Diretora do Sinpro, Márcia Gilda é personalidade negra homenageada pela EC 09 de Brazlândia

Até então, seria apenas mais um bate papo sobre letramento racial para estudantes da rede pública de ensino, na semana de Zumbi, Dandara e da Consciência Negra. Como sempre, a diretora do Sinpro Márcia Gilda chegou pontualmente ao compromisso e com alegria transbordando por poder expandir um projeto de vida seu: o combate ao racismo.

Ao chegar à Escola Classe 09 de Brazlândia, os olhos de Marcinha – como é chamada por distribuir carisma inigualável – marejaram. Suas fotos e história estavam expostas em murais da unidade escolar. Afoitos, os estudantes cercaram a dirigente sindical para saber mais sobre sua vida, suas conquistas, suas lutas. Ela havia sido escolhida como personalidade negra a ser homenageada, e deu até autógrafo.

 

 

“Passou um filme de toda a minha vida na minha cabeça. O primeiro espaço que sofri racismo foi na escola. Agora, volto como homenageada”, lembra uma das maiores lideranças da categoria do magistério público do DF.

A reviravolta na trama da vida de Márcia Gilda vai além da resiliência da menina que passou os oito primeiros anos de vivência escolar em “um espaço hostil”, como ela mesmo define. É fruto da resistência e da luta coletiva e histórica das negras e dos negros contra o racismo, por oportunidade, direitos, visibilidade e protagonismo. Luta que tem como um dos principais mecanismos de expansão a educação crítica e emancipadora.

Preta inteligente incomoda

Aos 7 anos, Márcia Gilda teve a bochecha marcada com um vergão após a professora da 1ª série do ensino fundamental lançar uma régua em seu rosto. De tão forte o golpe, o objeto quebrou ao meio. Criança à época, Márcia não entendeu ao certo o porquê da punição. Tudo que ela havia feito naquele dia foi avançar na tarefa e escrever mais números do que a professora havia pedido. Márcia Gilda era a única estudante negra da turma.

Esse foi apenas um dos casos de racismo que a diretora do Sinpro enfrentou na vida escolar. Filha de mãe lavadeira e de pai marceneiro autônomo, a menina foi alfabetizada pela irmã mais velha, que a levava para a escola porque não havia com quem deixá-la.

“Eu era a primeira a terminar a tarefa, mas nunca recebi um ‘parabéns’. Ao contrário. Muitas vezes, a professora rasgava minha tarefa e me colocava de castigo, porque o fato de eu saber o conteúdo mais que os outros estudantes incomodava”, lembra Márcia Gilda.

 

 

Mas Marcinha teimou e desafiou o sistema estruturalmente racista. “Desde muito pequena eu falava: quero ser professora. E foi na antiga Escola Normal, onde eu fui acolhida pela primeira vez pelos professores, professoras e pelos meus colegas, que prometi para mim mesma que me tornaria uma professora diferente, que mostrasse para os alunos que eles poderiam ser o que quisessem”, conta.

Escola é lugar de transformação

A liderança sindical iniciou a atuação como professora em 1991, em uma escola particular do DF. E foi lá que ela começou a colocar em prática seu projeto de letramento racial.

“Era uma escola que tinha convênio com o Ministério das Relações Exteriores. Então tinha filho de embaixador, de cônsul. E só tinha uma aluna negra, que era a filha do porteiro. No primeiro dia de aula, pedi para que eles fizessem o autorretrato. A menina negra foi colorir seu desenho com o giz de cera e um aluno pegou o lápis preto e deu para ela. Ela disse: eu não sou preta, eu sou marrom. Eu percebi o que estava acontecendo e, naquele momento, falei para mim mesma: não vou deixar que a história dessa menina seja igual a minha”, lembra Márcia Gilda.

A professora Marcinha entrou para a rede pública de ensino do DF ainda na década de 1990 e durante 28 anos colaborou não só com a formação de estudantes antirracistas, mas acolheu e inspirou muitos e muitas que ainda hoje sofrem pelo fato de serem negras e negros.

Em sua trajetória profissional, também foi coordenadora da Regional de Ensino de Brazlândia, onde fez história. E enquanto liderança da categoria do magistério público do DF, segue na resistência e na luta para que a escola seja o principal espaço de letramento racial.

“Para as pessoas negras, não foram reservados os primeiros lugares, mas sempre a subalternidade. E a gente vai mudar isso a partir de uma educação antirracista. Escola é lugar de transformação. É neste espaço que as crianças e os adolescentes devem se formar adultos que entendam, abracem e lutem para que todos os anos de trabalho forçado e a falta de oportunidade imposta à população negra sejam reparados. Uma reparação que passa pelo reconhecimento da nossa cultura e do nosso protagonismo; pela promoção de políticas públicas que viabilizem a nossa existência e atuação nos diversos espaços; pela participação e representação política; pelo respeito. É na escola que as negras e os negros devem aprender que ser negro é ser lindo”, diz Márcia Gilda com orgulho.

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