Estado doutrinador e propaganda de guerra: o papel da educação contra (ou a favor da) disseminação do ódio no Oriente Médio

Neste terrível momento de guerra no Oriente Médio, em que o mundo assiste horrorizado a uma verdadeira chacina de crianças desamparadas e vulneráveis por um Estado que diz estar atacando apenas terroristas, vem em mente a máxima de que numa guerra, a primeira vítima é sempre a verdade dos fatos. O motivo é muito simples: trata-se de uma série de atrocidades cometidas por um ser humano contra outro. Mas há que se justificar o malfeito, e só com mentira isso é possível. Entra em campo, então, a nefasta arte da propaganda de guerra.

É importante, neste momento, diferenciar os conceitos de publicidade e de propaganda aqui adotados. O primeiro, no inglês, significa advertising. Trata-se do ato de empresas e instituições divulgarem, de forma pública e notória, produtos, serviços e ideias junto ao público, tendo em vista induzi-lo a uma atitude dinâmica favorável (consumir um produto, por exemplo). O segundo em inglês significa propaganda, e tem a ver com a propagação de informações de fonte tendenciosa ou enganosa, usadas para promover ou dar notoriedade a uma causa política ou ponto de vista específico. (Por isso se diz propaganda eleitoral e não publicidade eleitoral, por exemplo).

A propaganda de guerra sempre irá justificar o ataque contra o outro lado: eles começaram, eles são covardes, eles atacaram e nós nos defendemos, eles são terroristas e nós somos civilizados. A lógica vale para palestino contra israelense, ou para israelense contra palestino. Também vale para russo contra ucraniano ou ucraniano contra russo.

 

Estado doutrinador

No caso do Oriente Médio, a propaganda de guerra é precedida e naturalizada pela doutrinação didática, que não é feita por nenhum professor desta ou daquela tendência ideológica. Quem pratica a doutrinação, de forma contínua e prolongada, é o Estado. É o que comprova um livro cujo título é tão autoexplicativo quanto assustador: Ideologia e propaganda na educação: a Palestina nos livros didáticos israelenses.

Lançado em 2019 pela editora Boitempo, o livro foi escrito pela professora de linguagem da educação Nurit Peled-Elhanan. A obra investiga os recursos visuais e verbais utilizados em livros didáticos de Israel para representar a população palestina. A partir do arcabouço teórico e metodológico da análise crítica do discurso e da análise multimodal, a autora examina a apresentação de imagens, mapas, layouts e o uso da linguagem em livros de história, geografia e educação moral e cívica. A autora demonstra que os materiais escolares israelenses moldam um imaginário de marginalização dos palestinos. Sob um aparente discurso científico e neutro, o material é carregado de signos de violência, desprezo e intolerância contra os palestinos.

“Tudo o que os meninos e meninas israelenses aprendem sobre a Palestina é o que está disponível nos livros didáticos. Percebi todas as categorias de discurso racista nos livros israelenses. Não há fotos de palestinos ou palestinas. Eles são representados como problemas ou ameaças. Territórios palestinos são sempre retratados como desérticos, inóspitos; as ocupações israelenses nos territórios palestinos têm o tom de verde saturado, para transmitir a ideia de vida vicejante, por mais que estejam no meio do deserto de Neguev.”

A autora lembra que os livros didáticos são produzidos por editoras comerciais, que têm também seus interesses mercadológicos. Fato é que os materiais didáticos têm um papel crucial na transformação dos bem-educados rapazes e moças israelenses em combatentes prontos a eliminar o ‘inimigo’.

E nesse momento, uma guerra que ocorre do outro lado do mundo nos leva à reflexão de sala de aula: qual o papel do educador diante de um conteúdo didático enviesado? Como deve proceder o educador para levar os alunos à reflexão sobre o conteúdo abordado em sala de aula?

No vídeo abaixo, é possível assistir a um minidocumentário sobre o estudo de Nurit Peled-Elhanan.