possível alfabetizar sem a mediação de profissionais de educação. “Esse não é apenas um equívoco, mais sim, uma demonstração de desprezo pelo trabalho dos professores e de total desconhecimento dos processos de alfabetização, de ensino-aprendizagem e da própria realidade brasileira”, opina Cláudio Antunes, coordenador da Secretaria de Políticas Educacionais do Sinpro.

Isso sem falar no quanto é inadequado que um aplicativo dirigido a crianças em fase de alfabetização se utilize de imagens violentas como tiros de canhão para desenvolver uma atividade para-pedagógica.

Pobreza e exclusão digital: experiências da pandemia

Bolsonaro não sabe coisas básicas sobre o Brasil. Ou pior ainda, finge não saber e ignora por opção política.

No primeiro semestre de 2020, em meio ao enfrentamento à pandemia de covid-19, o Sinpro realizou uma pesquisa que apontou que, no DF, o acesso aos equipamentos e à tecnologia foi um dos principais obstáculos ao modelo remoto de ensino. Na pesquisa, mais de 26% dos pais, mães ou responsáveis por estudantes da rede pública responderam que não seus filhos não dispunham de computador, notebook, celular ou tablet em casa. Nas regiões administrativas de São Sebastião e do Paranoá, esse número ultrapassava 40%.

Além disso, 27,71% dos estudantes não contavam com internet em casa para desenvolver as atividades escolares. No Paranoá, esse número superava os 40%. Em seguida, São Sebastião apresentava 37,75% e o Recanto das Emas 36,7% de estudantes sem internet em casa.

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Ou seja, somando-se a todos os problemas pedagógicos que há na expectativa de se concluir a alfabetização de uma criança em 6 meses através de um aplicativo de jogo; tem a triste realidade de que uma parcela muito significativa das crianças não conta com os equipamentos necessários para acessar tal ferramenta.

E o presidente da República, como tem sido de seu feitio, não apenas não ajuda como atrapalha nesse quesito. Vale lembrar que ele vetou o Projeto de Lei 3.477/2020, que garantia tablet e internet para estudantes e professores(as) do ensino público, alcançando mais de 18 milhões de estudantes de baixa renda e aproximadamente 1,5 milhão de professores(as) da rede pública. Depois de ampla mobilização dos movimentos sindicais e sociais da educação, o Congresso Nacional derrubou o veto em junho de 2021.

O déficit de aprendizagem no país foi aprofundado pela pandemia da covid-19, mas não apenas isso. O descaso das autoridades competentes, como o GDF e o Governo Federal, que não disponibilizaram recursos e nenhum tipo de investimento para minimizar os danos, sequer para correr atrás do prejuízo, foi decisivo para problema acumulado que temos agora. É importante destacar que durante esses dois anos, professores e professoras fizeram vaquinhas, organizaram pedidos de ajuda e tiraram dinheiro do próprio bolso para ajudar seus estudantes; enquanto isso, os governos não cumpriram seu papel e, inclusive, atuaram no sentido oposto, como se viu no caso do veto ao PL citado acima.

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